Terça, 14 de agosto de 2018
Por
Aldemario Araujo Castro
Advogado
Professor
Mestre
em Direito
Procurador
da Fazenda Nacional
Prinória,
12 de agosto de 2018
Escrevo de Prinória, capital de Valfenda. Estamos em pleno processo eleitoral para escolha do mais importante mandatário do País. O Masterchef, a ser eleito diretamente pelo povo para um período de 8 (oito) anos, acumula as funções de: a) representante maior do Estado perante as nações estrangeiras; b) responsável pelas principais decisões de governo (o tal de Poder Executivo, segundo alguém chamado de Mosquetier); c) dirigente máximo da Administração Pública e d) comandante supremo da Forças Armadas.
Valfenda é uma nação com enorme extensão
geográfica. São mais 9 milhões de quilômetros quadrados. As riquezas minerais
são incontáveis. A população se aproxima de 250 milhões de pessoas. A atividade econômica está concentrada na agropecuária. A indústria perdeu
e perde força continuamente. Uma crise econômica
assola o País. O crescimento é
praticamente nulo. O desemprego atinge níveis alarmantes. O endividamento da população é altíssimo. Os juros
cobrados pelos bancos, extremamente
lucrativos, chegam a ser acintosos. A dívida pública é monstruosa. As despesas financeiras com essa dívida consomem a
maior parte dos recursos públicos. Os subsídios
e renúncias fiscais são monumentais. As
reservas internacionais são altíssimas e com elevado custo de formação e manutenção. O sistema tributário,
marcado pela excessiva complexidade,
concentra a maior parte da pressão fiscal sobre os segmentos mais sofridos da população. Os índices de violência são
estarrecedores (mais de 70 mil pessoas são
assassinadas por ano). A sociedade
alimenta uma cultura autoritária e profundamente preconceituosa (notadamente em relação às mulheres, negros e homossexuais). São inúmeros os privilégios e
benefícios indevidos de importantes
segmentos de agentes públicos.
Os serviços públicos, notadamente de saúde, educação e transporte, são, em regra, ineficientes
e de baixa qualidade. A corrupção está
disseminada em praticamente todos os
espaços dos setores público e privado. Mais de 60 (sessenta) agremiações, mantidos por recursos públicos, integram
o quadro partidário. Os meios de comunicação
de massa estão profundamente concentrados
em 5 (cinco) grandes grupos literalmente ajoelhados perante um curioso “ente” chamado de “mercado”.
Nada mais, nada menos, que 15 (quinze)
candidatos, num universo de mais de 60
(sessenta) partidos políticos, coligados ou não, disputam o cargo de Masterchef. A descrença na atividade política é
altamente preocupante. Imagina-se que
abstenções, votos branco e nulos podem
alcançar 2/3 (dois terços) do eleitorado.
Esse rápido apanhado aponta para uma conclusão inequívoca. A situação socioeconômica de Valfenda é COMPLEXA, MUITO
COMPLEXA, PROFUNDAMENTE COMPLEXA. As soluções,
caminhos ou saídas não parecem ser
fáceis, simples, rápidas ou indolores. Joel Santana, o mais renomado filósofo dessas plagas, cunhou uma frase
famosa. Disse Jojo, como é carinhosamente
conhecido: “para todo problema complexo existe uma solução simples porém errada”.
Foi neste quadro, cenário ou realidade, que
milhões de valfendenses aguardaram com enorme expectativa o
primeiro debate entre os candidatos.
Imaginava-se que entre quinze candidatos, um (ou alguns) conseguiria ser convincente e consistente em apontar
os rumos para superação da complicada
situação “valvenciada”.
Doce ilusão de milhões de pessoas,
telespectadores ou eleitores … Duas horas de debate
entre 15 (quinze) candidatos, com respostas
de 45 a 60 segundos, não poderiam produzir algo muito significativo, consistente ou profundo. Era muito
pouco provável. E a baixa probabilidade
se confirmou.
O debate, se é que aquilo pode ser chamado de
debate, foi dominado amplamente, mas não exclusivamente, por
afirmações genéricas, vazias, pueris e
infantis. O sargento Garcia respondeu que a fé (no Criador) e o amor entre as pessoas remediaria todos os males.
Pistonaro, misto de homem das cavernas com
salvador da Pátria, repetia, para tudo e
para todos: ordem, hierarquia, disciplina, tradição, honra e honestidade. O diácono Alcachofra, queridinho do tal
“mercado” e de uma ampla coalização de
políticos enrolados de corpo e alma em esquemas de corrupção, cantava o samba de uma nota só:
experiência, experiência e experiência
(em malfeitos?). O banqueiro Matareles, candidato a reeleição, afirmou várias vezes que salvou Valfenda do
inferno e era a competência em forma de
gente. Sou competente, sou competente, sou competente,
não cansava de dizer. Cirandino, cabra marcado para morrer, entre uma avaliação e uma proposta, articuladas com
enorme superficialidade, estava mais
preocupado em demonstrar ser sinônimo de equilíbrio
e prudência (será?). Verdina apelou claramente, a partir de sua trajetória de vida, para os nobres sentimentos de
compaixão e piedade. Cakes buscou
explicitamente, e até verbalizou isso, mimetizar um antigo líder popular escondido numa embaixada estrangeira para fugir
das responsabilidades decorrentes do
envolvimento com vários tipos de ilegalidades.
Os outros candidatos passaram em brancas nuvens.
Triste Valfenda … Tudo indica que aquele
pessoal que acompanhou o debate consumindo o melhor uísque,
nababescamente instalados em mansões de
20 mil metros quadrados ou mais, usuários de helicópteros como meio comum de transporte, donos de quase 750 bilhões
de dólares confortavelmente depositados em
paraísos fiscais, mas que não aparecem
nos jornais, rádios, televisões, memes ou zap-zaps, sequer nas urnas eleitorais, continuarão sossegadamente dando as
“cartas” e enchendo os bolsos ...