Sexta, 6 de janeiro de 2012
Carlos Newton
O jornalismo tem umas coisas estranhas. Toda a grande imprensa cobriu
a entrevista coletiva convocada pelo ministro da Integração Nacional,
Fernando Bezerra Coelho (PSB), para explicar o espantoso privilégio dado
a seu Estado, Pernambuco, na distribuição de verbas contra calamidades
públicas.
Toda a imprensa estava lá, repita-se. Mas apenas o Correio Braziliense deu para sua reportagem este título espantoso: “Sob pressão, ministro Fernando Bezerra diz que Dilma sabia de tudo”.
Será que o repórter do Correio, Paulo de Tarso Lyra, foi o único que
entendeu assim as declarações do ministro? Por que os outros jornais
bobearam?
O fato é que, pressionado pelo Palácio do Planalto, que o obrigou a
antecipar o retorno a Brasília, e pelo PMDB, que pretende tomar-lhe a
vaga na Esplanada, Fernando Bezerra disse mesmo que a presidente Dilma
Rousseff sabia do repasse de R$ 70 milhões para a construção das usinas
na Bacia do Una, em Pernambuco.
Interessante. Como o repórter do Correio destacou, esta é a primeira
vez que um ministro instado a dar explicações sobre ações consideradas
suspeitas teve a coragem de envolver diretamente a presidente da
República e a cúpula do governo em suas justificativas.
“O repasse dos R$ 70 milhões foi discutido com a Casa Civil, o
Ministério do Planejamento e com o conhecimento e participação da
presidente da República”, declarou Fernando Bezerra.
Questionado se a presidente saberia detalhar todos os recursos
liberados pela sua pasta nas ações de combate a enchentes, Bezerra foi
enfático. “Eu não disse todos os recursos. Mas sobre esses R$ 70 milhões
ela tinha conhecimento.”
Aliados do ministro confirmam que, logo após o desastre ocorrido na
Bacia do Una em junho de 2010, que provocou alagamentos em 41
municípios, atingiu 80 mil pessoas e deixou 18 mil famílias
desabrigadas, integrantes do governo federal ligaram para o governador
de Pernambuco, Eduardo Campos, perguntando o que precisava ser feito
para que a situação fosse contornada. A liberação dos recursos ocorreu
em 2011.
Bezerra Coelho também abriu uma crise com um colega de Esplanada — o
ministro das Cidades, Mário Negromonte (PP), que está com os dias
contados no governo federal. O titular da Integração Nacional disse que o
orçamento de sua pasta é ínfimo se comparado ao comandado pelo colega
baiano. “O Ministério das Cidades tem um orçamento de R$ 11 bilhões para
as obras de contenção e prevenção a enchentes. Nossos recursos são
muito pequenos”, completou.
Durante a entrevista coletiva, o ministro desmentiu o noticiário de O
Globo e do Estadão, e reforçou a nota divulgada pela Casa Civil negando
que o Ministério de Bezerra estivesse sendo esvaziado por Gleisi
Hoffmann a pedido da presidente Dilma Rousseff.
“Quando isso ocorrer, espero estar longe. Ao me chamar para uma
tarefa, gosto de fazer a tarefa completa, não pela metade”, completou
Bezerra, negando que estivesse fazendo uma ameaça. “Minha relação com a
ministra Gleisi é muito estreita”, arrematou.
Agora só resta saber quando o ministro será demitido. Os motivos, ele
mesmo já os alinhou, dar entrevista com tamanha franqueza. E o repórter
do Correio, com clareza, ‘captou a mensagem”.
Fonte: Tribuna da Imprensa