Domingo, 8 de janeiro de 2017
Fonte: Facebook de Deltan Dallagnol
Por Rodrigo Chemim — promotor e professor de processo penal
Já que muita gente gosta de estatística, trago algumas para reflexão.
Primeiro o Brasil só tem a quarta maior população carcerária do mundo em
números absolutos. Mas aí, não obtante seja muita gente presa, o número
não pode ser lido necessariamente como "alarmante" em comparação
global, dado que o Brasil tem a quinta maior população do mundo. Em
números proporcionais (1 preso para cada 100.000 habitantes) o Brasil é o
32º do mundo. Isso não quer dizer que não tenhamos muita gente presa.
Mas é preciso levar em conta outros dados estatísticos.
Do universo de
pessoas que cometem delitos no Brasil e estão sendo investigadas ou
processadas criminalmente só algo em torno de 3% a 4% respondem aos
processos presos preventivamente. Só em Curitiba são presas em
flagrante, em média, 30 pessoas por dia. 900 por mês. 10.950 flagrantes
por ano. Só em Curititba. Sem levar em conta a região metropolitana. Se
pegarmos os números anuais de apenas alguns dos crimes com penas
superiores a oito anos que mais são cometidos só no Estado do Paraná, e
que foram oficialmente comunicados à polícia, portanto sem levar em
conta a chamada cifra negra da criminalidade, temos, em média anual e
dos últimos dez anos os seguintes dados estatísticos: homicídios dolosos
(média de 3.000 ao ano; ou 30.000 mil nos últimos dez anos), estupros
(5.500 ao ano; ou 55.000 nos últimos dez anos), roubos - com violência
ou grave ameaça - não estou computando os furtos (65.000 ao ano; ou
650.000 nos últimos dez anos), tráfico de drogas (7.500 ao ano; ou
75.000 nos últimos dez anos). Tudo isso só com estes quatro delitos, em
média, e apenas no Estado do Paraná. Só no Paraná, portanto, e levando
el conta só e tão somente estes quatro crimes (homicídio doloso,
estupro, roubo e tráfico de drogas) são 81.000 crimes ao ano; ou 810.000
ao longo dos últimos dez anos. Agora multiplique pelo restante do País.
É uma guerra civil não declarada. O Brasil é campeão mundial de crimes
de homicídio doloso. Não estou computando crimes de homicídios culposos
de trânsito. Só os dolosos. Nenhum país do mundo mata tanta gente como
nós. Nossa sociedade precisa se reinventar, urgentemente. Educação acima
de tudo. Oportunidades para as pessoas. Educação de novo. E mais
educação. Mesmo assim, retomando o problema da prisão provisória, é
certo que muita gente presa preventivamente também poderia estar
respondendo ao processo em liberdade, não há como duvidar. O contrário
também é verdadeiro: muita gente que está respondendo a processos
criminais em liberdade, deveria estar preso preventivamente. Empate
técnico na estatística? Não sei. Só sei que a "solução" dada pelo
Ministro da Justiça para diminuir o problema carcerário, anunciada agora
pela televisão, é soltar os presos provisórios que não tenham agido com
violência ou grave ameaça. Será que a proposta envolve mudar o artigo
312 do Código de Processo Penal? Também não sei. Não foi esclarecido
como se dará a concretização dessa ideia. Se for pela via legislativa,
será, mais uma vez, como sucedeu na Itália nos anos 1990. No auge da
investigação das "Mãos Limpas", os políticos italianos também mudaram a
lei e proibiram que pessoas acusadas de cometer crimes do colarinho
branco fossem presas preventivamente. A "oportunidade" de seguirmos a
mesma trilha parece surgir no "aproveitamento" das tragédias anunciadas
nos presídios largados pela inoperância, incompetência e,
principalmente, pela amplamente disseminada corrupção dos nossos
gestores da coisa pública. Assim, é curioso que a medida anunciada pelo
Ministro da Justiça venha também beneficiar justamente quem são os
principais responsáveis pelos gravíssimos problemas dos presídios
brasileiros: os políticos e empresários corruptos brasileiros que não
investem tanto no sistema penitenciário, quanto nas instâncias formais
de controle da criminalidade, quanto, principalmente, em educação!
Dinheiro para mudar essa realidade o país sempre teve, mas ele acaba se
esvaindo nos escaninhos da corrupção. Portanto, a notícia dada hoje pelo
Ministro da Justiça deve ter gerado alegria no cárcere da Polícia
Federal. Palocci, que teve ontem negada a liminar em Habeas Corpus no
STJ, imagino, deve estar exultante. Cunha também. E tantos outros
vereadores, Deputados, prefeitos. Natural: no entendimento do Ministro
da Justiça os presos provisórios da Lava Jato e outros que cometeram
crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, desvio de verbas públicas e
similares (crimes praticados sem "violência ou grave ameaça") não
representam perigo algum para o país. Enfim, são apenas reflexões
estatísticas lançadas no intuito de desopilar o fígado e evitar
indigestão com o noticiário televisivo na hora do almoço de hoje. Segue o
baile.