Sexta, 20 de fevereiro de 2015
30 ANOS, ESQUECIDOS, DOS DOIS MAIORES ESPETÁCULOS CONTRA ADITADURA. O CHARLIE, MAIS UMA VEZ NÃO CIRCULOU: INTIMIDAÇÃO NA DINAMARCA,CARTUNISTAS SÃO AMEAÇADOS
Da Tribuna da Imprensa
Helio Fernandes
O
Ministro da Justiça não podia nem devia receber advogados dos corruptos e
corruptores indiciados na Lava-jato. Errou na ação e na complicação. Sua
afirmação: “Vou recebê-los sempre, só na ditadura isso não se admite”. Como
estava na contramão da ética e da autenticidade, insistiu.
E aí
sua situação ficou insustentável, indefensável: mesmo que tivesse todos os
advogados do seu lado. Pois o que afirmou é irreversível e justificava a
imediata demissão: garantiu, numa frase o futuro da acusação: “Seus clientes
serão libertados muito mais rápido do que vocês mesmos imaginam”.
Com
isso usaram uma autoridade sem poder, e o Ministro se aproximou perigosamente
da mistificação. Pois não tem uma possibilidade em um milhão de influir na
libertação dos corruptos e corruptores presos.
Agora
a interferência dos advogados. Têm a obrigação incontestável de fazer quase o
impossível em nome e no direito dos clientes. Só não podem praticar o
desperdício de tempo e de recursos, “apelando” para o Ministro da Justiça. Que
não tem nada a ver com o processo.
Na
defesa, advogados revelaram apropriadamente e de forma legitima: “Já apelamos
para o Supremo, para a Justiça do Paraná”. Perfeito. O processo, no Supremo,
está “apenso”, que palavra, ao Ministro Zavaski.
Portanto
recorrer a ele, contestar fatos, nenhuma reprovação. E a Justiça Federal do
Paraná, (Sergio Moro) é que comanda a ação, “até que outro poder mais alto se
alevante”. Que não será de modo algum o Ministro da Justiça. Se nem a
presidente conseguiu sequer receber informações (sigilosas) sobre a ação, por
que um simples ministro demissível, poderia?
Agora,
para terminar, lições de suposta hierarquia, para os advogados, os leitores,
menos José Roberto Cardoso, que conhece muito o que cabe a ele e o que não
cabe.
Pode
parecer estranho, mas o Ministro da Justiça “não manda” na polícia Federal. Não
nomeia nem o chefe de Policia. Se tiver bom transito com o presidente, pode
indicar um ou dois nomes, o presidente aceita se quiser.
Portanto,
nada ver.
O
mesmo acontece com a Petrobras e o Ministério de Minas e Energia. O
“japonesinho” Shigeaki Ueki presidia a Petrobras na ditadura, começaram rumores
fortes sobre seu enriquecimento ilícito. Chegaram ao “presidente” Geisel, que,
arrogante tirou Ueki da Petrobras colocou no Ministério das Minas e Energia.
Há
mais de 30 anos vive majestosamente rico no Texas mais rico do que os Bush, em
petróleo. Os dois ex-presidentes dos EUA.
Há
mais outro exemplo de divergência diária: Ministro da Fazenda, presidente do
Banco Central, quem manda mais? Nenhum deles, cada um faz o que quer, numa ação
que devia ser conjugada. Mas nem o presidente da Republica pode ou consegue
interferir.
Maria Bethânia, a cantora da Democracia
Extraordinária,
grande personagem, merece o que coloquei no titulo. Numa entrevista ao jornalista
Nelson Sá, relembrou os 50 anos de carreira. Cantou então “Carcará”, um libelo
que o público aplaudiu de todas as formas, se incorporou ao seu dia-a-dia.
“Carcará, mais coragem do que homem/Carcará,
pega, mata e come!”. Carcará e Maria Bethânia se entrelaçaram de tal maneira,
que ela mesma. Foi para a Bahia, ficou um ano, voltou com uma condição: “Não
canto mais Carcará”. E explicou: “Só pediam Carcará, não aguentava mais”.
