Da IstoÉ, Edição: 2359
Como funcionava a lavanderia do banco inglês para favorecer empresários, famosos e até criminosos. O braço brasileiro operou como uma das principais artérias do golpe e pode ter movimentado mais de US$ 7 bilhões irregularmente
Amauri Segalla (asegalla@istoe.com.br)
O espanhol
Fernando Alonso entrou para a história do esporte ao conquistar o
bicampeonato de Fórmula 1. Selim Alguadis, um empresário turco, forneceu
componentes elétricos para o projeto nuclear da Líbia. Fana Hlongwane,
político de certa notoriedade na África do Sul, traficou armas. O tirano
Jean-Claude “Baby Doc” Duvalier governou o Haiti durante 16 anos. O
marroquino Aziza Kulsum financiou a guerra civil no Burundi, na década
de 90. Entre outras façanhas,Valentino Garavani, o estilista italiano,
desenhou o vestido de Jacqueline Kennedy na ocasião de seu casamento com
Aristóteles Onassis. Há três coisas em comum entre as pessoas listadas
acima. A primeira: todas são, ou eram, muito ricas. A segunda: em algum
momento de suas vidas foram correntistas do britânico HSBC. A terceira:
elas usaram o braço suíço do banco para manter contas secretas e,
assim, sonegar quantias enormes em impostos. O escândalo estourou na
semana passada, depois da revelação, pelo jornal francês “Le Monde”, de
documentos obtidos pelo ICIJ (The International Consortium of
Investigative Journalists).Trata-se do maior vazamento de dados
bancários da história.
Sede do HSBC na Suíça, onde o golpe foi engendrado: no mínimo
US$ 120 bilhões foram movimentados nas contas secretas
Os documentos cobrem o período entre 2005 e
2007 e apontam para contas secretas de 106 mil clientes, que, juntos,
movimentaram US$ 120 bilhões. É muito dinheiro até para os dias atuais.
Corresponde, para ficar no mesmo setor, ao triplo do faturamento do Itaú
durante um ano. O Brasil é o quarto país com o maior número de
correntistas flagrados no golpe. De acordo com o relatório do ICIJ,
8.667 brasileiros esconderam US$ 7 bilhões no HSBC da Suíça,
possivelmente sem jamais terem declarado à Receita esses valores. Por
ora, não há muita informação a respeito dos investidores, mas é provável
que a Polícia Federal inicie uma varredura nos próximos meses. Segundo o
ICIJ, os dados foram vazados por Hervé Falciani, um ex-funcionário do
HSBC que se indignou com as práticas indecorosas do banco.
Na maioria dos países, não é ilegal manter
contas bancárias em paraísos fiscais como a Suíça. No caso HSBC, a
fraude consiste em ocultar das autoridades milhões de dólares (ou mais)
em investimentos. O nome para isso é sonegação. Além de orientar seus
clientes sobre as estratégias para escapar do Fisco, o HSBC oferecia
produtos bancários não identificados, ajudava esses privilegiados a
dissimular contas não declaradas (o que pode ser caracterizado como
caixa 2) e permitia que eles retirassem enormes somas em espécie. A lei
era ignorada sem cerimônias. Oficialmente, o limite de retiradas em 2005
era de 8 mil francos suíços (algo como R$ 25 mil), mas o HSBC passava
por cima das regras. O relatório revela que o magnata israelense Beny
Steinmetz, do ramo de diamantes, retirou em um único dia US$ 100 mil (ou
quase R$ 300 mil).
É ainda mais assustadora a leniência do
HSBC com criminosos mais perigosos. As investigações indicam que o banco
permitiu que cartéis de drogas da América Latina lavassem milhões de
dólares, tornando o dinheiro sujo utilizável. Parecia não haver limites
para a instituição. Uma rede de financiadores da Al-Qaeda, de Osama bin
Laden, mantinha contas secretas na sede do HSBC na Suíça. Não é preciso
muito esforço para imaginar o destino do dinheiro e perceber a nada
sutil intersecção entre o crime internacional e negócios legítimos. O
caso também cobre de suspeitas executivos de certa fama. No período do
vazamento, o HSBC era comandado por Stephen Green, que largou o banco em
2010 para ser ministro do Comércio do premiê britânico David Cameron.
“Naquela época, o combate à lavagem de dinheiro já estava sedimentado”,
diz Janaína Paschoal, especialista no assunto da Faculdade de Direito da
USP. “Os gerentes precisam entrevistar o cliente, saber de onde vem o
dinheiro. Não sei se o HSBC tomou essas medidas.”
De tempos em tempos o mercado financeiro é
alvejado por denúncias. Em 2008, o megainvestidor americano Bernard
Madoff, de grande reputação na praça, foi preso pelo FBI por comandar um
esquema fraudulento que espalhou prejuízos de US$ 50 bilhões em
diversos países, inclusive no Brasil. Também nos Estados Unidos,
instituições clássicas como J.P. Morgan e Wachovia foram acusadas de
manter contas alimentadas pelos cartéis de droga do México, permitindo
que eles lavassem bilhões de dólares ilegais. Um dia depois das
denúncias, o HSBC transmitiu um comunicado. “Nós tomamos conhecimento e
fomos alertados sobre falhas nos controles internos no passado”,
informou a nota. Admitir a fraude é o primeiro passo. Muita coisa virá
pela frente.
Com reportagem de Luisa Purchio
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