Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 7 de março de 2012

Conversa$ sobre dinheiro

Quarta, 7 de março de 2012
por Yanis Varoufakis
Na sequência do brutal pacote de austeridade – com cortes de 3,3 mil milhões de euros em salários, pensões e benefícios – que acabou de ser aprovado pelo parlamento grego, o Professor Yanis Varoufakis, professor de teoria económica na Universidade de Atenas, dá a Occupied Times esta visão especial sobre os dias negros que se perfilam à nossa frente…
OCCUPIED TIMES – O senhor diz que Atenas se encontra numa “profunda depressão” – como é viver nela?

Yanis Varoufakis – As pessoas quase não falam de mais nada a não ser da crise. Encontramos pessoas que não vemos há décadas e, em vez de perguntarmos como é que foi a vida delas, entramos numa discussão sobre o 'desastre'. As luzes vão desaparecendo da cidade, à medida que muitas famílias vêem ser-lhe cortado o fornecimento de energia eléctrica. As lojas fecharam uma em cada duas, mesmo nas áreas elegantes de Atenas. Os negócios que ainda se aguentam estão a preparar-se para o cair do pano. Toda a gente deve dinheiro a toda a gente e ninguém pode pagar. Os empregos são uma miragem, com o desemprego entre jovens a atingir os 45% da população.

OT – As contas de electricidade na Grécia não estão a aumentar, e não há uma nova taxa qualquer sobre a electricidade…?

YV – Ambas as coisas. A electricidade acaba de subir 12% enquanto, ainda por cima, o governo introduziu novas taxas fixas na conta da electricidade. Se não fosse tão trágico, seria de morrer a rir.

OT – As pessoas falam do “mal-estar grego”. O que é isso exactamente?

YV – Deixe que lhe recorde que até 2008, a Grécia estava a ir muito bem. A economia estava a crescer mais depressa do que a média na Europa, o investimento estava a aumentar, tanto no domínio público como no privado. Então, porque é que a Grécia implodiu em 2009/2010? A razão é muito simples e, ao mesmo tempo, muito complexa. A história simples é que a indústria grega recuou nos finais dos anos 70, na sequência dos choques conjuntos das crises de petróleo (que aumentaram muito os custos da energia) e do levantamento da protecção tarifária, a fim de apoiar a entrada da Grécia para a CEE – a antecessora da UE. Nessa altura, os prejuízos do sector privado foram transferidos para o sector estatal, inflacionando a dívida pública (em especial quando se utilizou o estado para empregar os operários e os empregados que a indústria estava a dispensar). Acrescente a esta mistura uma dose crónica de evasão fiscal (que começou com os ricos e depois se espalhou pelas classes 'mais baixas') e obtém as razões do aperto no erário público. Antes do euro, a Grécia conseguia gerir crises através de desvalorizações frequentes. Mas depois de entrarmos para o euro, o amortecedor de choque da desvalorização desapareceu. Houve uma época em que rios de dinheiro tóxico barato (na sua maioria produzido por Wall Street, pela City e pelos grandes bancos do norte da Europa) inundaram países como a Irlanda, a Espanha, etc. Deram a toda a gente uma sensação falsa de condescendência, mas na realidade estavam a criar uma expansão conduzida pelo consumo. Por isso, quando a Queda de 2008 nos atingiu, foi apenas uma questão de tempo para que o capital que estava a entrar fugisse de novo, deixando atrás de si apenas devastação. E, dada a impossibilidade de desvalorizar a divisa da Grécia, para absorver o choque, o resultado é que alguma outra coisa tinha que ceder – a economia social da Grécia.

OT – E as agências de avaliação do crédito, como é que se encaixam em tudo isso…?

YV – Esses grupos realizaram o seu milagre criminoso durante os bons tempos, principalmente na Wall Street e na City. Desempenharam um papel fundamental ajudando os bancos a imprimir o seu dinheiro tóxico privado (por exemplo, as obrigações de dívida com garantia – CDO, collateralised debt obligations ), rotulando-as com AAA ou seja 'sem risco'. A santa aliança entre essas agências e os bancos criaram as pirâmides que ruíram em 2008, com os resultados que todos sentimos no mundo inteiro até hoje. Actualmente, acho que não contam para muito. E se contam, a culpa é dos governos – por exemplo, quando um Banco Central (como o BCE) afirma que só aceitará, como títulos caucionados os que obtenham uma determinada avaliação mínima da S&P ou da Moody's, de quem é a culpa por a S&P e a Moody's exercerem um poder exorbitante?

OT – Parece que os tecnocratas estão na mó de cima (em Itália & Grécia) – acha que eles podem fazer um trabalho melhor?

YV – Não, isto não é uma questão de personalidades. É uma profunda falha estrutural nas entranhas do capitalismo financiarizado em geral e na arquitectura insustentável da zona euro em particular. Nalguns aspectos, uma certa competência pessoal não é uma coisa má. O Mario Monti da Itália é certamente melhor do que Berlusconi. O mesmo já não posso dizer do nosso 'tecnocrata', Lucas Papademos, cujo maior trunfo, na minha opinião, tem sido a rapidez com que actua ao som da voz do dono, desde há muito, muito tempo (o dono é o Banco Central Europeu). Embora de certa forma ele esteja a fazer um magnífico trabalho, dado que a sua função era, desde o primeiro dia, orquestrar a aceitação desses empréstimos pelo parlamento grego. Lacaio uma vez, lacaio toda a vida!

OT – Há mais alguma coisa a dar? Mais activos a entregar?

YV – É importante sublinhar que o pior aspecto dos 'resgates' gregos é que não têm como objectivo espoliar a Grécia dos seus activos. O seu objectivo é esconder o estado real e lamentável dos bancos europeus. Por essa razão, pede-se ao estado grego insolvente, e aos seus maltratados cidadãos, que contráiam empréstimos que não podem pagar por uma simples razão: para que os passem para os bancos insolventes. Mas para passar esses empréstimos no parlamento alemão, cujos membros não querem aprovar esses empréstimos, o governo alemão tem que demonstrar aos seus deputados que a Grécia 'merece' esses empréstimos porque está a sofrer, a sangrar, e a liquidar. Assim, a Grécia é espoliada dos seus activos a fim de acalmar os parlamentares alemães e passar os empréstimos para os bancos falidos.

OT – O que é que pensa do PSI (Private Sector Involvement, Inclusão do sector privado) e da 'restruturação' da dívida a que vamos assistir?

YV – A minha opinião é que é fraudulenta. Sou a favor de apertar o cinto. Se um empréstimo corre mal, tanto o que pede como o que empresta têm que sofrer com isso. Até aqui, a carga e o sofrimento têm recaído apenas no povo grego, enquanto a UE e o FMI vão empilhando uma nova dívida sobre os ombros débeis da Grécia, para que os banqueiros não percam um tostão do dinheiro e dos juros que lhes são devidos. A razão por que a PSI é fraudulenta é que força os banqueiros a sofrer um golpe, mas também os força a fingir que o fazem voluntariamente. Porquê? Para garantir que os contratos de Credit Default Swap (na verdade, políticas de seguros, que alguns fundos de investimentos especulativos e bancos compraram a outros bancos e a outros fundos de investimentos, que pagam dinheiro aos seus devedores no caso de um incumprimento involuntário da Grécia) não 'ardam' – porque, se isso acontecer, então esses banqueiros que emitiram os CDS vão acabar por ficar insolventes também (visto que não têm dinheiro para pagar aos detentores dos contratos de seguro). Assim, pretende-se agora que a Grécia negoceie com os banqueiros o golpe que estes últimos vão assumir 'voluntariamente'. É como pedir a um rato para negociar com um gato sobre que parte do rato é que o gato pode comer. E tudo isto como uma pré-condição para que a UE e o FMI concedam mais empréstimos à Grécia, empréstimo esses que a Grécia vai utilizar para pagar aos banqueiros, provocando uma austeridade ainda mais anquilosante – enquanto fica proibida de usar nem que seja uma pequena parte desse dinheiro para impulsionar a sua economia ou financiar hospitais.

OT – Consta que certos cambistas estão a preparar-se para o regresso do dracma – acha que isso vai acontecer? Que acontece se a Grécia sair do euro?

YV – Será uma negligência criminosa os nossos governos não estarem a preparar planos de emergência para essa eventualidade. Tendo dito isto, acho que um colapso do euro seria terrível para todos nós; tanto para os que estão dentro como para os que estão fora da área do euro. Além disso, o custo humano com a saída do euro num sítio como a Grécia, enquanto o euro se mantiver moeda legal, seria catastrófico.

OT – As pessoas seriam forçadas a sair das grandes cidades (Atenas, Roma. Lisboa, etc) e voltar às áreas rurais?

YV – De facto há uma série de pessoas a sair de Atenas e a ir para a província, na esperança de construir uma vida mais sustentável. Mas isso não é solução. Vivemos em sociedades urbanizadas, cosmopolitas em que as cidades são os alicerces da nossa sociedade. A tarefa que enfrentamos é fazê-las funcionar. Não é abandoná-las.

OT – Porque é que a 'dívida' tem tanto poder?

YV – Porque os credores possuem poder de monopólio sobre o sistema político. Principalmente depois da Queda de 2008, vivemos num sistema a que eu chamo Bancarrotocracia – domínio dos bancos em bancarrota. Quanto maior for o buraco negro no seio deles, maior é a sua capacidade de mobilizar o estado a fim de extrair rendas do resto da economia social.

OT – Acha que as pessoas alguma vez vão retomar o controlo do seu sistema bancário?

YV – Não, pelo menos enquanto a classe média não se revoltar também, e o sistema político perceber que têm que ceder às massas, senão estão condenados.

OT – O que pensa do movimento Occupy?

YV – É o único raio de esperança numa noite particularmente escura.

O original encontra-se em http://theoccupiedtimes.co.uk/?p=2604 . Tradução de Margarida Ferreira.
Este entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .