Domingo, 11 de dezembro de 2016
Do Facebook de Deltan Dallagnol —Procurador da República Coordenador da Força-Tarefa do Ministério Público Federal na Lava Jato— em 9 de dezembro.
Temos o que comemorar hoje – neste Dia Internacional contra a Corrupção?
Como sempre, podemos olhar o meio copo vazio. Renan continua como chefe
de poder, mesmo sendo réu e objeto de uma dezena de investigações. A
Câmara desfigurou as 10 medidas contra a corrupção e, pela primeira vez,
cruzou a linha para aprovar um projeto contra a Lava Jato e retaliar
Ministério Público e Judiciário. A Lava Jato
continua um ponto fora da curva da impunidade, a qual ainda é a regra
geral. Como há décadas, temos muito do que reclamar da corrupção e da
impunidade no Brasil.
Contudo, pela primeira vez, temos muito
também com que nos contentar. Há um nítido processo de mudanças em
curso. A Lava Jato levou ao banco dos réus centenas de pessoas contra as
quais pesam fortes provas de corrupção. Muitos são empresários e
políticos poderosos. Gente que jamais tínhamos visto pagar por seus
crimes. Apesar dos ataques, a Lava Jato continua mais forte do que
nunca. Colaborações em curso podem ainda implodir o foro privilegiado ao
levar à Suprema Corte um número nunca visto de investigados e réus. As
entranhas podres da República estão sendo expostas. A Suprema Corte
sedimentou entendimento para permitir que a execução da pena aconteça
após o julgamento em segunda instância. A população nunca esteve tão
consciente dos problemas que a corrupção causa e da necessidade de
mudanças. O chão está fértil para que uma transformação seja semeada.
Apesar da rejeição das 10 Medidas pela Câmara, muitos Deputados já
estão reconhecendo que houve um equívoco e que as propostas podem ser
reapreciadas – o que, quem sabe, pode vir a contribuir para reaproximar a
sociedade e o Congresso. O assassinato das 10 Medidas as tornou uma
espécie de mártir. Elas são um símbolo que continua vivo, em nossas
mentes e corações, da necessidade de transformação. Seu espírito
continua a animar a todos nós e continuamos a acreditar que mudanças
virão. Após sentirmos o gostinho de um país mais justo, estamos
determinados a não nos contentar com o que tínhamos antes. Isso não quer
dizer que a luta contra injustiças enraizadas historicamente seja
fácil. Perseverança é uma condição necessária. Outras causas como a
libertação dos escravos demoraram décadas para alcançar seu objetivo. A
impunidade de poderosos é ainda a regra e a luta pela abolição da
impunidade continua – mais do que nunca em nossa história – viva e
pulsante.
Continuaremos com a sociedade na busca pela
implementação de reformas estruturais nos sistemas político e de
justiça. As 10 Medidas, que concretizam proposta de reforma do sistema
de justiça criminal, com amparo em boas práticas mundiais, podem ser,
ainda, discutidas e aperfeiçoadas. Contudo, é mais claro que nunca que
os problemas subjacentes a elas demandam por soluções e que só o
Parlamento pode efetivá-las. Contamos com um debate construtivo, que
prime pelo oferecimento de soluções alternativas por aqueles que delas
discordam. Ver sujeira por toda parte deve nos impulsionar não só a uma
boa faxina, mas também na direção da implementação de novos métodos e
regras que estimulem um ambiente permanente e razoavelmente limpo. Isso é
possível. Entretanto, isso só é possível com o engajamento da
sociedade.
Quando me pedem para olhar o copo diante de mim,
neste Dia de Combate à Corrupção, o meio copo cheio me alegra. Já o meio
copo vazio, nas circunstâncias em que vivemos, enche-me de expectativa
diante da oportunidade histórica que temos para contribuir com as
futuras gerações. É chegada a hora de enchermos o meio copo vazio. Que
2017 venha com mudanças!