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(Millôr Fernandes)

sábado, 28 de janeiro de 2017

País de escândalos: da "Mandioca" à "mina de ouro" de Eike - Cabral

Sábado, 28 de janeiro de 2017
Da Tribuna da Bahia
Por Vitor Hugo Soares, editor do Blog Bahia em Pauta
Quando o “Escândalo da Mandioca” comandava quase todas as conversas e ocupava praticamente todos os espaços da comunicação – no jornal, televisão e rádio -  lá pelo final dos anos 70, eu andava pelas ruas de Montevidéu, a caminho de Buenos Aires, de férias do Jornal do Brasil.
O esquema, neste caso histórico e emblemático da corrupção no país, consistia no desvio de empréstimos concedidos pela agência do Banco do Brasil, em Floresta do Navio (PE), para o cultivo de mandioca, feijão, cebola, melão e melancia. O dinheiro era usado para comprar imóveis caros, automóveis de ponta, viagens de turismo, compra de mais terras e farras à tripa forra.

O caso é longo, grave e cavernoso. Basta assinalar aqui que, no meio das investigações, foi assassinado o procurador da República, Pedro Jorge de Melo, depois de fazer a denúncia e cobrar apuração da fraude bilionária. Tudo (ou quase) está contado nos arquivos dos jornais, a começar pelo JB onde eu trabalhava, que fez uma das mais completas coberturas do assunto.
Foi então que conheci o jornalista Paulo Cavalcante Valente, no hall do hotel onde eu estava hospedado, bem no centro da capital uruguaia. Não por mero acaso, mas por indicação do saudoso advogado, compadre e melhor amigo de sempre, Pedro Milton de Brito, duas vezes presidente da seccional baiana da OAB  e um dos mais competentes, éticos e corajosos membros do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em Brasília, desde então.
A recordação me veio na quinta-feira, 26 deste mês, quando a memória fervilhava à procura de assunto para este artigo semanal. Ao mesmo tempo em que agentes da Polícia Federal davam uma batida em regra na mansão do empresário Eike Batista, no Rio de Janeiro, de onde o principal procurado da operação Eficiência conseguiu escapar, sabe-se lá por quais desvãos.
A PF, desta vez, investiga indícios de que Eike, em 2010, pagou a Cabral 16,5 milhões de dólares em propina. O engodo criminoso foi disfarçado de legalidade com um contrato de compra e venda de uma mina de ouro que jamais existiu.
A transação foi fechada entre a empresa Centennial Asset Minning Fuind Lic, uma holding de Batista, e a empresa Arcadia Associados, que recebeu os valores ilícitos numa conta no Uruguai, em nome de terceiros, mas à disposição de Sérgio Cabral.
Bingo!: “A Lava Jato segue viva e atuante, graças a Deus!”, pensa e vibra este jornalista ateu que acredita em milagres. Ainda bem, porque na quarta-feira (25), o levantamento da organização não governamental Transparência Internacional apontou que o Brasil fechou 2016 no 79° lugar do ranking sobre a percepção da corrupção no mundo, composto por 176 nações.
Os dados demonstram quão insidioso é o mal e seu avanço no mundo. É aviso de que entre nós é preciso preservar e dar força ao combate inteligente, técnico, amplo e implacável da praga inclemente da corrupção, como tem feito a Lava Jato em sua marcha exemplar a cada nova operação que desenvolve, como a desta semana no Rio.
O meu encontro com o jornalista e ativista, dos anos 70, foi quase marcado. Pedro Milton se hospedara antes no Balfer Hotel, uma espécie de reduto especial da primeira leva de exilados que deixaram o Brasil na companhia do deposto presidente constitucional, João Goulart, e do ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. “Não deixe de procurar Dagoberto Rodrigues e Paulo Valente e dar um abraço que mando da Bahia”, pediu o ex-presidente da OAB-BA, às vésperas do embarque para a beira do Rio da Prata.
Pode parecer estranho para alguns, mas considero natural que estas recordações me tenham ocorrido nesta semana, final do primeiro mês de 2017, tantas décadas depois.
Em plena era do Petrolão – e das inúmeras tretas e armadilhas que parecem cercar e tentar barrar a Lava Jato, ou criar estranhas e submersas dificuldades ao prosseguimento do mais crucial processo de apuração, julgamento e punição de corruptos e corruptores da história do país (nos âmbitos público e privado). Tudo agravado pelas decorrências (as normais e as fabricadas por interesses estranhos e difusos) do recente desastre aéreo em que morreu o ministro Teori Zavascki, relator do processo no STF.
Paulo Valente (gostaria muito de ter notícias dele agora, pois perdi o seu contato no Rio) exercitava em seu desterro, com muito bom humor e perspicácia, a extrema capacidade de observador da psicologia e das relações humanas, naquele incrível, tenso e contraditório período da vida ao sul da América.
Principalmente dos chamados “turistas do milagre brasileiro”, na era Garrastazu Médici - Delfim Neto (ministro da Economia), que então desembarcavam em levas nas florescentes e livres capitais do Uruguai e da Argentina.
Logo no primeiro encontro perguntei se poderia sair tranquilo com Margarida, à noite, pelas ruas de Montevidéu. O alagoano de voz de trovão, sotaque de misturas do falar nordestino, carioca e o castelhano de sua terra de desterro, olhou para mim com um riso irônico primeiro, depois gargalhou, e deu a lição inesquecível.
“Claro que pode, afinal de contas, o que é que vocês vêm fazer aqui? A televisão e os jornais dizem que o Brasil mudou, é novo paraíso, a terra do “milagre econômico”. E cutucou: “Mas não parece: o brasileiro aqui anda tenso e sempre em ataques de nervos. Dá dez passos na rua e parece tomar um susto. Bate a mão no bolso da calça, para saber se a carteira ainda está lá. Vivem com medo de ladrão!”. 
E arrematou: “outra coisa que tenho observado, em quem chega de lá, é a capacidade de tolerar escândalos. O noticiário está cheio, e cada turista tem um caso de corrupção para contar. Um escândalo substitui o anterior, e tudo parece seguir igual. Agora é a vez deste “escândalo da Mandioca”, quando teremos o próximo?”, perguntou Paulo, há mais de 40 anos!
Tanto tempo e inumeráveis escândalos depois, chegamos à era do Petrolão, quando a Lava Jato sofre baques, mas sinaliza andar no prumo e a polícia caça o ex-magnata que virou fugitivo, para prestar contas à Justiça.
E Sérgio Cabral passa na penitenciária de Bangu a data de seu aniversário, nesta sexta-feira, 27 de janeiro de 2017. Que siga assim, pelo tempo que for preciso, para desespero e desgraça dos corruptos e corruptores e para o bem da nação.