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(Millôr Fernandes)

sábado, 14 de fevereiro de 2015

O esquema de sonegação do HSBC

Sábado, 14 de fevereiro de 2015
Da IstoÉ, Edição:  2359

Como funcionava a lavanderia do banco inglês para favorecer empresários, famosos e até criminosos. O braço brasileiro operou como uma das principais artérias do golpe e pode ter movimentado mais de US$ 7 bilhões irregularmente

Amauri Segalla (asegalla@istoe.com.br)
O espanhol Fernando Alonso entrou para a história do esporte ao conquistar o bicampeonato de Fórmula 1. Selim Alguadis, um empresário turco, forneceu componentes elétricos para o projeto nuclear da Líbia. Fana Hlongwane, político de certa notoriedade na África do Sul, traficou armas. O tirano Jean-Claude “Baby Doc” Duvalier governou o Haiti durante 16 anos. O marroquino Aziza Kulsum financiou a guerra civil no Burundi, na década de 90. Entre outras façanhas,Valentino Garavani, o estilista italiano, desenhou o vestido de Jacqueline Kennedy na ocasião de seu casamento com Aristóteles Onassis. Há três coisas em comum entre as pessoas listadas acima. A primeira: todas são, ou eram, muito ricas. A segunda: em algum momento de suas vidas foram correntistas do britânico HSBC. A terceira: elas usaram o braço suíço do banco para manter contas secretas e, assim, sonegar quantias enormes em impostos. O escândalo estourou na semana passada, depois da revelação, pelo jornal francês “Le Monde”, de documentos obtidos pelo ICIJ (The International Consortium of Investigative Journalists).Trata-se do maior vazamento de dados bancários da história.
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Sede do HSBC na Suíça, onde o golpe foi engendrado: no mínimo
US$ 120 bilhões foram movimentados nas contas secretas
Os documentos cobrem o período entre 2005 e 2007 e apontam para contas secretas de 106 mil clientes, que, juntos, movimentaram US$ 120 bilhões. É muito dinheiro até para os dias atuais. Corresponde, para ficar no mesmo setor, ao triplo do faturamento do Itaú durante um ano. O Brasil é o quarto país com o maior número de correntistas flagrados no golpe. De acordo com o relatório do ICIJ, 8.667 brasileiros esconderam US$ 7 bilhões no HSBC da Suíça, possivelmente sem jamais terem declarado à Receita esses valores. Por ora, não há muita informação a respeito dos investidores, mas é provável que a Polícia Federal inicie uma varredura nos próximos meses. Segundo o ICIJ, os dados foram vazados por Hervé Falciani, um ex-funcionário do HSBC que se indignou com as práticas indecorosas do banco.
Na maioria dos países, não é ilegal manter contas bancárias em paraísos fiscais como a Suíça. No caso HSBC, a fraude consiste em ocultar das autoridades milhões de dólares (ou mais) em investimentos. O nome para isso é sonegação. Além de orientar seus clientes sobre as estratégias para escapar do Fisco, o HSBC oferecia produtos bancários não identificados, ajudava esses privilegiados a dissimular contas não declaradas (o que pode ser caracterizado como caixa 2) e permitia que eles retirassem enormes somas em espécie. A lei era ignorada sem cerimônias. Oficialmente, o limite de retiradas em 2005 era de 8 mil francos suíços (algo como R$ 25 mil), mas o HSBC passava por cima das regras. O relatório revela que o magnata israelense Beny Steinmetz, do ramo de diamantes, retirou em um único dia US$ 100 mil (ou quase R$ 300 mil).
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É ainda mais assustadora a leniência do HSBC com criminosos mais perigosos. As investigações indicam que o banco permitiu que cartéis de drogas da América Latina lavassem milhões de dólares, tornando o dinheiro sujo utilizável. Parecia não haver limites para a instituição. Uma rede de financiadores da Al-Qaeda, de Osama bin Laden, mantinha contas secretas na sede do HSBC na Suíça. Não é preciso muito esforço para imaginar o destino do dinheiro e perceber a nada sutil intersecção entre o crime internacional e negócios legítimos. O caso também cobre de suspeitas executivos de certa fama. No período do vazamento, o HSBC era comandado por Stephen Green, que largou o banco em 2010 para ser ministro do Comércio do premiê britânico David Cameron. “Naquela época, o combate à lavagem de dinheiro já estava sedimentado”, diz Janaína Paschoal, especialista no assunto da Faculdade de Direito da USP. “Os gerentes precisam entrevistar o cliente, saber de onde vem o dinheiro. Não sei se o HSBC tomou essas medidas.”
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De tempos em tempos o mercado financeiro é alvejado por denúncias. Em 2008, o megainvestidor americano Bernard Madoff, de grande reputação na praça, foi preso pelo FBI por comandar um esquema fraudulento que espalhou prejuízos de US$ 50 bilhões em diversos países, inclusive no Brasil. Também nos Estados Unidos, instituições clássicas como J.P. Morgan e Wachovia foram acusadas de manter contas alimentadas pelos cartéis de droga do México, permitindo que eles lavassem bilhões de dólares ilegais. Um dia depois das denúncias, o HSBC transmitiu um comunicado. “Nós tomamos conhecimento e fomos alertados sobre falhas nos controles internos no passado”, informou a nota. Admitir a fraude é o primeiro passo. Muita coisa virá pela frente.
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Com reportagem de Luisa Purchio
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