Sábado, 14 de fevereiro de 2014
Do Blog do Professor Salin Siddartha
Criado na década de 80, o
chamado Consenso de Washington traduziu-se
como uma recomendação do governo estadunidense de condições para que os
organismos financeiros sediados na capital dos EUA concedessem cooperação
financeira externa, bilateral ou multilateral.
Dele resultaram dez cláusulas
impostas às nações que solicitavam ajuda financeira ao Banco Mundial e ao Fundo
Monetário Internacional, como um conjunto de princípios para manter as economias
africanas, centro-asiáticas, latino-americanas e dos países do Leste Europeu
sem correções de rumo que necessitassem da intervenção do FMI ou de pacotes de
ajuda externos. Em suma, centravam-se doutrinariamente na desregulamentação dos
mercados, na abertura comercial e financeira dos países e na redução do tamanho
e papel do Estado. Assim, o Fundo Monetário Internacional, diversas agências
dos EUA e organismos multilaterais incrementaram a monitoração desse pacote de
medidas nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.
Suas cláusulas foram aplicadas por mais de
duas décadas aos países dependentes de empréstimos externos, mas demonstraram
sua fraqueza ao ruírem na crise financeira mundial de 2008/2009, quando a nata
do mercado financeiro implorou ao Estado que lhe acudisse, para salvar bancos e
banqueiros da falência iminente advinda após o calote dos subprimes. Ali, então, ficou claro que, apesar de o Consenso de Washington
propagar como inútil e perniciosa a intervenção do Estado na economia, sem a ajuda do Estado o mercado afundaria. Assim,
foram, na prática, “derrogadas” as cláusulas do Consenso de nºs 2 (“fim dos
subsídios”), 4 (‘liberalização do mercado financeiro”) e 8 (privatização das
empresas que se encontrassem sob o domínio do Estado e ausência de controle do
Estado).
Até 1988, os
países devedores foram pressionados a realizar um programa de estabilização,
liberalizar as economias e pagar a dívida externa em sua totalidade, como
exigências a serem cumpridas simultaneamente. Passou-se,
então, a enfocar a crise da dívida externa dos países em desenvolvimento com
base nos princípios da liberalização, contração fiscal e privatização. A
desregulamentação, a flexibilização e a precarização do trabalho terminaram por
conduzir, no setor terceirizado e nas pequenas empresas informais ou
clandestinas, a implantação de verdadeiros centros de exploração humana em
diversos lugares do planeta.
Em vários países da América Latina houve
uma regressão estrutural, principalmente no Brasil e na Argentina, que tinham
conseguido alcançar uma estrutura industrial relativamente complexa.
No Brasil, a aplicação das
cláusulas do Consenso de Washington foi um fator responsável pelos maus
resultados econômicos nos anos 1990, quando lhe seguimos o receituário segundo
o qual deveríamos desenvolver-nos com apoio na poupança externa, o que travou a
liberdade de ação do País para prosseguir em seu processo de industrialização,
deixando de lado o crescimento. A taxa de investimentos caiu, nos Governos
Collor e Fernando Henrique, a patamares, respectivamente, de 16,7% e 20,7%,
levando em conta que, até o final do Governo Sarney, vinha crescendo, tendo
atingido a cota de 24,3% em 1988.
Seus efeitos foram desastrosos,
tanto em termos sociais quanto em termos econômicos e políticos, para as diversas
nações do mundo (não só para os países em desenvolvimento, mas também para os
desenvolvidos), pois passados quase 25 anos de sua aplicação, o Consenso de
Washington trouxe o legado do aumento da miséria no globo terrestre. É verdade que, segundo o Banco Mundial, os miseráveis dos
miseráveis, que dispõem de menos de um dólar por dia, são hoje menos numerosos
que no passado: em 1985 eram 1,2 bilhões e hoje são menos de 1 bilhão. Mas, se
considerarmos os que dispõem de 2 dólares por dia, eles são hoje em número
maior, a saber: são aproximadamente 2,6 bilhões, sendo 100 milhões a mais que
em 1985. Ou seja, de cada dez habitantes do planeta, quatro estão em situação
de extrema pobreza.
Felizmente, hoje,
num novo quadro conjuntural, temos a oportunidade de avançar na construção de
uma política de desenvolvimento que não leve em conta as imposições arrogantes e
a poderosa retórica dos países hegemônicos. Há muitas décadas que falta
ao Brasil uma estratégia a seguir. Nosso desafio será desenhar uma política
industrial articulada a um projeto de desenvolvimento para o País – vai depender, em grande parte, da vontade política dos
nossos dirigentes.