Domingo, 22 de maio de 2016
Do Correio da Cidadania
http://www.correiocidadania.com.br/
Escrito por Givanildo Manoel
Estamos vivendo um cotidiano de ataques aos Direitos Humanos (DH)
pelas mãos do Estado brasileiro. Claro que temos de considerar a
constituição do Estado brasileiro, desde a invasão em 1500, estruturada
em violações aos Direitos Humanos de todas as ordens: invasão de
territórios, mortes, estupros, escravidão, criminalização, genocídio,
etnocídio, racismo, machismo, xenofobia, LGBTfobia, entre tantos outros.
Porém, o cenário que estamos vivendo hoje é o pior dos últimos 30 anos.
Tais violações sempre foram a marca daqueles que queriam ter ou manter
os seus privilégios.
Os próprios Direitos Humanos foram alvo de disputa, já que os
Direitos Humanos Civis e Políticos, pela sua época (Revolução Francesa
1789-1799), garantiam o direito à propriedade e à participação política
da burguesia na superação do antigo regime, que a impedia de tais
garantias. Os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais garantiam as
condições de igualdade, almejadas pela classe trabalhadora (Revoluções
Mexicana de 1910 e Russa de 1917).
Aparentemente, para nós, hoje esses direitos que foram conquistados
em momentos diferentes na história não são conflitantes, porque depois
da 2ª Guerra Mundial os países vencedores do conflito se debruçaram a
elaborar um pacto mundial em torno dos Direitos Humanos. É aí surge a
ideia de que os direitos humanos são uno e indivisíveis com a Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948, que confundiu deliberadamente a
necessidade dos projetos das duas classes (trabalhadora e burguesia).
Óbvio que a burguesia garantiu e realiza seus Direitos Humanos, que
são todas as condições necessárias a seu desenvolvimento: saúde,
moradia, educação, lazer, cultura, alimentação, direito à comunicação e
informação, transporte, entre outros; de qualquer um desses direitos a
burguesia goza plenamente.
Para ela, na manutenção do seu projeto de classe não importa a
realização da classe trabalhadora, portanto. E para não garantir o
acesso à riqueza, produzida pela humanidade, por parte da classe
trabalhadora, criou a falsa ideia de que Direitos Humanos são invenção
para bandido. Seus meios de comunicação propagam a falsa ideia e têm
sido um dos elementos fundamentais para que a violação dos DHs da classe
trabalhadora ocorra sem limites e a cobrança a este respeito perca
força.
A fragilização dos DHs que favoreciam a classe trabalhadora se deu já
na disputa da política internacional, na indivisibilidade das duas
gerações dos DHs, que foram impostas principalmente pelos países
capitalistas nos Pactos Internacionais organizados pela Organização das
Nações Unidas. A divisibilidade e os interesses apareceram, como veremos
no Pacto dos Direitos Civil e Político, que define sua característica
impositiva. E já em seu em seu artigo 2º define que “os Estados Partes
do presente pacto comprometem-se”, diferenciando-se dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, quando também em seu 2º artigo reza que
“cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas”,
de modo a não obrigar seu cumprimento, mas uma evolução, que por sua vez
será avaliada de acordo com a situação interna de cada país.
O que vamos assistir no Brasil, um Estado Parte do pacto, é a
desobrigação aos direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em detrimento
dos Civis e Políticos, que na verdade valorizam o direito à propriedade
e falseiam o direito à participação política, já que o poder econômico
da minoria tem prevalecido ante os interesses da maioria. Com essa
situação, não se muda o quadro de exploração e opressão, já que a
prevalência do direito à propriedade faz com que a burguesia mantenha e
amplie todos os seus privilégios de classe, inclusive avançando sobre os
frágeis direitos conquistados pela classe trabalhadora.
