Patrocínios duvidosos às escolas de samba do Rio não são explicados
Liesa diz que relação é particular, entre escola e patrocinador. MPF investiga doação da Guiné
Do Jornal do Brasil
Após a polêmica
envolvendo o suposto patrocínio do governo da Guiné Equatorial à Beija-Flor, o
intérprete da escola de Nilópolis, Neguinho da Beija Flor, afirmou, em
entrevista a uma rádio do Rio Grande do Sul, que o dinheiro sujo organiza o
Carnaval do Rio de Janeiro. Durante a entrevista dada ao vivo, por telefone, à
Rádio Gaúcha de Porto Alegre,
o intérprete afirmou que “se hoje temos o maior espetáculo audiovisual do
planeta, agradeça à contravenção”. A fala do sambista da Beija-Flor é
apenas a confirmação de anos de questionamentos sobre a origem do dinheiro dado
às escolas de samba para o carnaval carioca. E que ficou mais em evidência,
após as dúvidas que rondam a origem do patrocínio recebido pela Beija-Flor para
o desfile deste ano.
Nesta quinta-feira, o governo da Guiné Equatorial negou ter patrocinado a escola, afirmando que o dinheiro veio de empresas brasileiras que operam no país. A informação teria sido confirmada por um dos carnavalescos da Beija-Flor, Fran-Sérgio Oliveira, que teria citado ainda as empreiteiras Queiroz Galvão e Odebrecht. Por sua vez, a Odebrecht nega o patrocínio, e afirma que sequer realizou obras na Guiné. A escola ainda não se manifestou sobre o fato.
O Ministério Público Federal (MPF) está investigando a suposta doação de R$ 10 milhões do governo da Guiné Equatorial à Beija-Flor. O vice-presidente do país, Teodoro Nguema Obiang Mangue, conhecido como Teodorín, filho do presidente, é alvo de investigação desde 2013, por suposta lavagem de dinheiro. O filho do ditador teria carros de luxo no Brasil, como um Lamborghini, um Maserati e um Porsche, totalizando cerca de R$ 30 milhões, além de imóveis de luxo no país.
De acordo com o procurador da República Orlando Monteiro da Cunha, a suposta doação destinada à Beija-Flor será analisada dentro do contexto deste procedimento criminal iniciado em 2013, em colaboração com as Justiças dos Estados Unidos e da França. O procurador acrescentou que foi descoberto que Teodorín adquiriu bens imóveis e móveis de altíssimo valor em território nacional, o que sugere uma situação típica de lavagem de dinheiro no Brasil, ou seja, ocultação de bens provenientes de recursos ilícitos. "A investigação encontra-se sob sigilo, pois estamos aguardando documentos oriundos de países que já confiscaram os bens dele, para poder pedir medidas judiciais mais severas", afirmou.
A reportagem do JB chegou a entrar em contato com a assessoria da Liga das Escolas de Samba (Liesa) questionando sobre qualquer regulamentação que norteie o recebimento de patrocínios pelas escolas. Em resposta, a Liesa afirmou que “não tem conhecimento sobre os patrocínios que as escolas fecham no carnaval carioca. A relação é particular, entre a escola e o patrocinador e a liga não tem conhecimento disso”.
Segundo Marcelo Guedes, coordenador do curso de administração e relações internacionais da ESPM e especialista em negócios do carnaval, com as proporções que o carnaval carioca tomou hoje em dia é quase impossível para uma escola se manter no grupo especial sem patrocínios externos. “Hoje, uma escola de samba não consegue se autofinanciar. Um desfile pode chegar a R$ 15 milhões, e isso só pode ser mantido através do patrocínio”, explica.
O dinheiro para financiar os desfiles vem de diversas fontes, desde os direitos exclusivos de exibição para a TV, até uma verba da prefeitura, outra do estado e outra do governo federal. Há ainda a arrecadação da bilheteria. Em 2010, foram R$ 42 milhões, divididos entre as doze agremiações do grupo especial.
Há ainda o dinheiro que é recebido de patrocínios externos, que podem vir de empresas, governos locais, governos do exterior e os chamados benfeitores ou patronos das escolas. “O grande questionamento é a origem do dinheiro e o tema que está sendo abordado. O processo de patrocínio está muito enredado. O primeiro caso de patrocínio desse tipo foi no Império Serrano ainda na década de 80 e ainda não se tem regras bem definidas sobre como esse dinheiro deve ser usado”, explica.
Contudo, a reportagem do JB não encontrou nenhuma informação sobre possíveis regulamentações das declarações dos patrocínios externos recebidos pelas escolas de samba. Questionadas pela reportagem, as secretarias de Cultura do Estado e da Prefeitura afirmam que elas lidam apenas com o repasse da verba dos governos estaduais e municipais para o carnaval carioca através da lei de incentivo à cultura.
A Secretaria de Turismo do Município, RioTur, afirma que há um programa de subvenção para cada escola e que há um prazo, após o período de carnaval, em que cada escola deve declarar o que foi gasto das verbas cedidas pela secretaria.
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