Terça, 31 de março de 2015
Do
Observatório da Imprensa
Por
Alberto Dines em 31/03/2015 na edição 844
Ao revelar à sociedade brasileira a designação da nova
operação contra as malfeitorias praticadas contra o erário pelos maiores grupos
empresariais do país, a Polícia Federal errou na filologia: na linguagem
corrente, zelote ou zelota (do grego zelotes, imitador) tem conotação
negativa: zelo falso, devoção simulada, tartufo, enganador.
Sob o ponto de vista estritamente histórico, o grupo de
judeus que se intitulavam Canaim,
Cananeus (século I da Era Comum), eram fervorosos defensores da expulsão dos
romanos da Terra Santa. Pagaram por isso. Inclusive o mais célebre de todos. Um
dos seus seguidores, conhecido como Simão, o Zelota, fez parte deste grupo.
O termo foi resgatado recentemente por um diligente
historiador americano de origem iraniana, Reza Aslan, que coligiu e compactou
os mais importantes estudos publicados nos últimos dois séculos sobre os
primórdios do cristianismo e produziu o best-seller Zelota, a vida e a época de Jesus de Nazaré (Zahar, 2013).
O alvo da operação policial são as empresas que tentaram
eliminar ou diminuir os seus débitos junto ao CARF (Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais, órgão que funciona como uma espécie de tribunal da Receita
Federal). Pagaram fabulosas propinas aos funcionários do órgão para produzir pareceres
favoráveis às empresas infratoras e/ou tentaram outras maracutaias.
Quem recebeu a documentação da Polícia Federal e teve o
privilégio de revelar o escândalo foi o Estado
de S.Paulo, por meio de sua sucursal de Brasília (sexta-feira e
sábado, 27 e 28/3, com manchetes na capa). Não fez investigações
complementares. Em compensação, publicou tudo. Ou quase.
Ao largo
Considerado o maior escândalo na história da Receita
Federal, o prejuízo contabilizado por enquanto é de quase 6 bilhões de reais,
mas envolve processos que somam 19 bilhões de reais – quase o dobro do dez
bilhões de reais da Operação Lava Jato. Entre as empresas implicadas na
malfeitoria estão os bancos Bradesco, Santander, Pactual, BankBoston e Safra,
as montadoras Ford e Mitsubishi, o conglomerado-gigante BR Foods (marcas Sadia
e Perdigão, entre outras), Light e grupos Gerdau e RBS.
No caso desta última, o Estadão
mencionou que se trata de um grupo que opera no ramo das comunicações, omitiu
que se trata do terceiro maior do país nesse segmento e importante parceiro da
Rede Globo no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Não revelou os títulos dos
importantes veículos do conglomerado, porém detalhou os valores da infração,
aliás a menor da lista: pagou a propina de 15 milhões reais para obter uma
redução de 150 milhões no seu débito. Excelente negócio.
No sábado (28/3), o intrépido Globo não teve outra alternativa senão noticiar a Operação
Zelotes (numa distante página da seção de Economia) citando nominalmente alguns
infratores. O nome do parceiro da Rede Globo evaporou. Isso acontece quando o
tempo está quente. Evidentemente respeitou-se o sobrenome da família que fundou
e tem o controle do conglomerado. Afinal, há jornalistas com o mesmo sobrenome
e brilhante currículo que nada tem a ver com a Zelotes. Naquela noite o Jornal Nacional, ao noticiar a
operação, deu o nome do grupo e a sua filiação à Rede Globo. Mas rapidinho,
como convém.
Na Folha de S.Paulo
de sábado, igualmente na última página do caderno “Mercado-1” (B-7), há um
resumo da operação da PF com o nome dos denunciados inclusive no ramo da
comunicação social.
Em dívida com os seus leitores, o Valor Econômico de segunda-feira (30/3)
passou ao largo do escândalo. As empresas implicadas agradecem. As que pagam
seus compromissos e respeitam a lei devem se sentir lesadas. Isso também
acontece.
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