“Opinião”, vocação
contra a ditadura
Ainda
em 1965, no mesmo local deslumbrante de civismo e amor pela Liberdade, o grande
combate ostensivo e histórico na destruição do espírito arbitrário,
atrabiliario e autoritário. Millor e Flavio Rangel escreveram, encenaram e
dirigiram o que só poderia receber o titulo que recebeu: “Liberdade!
Liberdade!”.
Emocionante
na memória e na participação. Dentro do teatro multidão entusiasmada. Do lado
de fora, outra multidão que não pudera entrar, reprimida pela violência,
presentes mais policiais do que assistentes. O espetáculo maravilhoso quase não
podia seguir, o público chorava e aplaudia.
Flavio
Rangel escreveu, dirigiu, comandou também a iluminação que acendeu as mentes,
almas e corações de todos. Lá do alto de uma escada enorme, Flavio orquestrava
tudo, incendiava as luzes um espetáculo para combater a escuridão. E eu ao seu
lado, sempre repórter e combatente.
Agora,
50 anos depois, ninguém lembra de nada do que aconteceu. O “Carcará” de Maria
Bethânia, só foi lembrado por causa dela, e do espírito indestrutivelmente
jornalístico de Nelson Sá.
O
“Liberdade! Liberdade!” não ganhou uma linha em jornais, sequer uma citação na
televisão. É que o Millôr e o Flavio não estão mais aí, foram embora, deixando
depois deles apenas o esquecimento. Millor, que eu conheci desde que tinha 15
meses e ele chegava, é uma ausência não apenas familiar, é uma perda para
sempre.
Flavio
Rangel morreu muito moço, na verdade mocissimo, que saudade, que tristeza, que
lembranças. Éramos diários e intransferíveis. Em novembro desse mesmo 1965, fiz
na minha casa a primeira reunião, do que depois se chamaria de “Frente Ampla”.
Convidei alem do Flavio, o Brigadeiro Teixeira, o ex-ministro Renato Archer, o
ex-ministro Wilson Fadul (preso e torturado), o grande editor Enio Silveira.
Marquei,
falei para Lacerda, que já não era mais governador; “Vou reunir na minha casa,
personagens que já foram adversários”. E perguntei: “Você quer ir?”. Quis saber
quem iria, citei os nomes, respondeu: “Vou”. Não falei nada com ninguém, eram
convidados á minha casa. Lacerda jamais se estivera com nenhum deles.
Um
encontro de mais de seis horas, se repetiria uma semana depois, mas 5 ou 6 na
casa de um amigo do Enio no Cosme Velho. Todos encantaram com Lacerda e a
recíproca, verdadeira. Geralmente saiamos de madrugada, íamos jantar. Lacerda
foi odiado pelos militares com base nesses encontros.
Numa
dessas madrugadas num jantar no bistrô, Lacerda falou, aplaudido por todos:
“Helio, você está obrigado, como participante e jornalista a ser o Pero Vaz
Caminha da Frente Ampla”. No dia seguinte, escrevi o primeiro artigo sobre o
assunto. Riscado, rabiscado, e retaliado pelos generais que chamavam o “golpe”
de “revolução”.
E
que ainda nesse ano, 1966, me cassaram, três dias antes da eleição. E começaram
uma perseguição sem fim.
Flavio
Rangel iria embora 3 ou 4 anos depois, por que acontecem essas coisas
inesperadas e desesperadas? Pelo menos aproveito os 50 anos para lembrar do
Flavio e da Liberdade que sempre defendeu, e que tantos esqueceram.
Não
lembram dos predecessores do grande combate e dos combatentes contra os
censores, perseguidores, torturadores. Flavio e Millôr, empolgaram milhares no
Teatro e milhões no país todo, pregando a “Liberdade, Liberdade”.