Só para termos uma ideia: o “1% da sociedade” ampliou a concentração
de renda nos últimos 15 anos; hoje detém cerca de 37,5% de toda renda
nacional, segundo a PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio
(2015). Em relação às terras, o Brasil tem a maior concentração nas mãos
de poucas pessoas no mundo, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística) e da FAO (Organização Internacional das
Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação). Ou seja, na
realização dos direitos econômicos, sociais e culturais deveríamos
democratizar e não concentrar a riqueza e a terra, o que acontece com
base na opressão e violência.
Evidentemente, com tal disparidade no cenário de hoje a exploração e
opressão aumentam em uma velocidade sem precedentes no país, o que com
certeza implica em mais violações dos direitos humanos dos de baixo,
pois para manter tamanha diferença econômica e manutenção de tantos
privilégios é necessário um total desrespeito aos direitos humanos. Um
exemplo disso é que a lei contra o trabalho análogo à escravidão só foi
aprovada no Congresso Nacional em 2014. Por quê? Porque no Congresso
existem diversos parlamentares que exploram a mão de obra escrava em
suas propriedades.
Essa situação evidentemente não acontece sem que tenhamos a
conivência dos outros poderes, como o executivo e o judiciário, já que
ambos funcionam a partir dos interesses daqueles que detêm o poder
econômico.
As violações que vivemos cotidianamente hoje são filhas daquelas a
que tiveram alguns a sorte de sobreviver, e que estão plenamente
estruturadas e presentes no Estado atual. Essas violações, para além de
apresentar aspectos coloniais como a escravidão, estão associadas a
outras violações, principalmente no último período, como as mortes
violentas, o encarceramento em massa e a criminalização de uma parcela
da população, cujo principal alvo são os jovens pobres de origem
indígena e negra, moradores das periferias do Brasil.
O Brasil hoje tem aproximadamente 60 mil mortes violentas por ano
(dados oficiais), sem contarmos os sumiços forçados e a subnotificação
de mortes violentas. Em nosso território, matamos mais de 10% das mortes
violentas do mundo, somos o 4º país a mais encarcerar no mundo, sendo a
maioria absoluta desses crimes praticados principalmente pelo Estado,
como uma forma de genocídio e controle da classe trabalhadora, formada
por aqueles que, para manter os interesses do capital, não podem ter os
seus direitos humanos garantidos.
Não, não são novas essas violações, e não cessarão, com certeza se
ampliarão, já que o novo governante interino golpista já deu
demonstrações claras de que as ampliará ainda mais, pavimentando ainda
mais a exploração, privatizando, precarizando as políticas ou retirando
direitos sociais, trabalhistas, previdenciários. Ações que irão piorar
imensamente a vida do povo. Claro que contam com a reação popular e para
isso prepararam toda uma estrutura de repressão, que vai de
equipamentos e assessoria em táticas de guerra como a aprovação de
legislação, a exemplo da lei antiterror que permite criminalizar e
utilizar a força sem limites contra o povo.
Todos os recados estão sendo dados pelo presidente golpista e seu
xerife elevado a ministro da Justiça: esse governo tem desprezo por
Direitos Humanos (ministério sem Direitos Humanos, sem mulher,
negros(as), LGBT etc.); que não respeitará a lei e os órgãos que as
mediam, como o Ministério Público e Poder Judiciário; que criminalizará
os movimentos sociais e utilizará indiscriminadamente a força.
É necessário organizar a resistência aos imensos ataques que virão, e
ao mesmo tempo ter clareza que a defesa dos direitos humanos da classe
trabalhadora prevê inclusive a democratização da riqueza, um ponto
crucial nesse momento. Ter essa compreensão, se contrapor à narrativa
antidireitos humanos, construir mecanismos de denúncia interna e externa
contra os Direitos Humanos, entre outras ações, é fundamental, para que
não se instale em definitivo a barbárie contra o povo e contra a classe
trabalhadora.
Givanildo M. da Silva, o Giva, é membro do
Tribunal Popular, Comitê pela Desmilitarização da Polícia e da Política,
Terra Livre e Amparar.
A publicação deste texto é livre, desde que citada a fonte e o endereço eletrônico da página do Correio da Cidadania
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Leia também:
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