Quarta, 19 de setembro de 2018
Por
Pedro Augusto Pinho
O neoliberalismo vem destruindo Estados Nacionais, provocando guerras, migrações, desemprego e fome.
E traz, cinicamente, o discurso da liberdade, do enriquecimento pela competição.
Tem como arma a desinformação, a farsa e a corrupção. Não resiste, nem na academia nem na economia das pessoas e das empresas, o confronto com a filosofia, a primeira, e a realidade, a segunda.
Liberdade é uma condição relacional, ocorre nas relações humanas, não é fé. Competitividade só existe entre iguais, entre aqueles que dispõe dos mesmos atributos.
Escrevo há alguns anos sobre o sistema financeiro internacional, que abrevio por “banca”. Este sistema traz a ideologia que se derrama pelo mundo e, do mesmo modo que a cicuta, vai envenenando povos, estados, destruindo postos de trabalho, provocando guerras e migrações, mortes que nos remetem à peste negra da Idade Média.
Há até semelhanças entre a peste negra do século XIV e o neoliberalismo. Aquela é apontada como um fator responsável pelas crises do fim do feudalismo, e este pela derrocada de dois princípios que vinham norteando a humanidade na era cristã: a fraternidade e a solidariedade.
Construção do neoliberalismo
O termo foi cunhado, na década de 1930, por um grupo de acadêmicos de economia e direito ligados à Escola de Freiburg (Friburgo), na Alemanha.
Publicavam o jornal “Ordo”, defensor do “Ordoliberalismus” (Liberalismo Ordenado). A senha do Ordoliberalismo é liberdade e competição.
É possível liberdade?
O que é liberdade? Como se exerce a liberdade? O que se opõe à liberdade?
No volume “La Philosophie”, da coleção editada pelo Centre d’Étude et de Promotion de la Lecture (Paris, 1969), lê-se, em tradução livre: “Liberdade - Esta palavra chave do pensamento, bem como da vida dos povos, conheceu altos e baixos, a partir das revoluções que, desde 1789 e séculos seguintes, permitiram à burguesia conquistar o poder político. A Declaração dos Direitos dos Homens proclamava que os homens nascem livres e iguais em direito”. “Marx, em “O Capital”, denunciava a hipocrisia dos pensadores liberais e a opressão exercida pela classe que representavam”.
José Ferrater Mora discorre longamente no verbete “Libertad”: conceito que “foi entendido e usado de muitas diversas maneiras e em muitos diferentes contextos desde os gregos até o presente” (Tradução livre do Diccionario de Filosofia Abreviado, Editorial Sudamericana, Buenos Aires, 1970).
O pensamento liberal, assim como o neoliberal da Escola de Freiburg, reduzem a liberdade à ideia econômica, acusando o Estado como seu restritor.
Uma ideia absolutamente diversa de pensadores tão diferentes quanto Henri Bergson (1859-1941), filósofo do impulso da criação ("élan vital"), José Ortega y Gasset (1883-1955), pedagogo da circunstância do homem, e Jean-Paul Sartre (1905-1980), pensador e romancista do existencialismo.
Entre 25 de setembro e 31 de outubro de 2000, a Prefeitura do Rio de Janeiro patrocinou o seminário “A Invenção da Liberdade”, organizado por Adauto Novaes, com professores nacionais e estrangeiros, e de diferentes perspectivas ideológicas. Deste seminário resumo algumas considerações.
O organizador abriu o encontro afirmando que “as discussões sobre democracia e liberdade devem ser permanentes. Mais do que ideias, elas devem ser entendidas como “matrizes de ideias” às quais devemos dar sentido e através das quais criamos novos emblemas que nos levam a ver o mundo de forma diferente e a refazer tudo aquilo que já estava sedimentado”.
Charles Malamoud, professor da École des Hautes Études en Sciences Sociales, perguntou, no Seminário, “a maior democracia do mundo será verdadeiramente democrática?”, pois a Índia abriga a noção poderosa e hierárquica de ideologia sociorreligiosa, constituindo um entrave para o desenvolvimento.
Hannah Arendt (1906-1975) afirmava que a liberdade só existe associada aos outros, na junção de desejo e poder.
O pensamento único, do neoliberalismo, do mercado, é a mais nítida manifestação contra a liberdade, um projeto do totalitarismo, cuja “Escola sem Partido” se transforma na “Escola do Partido Único”, da ausência de liberdade para pensar.
O neoliberalismo é uma retomada totalitária da escravidão à dívida, da exclusão dos indefesos.
Há competitividade?
O ideal neoliberal do mercado “autorregulado”, como principal propulsor na busca da riqueza, é um dogma do século XVIII: oposição ao mercantilismo dos monarcas.
Seu principal pensador é Adam Smith (1723-1790), para quem os indivíduos são seres isolados, cujas ações refletem principalmente seus interesses pessoais e materiais: o egoísmo. Ele tratava as questões econômicas como distintas das políticas.
Mais tarde, David Ricardo (1772-1823) criará a ideia da “vantagem competitiva”, que, se implantada, levaria o mundo a exclusões absolutas. E, como seu antecessor, repudiava a interferência do Estado.
Tanto a liberdade quanto a competitividade não existem em sociedades caracterizadas pelas diferenças, exclusões, direitos e obrigações variando segundo as classes econômicas e sociais, na repetição aristotélica de cidadão, o de “alguém de origem conhecida que podia se manter com seus escravos e mulheres”.
O resultado desta “liberdade” e “competitividade” está na composição acionária de toda grande empresa internacional. Em todas elas, com valores significativos, estão as mesmas trilionárias empresas financeiras: Blackrock, Vanguard, State Street Global Advisors, Fidelity e poucas mais.
