Da Tribuna da Imprensa Sindical
Por José Carlos de Assis
Certo despreparo do movimento sindical brasileiro fica patente em episódios como o alinhamento de entidades da classe trabalhadora com o patronato favorecendo políticas de redução de imposto. Pobres desses trabalhadores, não sabem o que fazem! E não sabem porque intelectuais das áreas econômica e social, muitos deles de correntes progressistas, não conseguem explicar que no imposto de hoje esconde-se a velha mais valia de Marx.
Vejamos. No século XIX e início do XX, o trabalhador, geralmente um operário de fábrica recentemente incorporado ao sistema fabril, defronta-se individualmente com o patrão. Na prática, não havia intermediário sindical ou governamental. O patrão comandava seu negócio como bem entendia, ficando o salário pago ao trabalhador entre o mínimo de subsistência e um máximo, quando em condições de pleno emprego.
A taxa salarial era regulada pelo exército industrial de reserva. Um alto desemprego favorecia a redução do salário, um baixo favorecia aumento de salário. Já o produto do trabalho tinha seu preço regulado pela concorrência intercapitalista. No entendimento de Marx, o valor da mercadoria, se não houvesse máquinas, seria determinado pelo conteúdo de trabalho nela existente e balizado pela concorrência (teoria do valor-trabalho).
Sem entrar em detalhes, pode-se dizer que, no século XIX, estando o trabalhador em confronto direto com o patrão, a mais valia – a parte de trabalho não paga em relação ao trabalho pago (salário) – era integralmente apropriada pelo empregador. Como, para Marx, a produção era a fonte primária do valor, para assegurar a circulação outros capitalistas do comércio e dos serviços também se apropriavam indiretamente da mais valia produzida.
Agora, vejamos. Na virada do século XIX para o século XX, diferentes movimentos sociais e políticos começaram a pressionar o Estado por serviços públicos. A forma de financiamento desses serviços foi a apropriação, pelo próprio Estado, de parte do conjunto da mais-valia gerada por todo o processo produtivo capitalista. Isso, na minha terminologia, chama-se mais-valia social. E é nada mais nada menos que o imposto.
Examinando-se todo o processo, vê-se que quem financia em última instância os serviços públicos, as obras públicas de infra-estrutura e as transferências sociais é o trabalhador, através dos impostos. Não estou falando do imposto que o trabalhador paga individualmente de forma direta e indireta. Este é pago duplamente. Estou falando do imposto que é deduzido da mais-valia global e se transforma em mais-valia social.
Meu objetivo com esta nota não é de sentido acadêmico. É chamar a atenção dos trabalhadores para a armadilha construída por entidades empresariais como Fiesp e Fecomércio em suas campanhas para a redução de imposto, usando para isso de farto dinheiro público - este, sim, roubado do povo através do sistema 4S. De fato, quem produz o tributo é o trabalhador. O empresário é apenas um intermediário.
As campanhas por redução de imposto de Fiesp e Fecomércio visam exclusivamente a apropriação pelo empresário de parte da mais-valia que se destina ao sistema público através do Estado. Um modelo tributário justo reduziria drasticamente o imposto pago pelo trabalhador e compensaria essa redução com aumento do imposto para os ricos. Com isso, reduziríamos a indecente concentração de renda e de riqueza que prevalece no país.
Fala-se em redução do imposto em geral para melhorar a eficiência do Estado. Imagino qual classificação deveria ser dada, na escala de eficiência, aos R$ 500 milhões que a Fiesp reuniu junto a outras entidades da indústria para comprar o impeachment de Dilma Roussef. Denunciei isso na época. Mas não encontrei nenhuma ressonância no Ministério Público. Penso que ele acha normal distribuir a mais-valia do trabalhador entre bandidos.
Agora tratemos do governo Temer/Meirelles. Imposto aqui, em lugar de serviços públicos, serve sobretudo para pagar juros extorsivos sobre a dívida pública. Como são os empresários os titulares dessa dívida, através da especulação financeira recebem praticamente toda a mais valia gerada no setor produtivo. A mais-valia social já não é mais propriamente social. É um instrumento do Estado para enriquecer ainda mais os já ricos.
P.S. A participação do imposto na renda global da Grã-Bretanha em fins de século XIX era de 8%. Basicamente para financiar Forças Armadas e polícia. Talvez este seja o modelo tributário social ideal da Fiesp, Firjan e da Fecomércio.