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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Liga Árabe produz factóide

Segunda, 11 de abril de 2011
 Por Ivan de Carvalho
A Liga Árabe pediu ontem ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas a imposição de uma zona de exclusão aérea “contra a força aérea israelense para proteger os civis da Faixa de Gaza”.

   Recentemente, a mesma Liga Árabe pediu ao mesmo Conselho de Segurança da ONU a imposição de uma zona de exclusão aérea na Líbia para proteger os civis, que estavam (e continuam ainda, mas agora somente por terra) sendo dizimados pelas forças da implacável ditadura do coronel Gaddafi, há mais de três décadas no poder.

    É evidente a idéia, que quase certamente terá sido considerada nas articulações de bastidores na Liga Árabe, de se exibir ao mundo uma espécie de paralelismo entre as duas situações, a da Líbia e a da Faixa de Gaza – Israel.


   Na verdade, sem querer ofender a Liga Árabe – coisa, alias, que, além de não desejar, não disponho de meios para fazer – o pedido, ainda que possa estar pretendendo dar uma espécie de “satisfação” aos palestinos de Gaza, vai além disso ao tentar criar para o mundo a imagem de um paralelismo inexistente e de uma identidade de situações absolutamente falsa.
  
Vejamos. Na Líbia, existe uma ditadura que já superou três décadas sob o comando absoluto do mesmo coronel Gaddafi e que ensaia ou ensaiava uma sucessão hereditária, do tipo da que ocorreu, por exemplo, na Síria, onde Hafez al-Assad, após 30 anos de poder, deixou a presidência vitalícia para seu filho Bashar al-Assad, este há mais de uma década na função de ditador e agora às voltas com rebeldias populares e intensos protestos populares entre os muçulmanos sunitas, maioria esmagadora (90 por cento) da população.

   Na Líbia, a rebelião surgiu no âmbito de etnia que representa dois terços da população do país (o regime apoia-se no outro terço) e a ditadura, armada até os dentes graças aos petrodólares, partiu para o esmagamento, comportamento normal para o psicopata que tomou conta do país há mais de 30 anos.

   Em vários outros países árabes rebeliões e rebeldias ocorreram ou ocorrem, num movimento surpreendente que vem sendo chamado de “primavera árabe”. Mas, até o momento, em nenhum deles a violência chegou sequer ameaçou chegar perto do que aquela que na Líbia vem insistindo em permanecer e ampliar-se.

   Claro que não foi só para evitar morte de civis que o Conselho de Segurança da ONU decidiu autorizar a zona de exclusão aérea, tarefa que a Otan chamou a sim para implementar. Havia, e há, preocupação com o que resultará do enfrentamento na Líbia, cujas conseqüências imediatas são difíceis de prever e as mediatas, impossíveis, ressalvados videntes e profetas.

   Mas, e quanto a Israel e os palestinos da Faixa de Gaza? Cenário totalmente diferente. Israel é um Estado democrático como não é a Líbia nem a Faixa de Gaza, esta, parte do proto-estado palestino, que incluiria também a Cisjordânia. Não há uma rebelião interna, o que elimina grande parte do suposto e falso paralelismo. Mas há outra coisa. Em Gaza domina o Hamas, movimento terrorista que tem por hábito inventar coisas como carros-bomba, homens-bomba, mulheres-bomba e disparar dezenas ou centenas de foguetes através da fronteira sul de Israel para acertar, como foi o caso que desencadeou a resposta israelense em curso, ônibus escolares, aldeias, pessoas, todas civis. Não se consideram, nos ataques de carros e pessoas-bombas e de foguetes, alvos militares. Considera-se apenas o terror.

   O pedido da Liga Árabe quanto à exclusão aérea na Faixa de Gaza é apenas político, com forte viés de propaganda. Enquadra-se na categoria dos factóides.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.