Por exemplo: Exxon, Apple, JPMorgan, Johnson&Johnson, Ford, IBM, General Motors, Delta Air Lines, Unilever, Shell, BP, Colgate-Palmolive etc tem os mesmos donos, financistas, cujo capital está majoritariamente, senão inteiramente, em paraísos fiscais.
Onde está a competitividade com empresas do mesmo dono? Na farsa e na fraude. Estas sim, são as qualificações mais adequadas para a ação da banca.
E o que ganha o mundo, ganham os povos com isso?
O que disse o jornal?
Vejamos notícias recentes, colhidas no Monitor Mercantil, jornal especializado em economia e negócios, no Rio e São Paulo.
Da coluna “Fatos & Comentários”, de Marcos de Oliveira, retiro:
“Dois artigos publicados em junho pelo FMI passaram quase despercebidos – talvez pela proximidade das férias, talvez pela pouca receptividade aos temas. Mas merecem maior atenção. “A ascensão das grandes corporações”, de Federico J. Díez e Daniel Leigh, mostra que a crescente riqueza e poder econômicos das grandes empresas – de companhias aéreas a empresas de alta tecnologia – tem sido apontada como o motivo para o baixo investimento apesar do aumento dos lucros, para o declínio do dinamismo dos negócios, a fraca produtividade, baixa inovação e a queda da parcela da renda paga aos trabalhadores”.
“Uma análise mais aprofundada mostra que o aumento das margens nas economias avançadas se deve, sobretudo, às ‘grandes estrelas’ do setor empresarial, que conseguiram aumentar ainda mais seu poder de mercado, enquanto as margens das demais empresas basicamente se mantiveram estáveis. Curiosamente, esse padrão é encontrado em todos os setores econômicos de modo geral e não apenas na tecnologia da informação e da comunicação”.
“Divya Kirti, economista do FMI, começa seu artigo “O boom dos papéis de alto rendimento” fazendo um paralelo com a saúde. “Todos já ouvimos falar do colesterol bom e do colesterol ruim. Um excesso de colesterol bom provavelmente não fará mal nenhum, mas o excesso de colesterol ruim pode levar a um ataque cardíaco.” O texto mostra que o mesmo se aplica aos booms de crédito, períodos em que o volume de empréstimos na economia aumenta com muita rapidez”.
“Kirti conclui que os booms de crédito marcados por um aumento da proporção de títulos de alto rendimento foram seguidos por crescimento menor nos três ou quatro anos posteriores. Quando a parcela de alto rendimento aumenta um desvio padrão – medida estatística de quanto um número difere da média dentro de um conjunto de dados – o crescimento do PIB nos três anos seguintes é 2 pontos percentuais menor”.
Nos mesmos dias 13 e 14 de setembro de 2018, da Coluna de Marcos de Oliveira, leem-se também no Monitor Mercantil as seguintes manchetes:
“Investimentos federais desabam em 2019”, “Lucratividade industrial cai para 1,7%”, “Fusões e aquisições atingem maior valor em 8 anos”, “Vendas tem terceiro mês em queda”, “Inadimplência avança pelo 11º mês seguido”, “Petróleo Brent se aproxima de US$ 80 o barril com temores sobre oferta” e na coluna “Acredite se Puder”, de Nelson Priori, “Roubini prevê que a crise financeira será em 2020” e “Presidente do BCE manda emergentes se precaverem”.
As consequências
Nas sociedades desiguais, liberdade e competitividade são fantasias. Como o neoliberalismo pretende-se global e não estando Estados e povos em nível aproximado de condições econômicas e sociais, a consequência será encontrarmos nações opulentas e nações escravas e, dentro de todas, milionários e miseráveis.
“Um espectro ronda a Europa”, escreveram Marx e Engels na abertura do Manifesto de 1848. Parodiando diria que um outro espectro derramou-se pelo mundo, a cicuta neoliberal.
Logo após a “crise de 2008”, um grupo de economistas franceses publicou (valho-me da tradução portuguesa, Actual Editora, Lisboa, 2011) o “Manifesto dos Economistas Aterrados. Crise e Dívida na Europa: 10 falsas evidências, 22 medidas para sair do impasse”.
E na Introdução já apontam a farsa que se montou, não apenas para a crise - apropriação de recursos públicos para cobrir insucessos e prosseguir com especulações financeiras - mas na política de arrocho fiscal que se seguiu:
“A retomada econômica mundial, que se tornou possível graças a uma injeção colossal de fundos públicos no circuito econômico (dos Estados Unidos à China), é frágil, mas real. Apenas um continente continua em retração: a Europa. Reencontrar o caminho do crescimento econômico deixou de ser a sua prioridade política. A Europa decidiu enveredar por outra via, a luta contra os déficits públicos”.
E, como em passe de mágica, a grande prioridade dos Estados deixa de ser seus habitantes, seus cidadãos, passa a ser o “controle fiscal”.
Superavit primário, ajuste fiscal, déficit público, metas de inflação, câmbio flutuante, tripés macroeconômicos e mais uma quantidade de expressões e palavras para significar a única política pública: tudo para as finanças, nada para as pessoas.
E os governos não se envergonham de cortar subsídios à alimentação, recursos para saúde, aposentadorias para idosos objetivando manter rentável e saudável a finança privada. O que também não ocorre, pois a ganância, nada competitiva, é maior do que os aportes públicos.
É um assunto que apenas inicio; os males são muitos e de toda ordem: financeiras, econômicas, sociais, culturais e morais. A banca, o neoliberalismo é o inimigo da humanidade.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado