Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A reação do governo


Quarta, 19 de setembro de 2012
Por Ivan de Carvalho
Não ocorreram somente no PT e adjacências as reações a reportagem da revista Veja que, baseada em revelações atribuídas a Marcos Valério – um dos principais operadores do esquema do Mensalão e também um dos principais réus do processo que está sendo julgado pelo STF –, envolve direta e profundamente o ex-presidente Lula no esquema do Mensalão.

             A presidente da República, Dilma Rousseff, também reagiu. De acordo com veículos de comunicação, ela tinha almoço agendado em São Paulo para sexta-feira passada com o dono do Grupo Abril, Vitor Civita. Mas o teor da reportagem que seria publicada chegou ao conhecimento do governo e do comando petista. A presidente Dilma cancelou a viagem a São Paulo.

            O noticiário passa a impressão de que ocorreram esforços para demover a Veja da publicação da reportagem, mas estes esforços falharam. O fato é que, com alguma gentileza, a presidente alegou motivos familiares para não comparecer ao compromisso com Civita. A comunicação presidencial a Civita foi feita aproximadamente às 10 horas.

            “O ministro da Fazenda, Guido Mantega, também se retirou, sem prévio aviso, de uma mesa de debates com o dono do Grupo Abril. Há quem diga se tratar de represálias contra a reportagem de capa da revista Veja “Os Segredos de Valério” – esclarece o site do PC do B, o mais fiel aliado do PT no espectro partidário.

            O almoço de Dilma e Civita integrava-se no evento “Maiores e Melhores”, promovido pela revista Exame, publicação de ponta do Grupo Abril sobre economia. Quanto à sessão de debates, estavam na mesa, além do ministro Guido Mantega, Vitor Civita e o economista americano Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, entre outras pessoas.

A retirada heterodoxa do ministro da Fazenda causou constrangimento, como relata o site do PC do B: “O constrangimento foi geral, a ponto de o presidente do Grupo Abril, Roberto Civita, no melhor estilo dos jogadores de futebol que reprovam o técnico ao serem preteridos, sair do salão de eventos do hotel Unique, em São Paulo, na sexta-feira (14), meneando a cabeça”.

Além da solidariedade da presidente Dilma Rousseff ao seu antecessor, a quem tanta gratidão deve e cuja conduta no primeiro de seus dois mandatos de presidente é o foco principal da reportagem de Veja e é duramente atingida pela reportagem, esse comportamento da presidente da República e de seu ministro da Fazenda admitem também a interpretação de que o governo está passando a Roberto Civita e ao Grupo Abril uma mensagem sobre o tratamento que lhes dará daqui por diante.

A Veja vinha brigando feito gato e cachorro com o PT, enquanto tanto a revista como o Grupo Abril mantinham um relacionamento cordial com o governo, sem hostilidades de parte a parte. No entanto, ao divulgar material que atinge direta e perigosamente Lula, a grande liderança petista e a quem a presidente Dilma é imensamente grata, a revista teria passado dos limites.

Mas não só isto. Como alguns pessoas afirmam não existir gravação nenhuma, há muita gente cobrando que a revista divulgue a gravação que embasou a reportagem e muita gente supondo que não se trataria de gravações com “parentes, amigos e associados” de Marcos Valério, mas gravação de uma entrevista deste. Esta última tese vem se fortalecendo visivelmente na mídia. Há complexas e polêmicas questões de ética jornalística envolvidas numa divulgação da “fita”, mas pode haver também considerações de interesse empresarial. Afinal, como sempre neste país, qualquer grupo empresarial pensa dez vezes antes de decidir por uma colisão definitiva com o governo da União – um governo que se considera dono do Estado.