Quinta, 19 de maio de 2016
Ivan Richard e Michèlle Canes - Repórteres da Agência Brasil
O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu hoje
(19) a eficácia da lei que permite a fabricação, distribuição e o uso da
fosfoetanolamina sintética, conhecida como “pílula do câncer”. Por 6
votos a 4, a Corte máxima do país acatou pedido da Associação Médica
Brasileira (AMB) para suspender os efeitos da lei aprovada pelo
Congresso no final de março e sancionada pela presidenta afastada da República Dilma Rousseff em 14 de abril. Ao julgar o mérito da questão, sem data definida, a Corte decidirá sobre a anulação ou não da lei.
A
maioria dos ministros acompanhou voto do relator do caso, ministro
Marco Aurélio Mello, que entendeu que o Congresso invadiu a competência
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de liberar
substâncias médicas. Além de ser temerária, a liberação da “pílula do
câncer” ocorreu sem as pesquisas científicas necessárias. Acompanharam o
relator, os ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavaski, Luiz Fux,
Cármen Lúcia e presidente da Corte, Ricardo Lewandowski.
“O
controle dos medicamentos fornecidos à população é efetuado tendo em
conta a imprescindibilidade de aparato técnico especializado por agência
reguladora supervisionada pelo Poder Executivo. A atividade
fiscalizatória dá-se mediante atos administrativos concretos de
liberação das substâncias, devidamente precedidos dos estudos técnicos,
científicos e experimentais. Ao Congresso Nacional não cabe viabilizar,
por ato abstrato e genérico, a distribuição de qualquer medicamento”,
disse Marco Aurélio.
Para o relator, é temerária, e
potencialmente danosa, a liberação genérica do medicamento sem os
estudos clínicos, em razão da ausência, até o momento, de elementos
técnicos da viabilidade da substância para o bem-estar do organismo
humano. “Salta aos olhos, portanto, a presença dos requisitos para o
implemento da medida cauteladora”, disse Marco Aurélio.
Reserva administrativa
Saiba Mais
Na
avaliação do ministro Luís Roberto Barroso, houve por parte do
Congresso, violação da reserva de administração, ou seja, de competência
do Poder Executivo. Assim, como o relator, Barroso afirmou que o risco
da liberação do medicamento sem teste é maior do que os resultados
positivos relatados por alguns pacientes que fizeram uso do medicamento.
“Sem
a submissão da fosfoetanolamina sintética a todos os testes necessários
não é possível aferir a sua segurança, qualidade e eficácia, tampouco
iniciar o processo de obtenção de registro como medicamento junto à
Anvisa, possibilitando sua comercialização. No estágio atual das
pesquisas não há evidências que a substância tenha efeitos positivos no
combate ao câncer, de que não seja tóxica e de que não produza efeitos
colaterais relevantes nos pacientes que a ingerirem”, disse.
O
presidente do STF disse que o Estado tem que agir “racionalmente”. “O
Estado de Direito que se organiza em bases racionais. Não me parece ser
possível que hoje o Estado, sobretudo em um campo tão sensível, que é o
campo da saúde, possa, agir irracionalmente, levando em conta em ordem
metafísica e fundamentada em suposições que não tenham base em
evidências científicas”, disse Lewandowski.
Para o ministro Luiz
Fux, a Lei 13.269 de 2016 abriu um “carta de alforria” e representa um
grande risco à saúde das pessoas. “Sem saber os malefícios dos efeitos
colaterais essa substância pode violar o direito a saúde e uma vida
digna”.
Divergência
O ministro Luiz Edson
Fachin abriu divergência e foi acompanhado pelos ministros Rosa Weber,
Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Para Fachin, a liminar deveria ser
concedida, exceto para os casos de pacientes terminais.
“É
possível afirmar que as coindicantes exigidas para o acesso a
determinadas substâncias podem ser relativizadas em vista da condição de
saúde do paciente. Em casos tais, a situação de risco para demonstrar
que as exigências relativas à segurança cedem em virtude da própria
escolha das pessoas, eventualmente, acometidas de enfermidades. Essa
escolha não decorre apenas do direito de autonomia, mas da autodefesa do
direito à vida em prol da qualidade de vida”, disse Fachin.