Domingo, 16 de dezembro de 2018
Da
Agência Fiocruz de Bitícias
Por Julia Dias (Agência Fiocruz de Notícias)
A chegada do verão e do calor costuma trazer consigo epidemias transmitidas por mosquitos, como dengue, chikungunya, zika e febre amarela. Buscando antecipar os riscos e organizar os sistemas de saúde para enfrentar possíveis surtos, a Fiocruz e a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro - em parceria com o Conselho dos Secretários Municipais de Saúde (Cosems), a Associação dos Prefeitos e Municípios do Rio de Janeiro (Aemerj) e a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) – organizaram o seminário Febre Amarela e Chikungunya – Desafios e Perspectivas do Verão 2018 e 2019.
Evento debateu chegada do verão e do calor, que costuma trazer consigo epidemias transmitidas por mosquitos (foto: Peter Ilicciev)
O foco nessas duas doenças está relacionado com o trabalho de vigilância conjunto de diversos órgãos e instâncias de poder que demonstram altos índices de circulação desses vírus e alta proliferação de vetores do Rio de Janeiro. “Estamos nos antecipando para tentar ter um verão sem tantas surpresas. Essas doenças têm data marcada para acontecer, não podemos impedir uma epidemia, mas podemos diminuir sua magnitude e reduzir seus impactos negativos, contribuindo para amenizar o sofrimento da população”, afirma o infectologista e coordenador de Vigilância em Saúde e do Laboratório de Referência da Fundação Oswaldo Cruz, Rivaldo Venâncio da Cunha.
O período de troca de governos estaduais e federal reforça a necessidade de articulação entre diferentes instâncias, pois “o mosquito e as doenças não vão esperar os novos governos se assentarem”, explica Rivaldo. Por isso, o encontro, que ocorreu na última quarta-feira (12/12), reuniu representantes das secretarias municipais de saúde, membros do novo e do atual governo da secretaria estadual, além de técnicos do Ministério da Saúde e da Fiocruz.
Outros estados que têm alerta para epidemias também receberão encontros focados nas enfermidades em circulação em cada região. Estão previstos eventos em Salvador (BA), Fortaleza (CE), Cuiabá (MS), Belo Horizonte (MG), Manaus (AM), Porto Velho (RO) e Teresina (PI).
Febre amarela
A febre amarela voltou a ameaçar o sudeste brasileiro e o estado do Rio nos últimos anos. Entre 1980 e 2016, o Brasil havia registrado 800 casos. Já entre 2016 e junho de 2018, foram 2.200 casos. A doença preocupa pelo seu alto índice de letalidade, que gira em torno de 30% dos casos.
A febre amarela que está em circulação atualmente é transmitida pelos mosquitos silvestres Haemagogus e Sabethes. No entanto, o Aedes aegypti também pode ser um vetor da doença. O último registro deste tipo de transmissão no Brasil é de 1942. No entanto, a circulação de pessoas e primatas com o vírus próximos a áreas urbanas e o alto índice de proliferação do mosquito levantam alerta sobre a reurbanização do ciclo da doença, o que tornaria a epidemia ainda mais preocupante.
A vacina é a melhor forma de prevenir a doença e conter sua proliferação. No entanto, o baixo índice de vacinação de algumas cidades e regiões preocupam. No estado do Rio de Janeiro, existem pelo menos 10 cidades em que a taxa de vacinação está abaixo de 50%, quando o recomendado é 90%.
Esses baixos índices são associados a diversos fatores. Até 2016, o Rio de Janeiro não era área recomendada para vacinação. Além disso, a vacina ainda é vista como perigosa ou desnecessária por muitas pessoas. Existe ainda um equívoco comum no entendimento do que significa a transmissão silvestre da doença, muitas vezes a circulação do vírus e do vetor ocorre em áreas próximas de matas, mas que não são necessariamente vistas como áreas silvestres ou rurais.
“Mesmo com altos índices de vacinação não é possível garantir que não teremos casos. Às vezes os grupos que mais de expõem a doença, homens em idade ativa, são os que menos se vacinam”, afirma o epidemiologista do Ministério da Saúde Dalcy Albuquerque Filho. Dados estratificados confirmam que mesmo municípios com altas taxas de cobertura possuem faixas da população com baixos índices de vacinação.
O monitoramento dos primatas é uma estratégia confiável para vigilância da circulação do vírus. Os macacos mortos são um alerta precoce de circulação de vírus em determinada região e permitem que ações localizadas sejam tomadas.
Chikungunya
O estado do Rio viveu uma epidemia de chikungunya em 2018, com uma variação de 436% dos casos em relação a 2017, o pior índice entre os estados. Segundo dados da Secretária Estadual de Saúde, em 2018, entre 1º de janeiro e 11 de dezembro, foram registrados 37.910 casos de chikungunya, com 18 óbitos. Em 2017, haviam sido registrados 4.425 casos.
“A chikungunya é uma doença nova e está chegando com força no Sudeste. A chance de um mosquito encontrar alguém sem anticorpos ainda é grande", afirma Rivaldo. Por isso, a expectativa é que o estado viva novos surtos da doença no próximo verão.
Segundo o especialista do Ministério, a chikungunya se caracteriza por surtos explosivos, rápidos e localizados. “São epidemias pontuais, mas, por isso mesmo, devastadoras para os serviços de saúde locais, que ficam sobrecarregados. É comum encontrar na mesma casa, família ou bairro várias pessoas infectadas”, explica Dalcy.
A doença é especialmente preocupante por seu risco de óbito, particularmente entre crianças e idosos, sua interação com enfermidades pré-existentes, como diabetes e hipertensão, e por sua evolução para uma fase crônica. Nestes casos, a doença se torna altamente debilitante, comprometendo a capacidade laboral e qualidade de vida dos pacientes por meses ou anos.
Estratégias de prevenção e tratamento
Estratégias de prevenção da doença incluem o controle do vetor, que tem na ação da população uma aliada essencial. “É preciso que o acompanhamento dos criadouros domiciliares seja uma rotina”, reforça Mário Sérgio Ribeiro, da Superintendência de Vigilância Epidemiológica e Ambiental da Secretaria Estadual de Saúde. “Essa medida também previne contra zika e dengue. Por isso, temos até a campanha ’10 minutos salvam vidas’ que busca convencer a população a transformar ações de combate uma rotina semanal”.
Outras ações em curso são o monitoramento do vetor, visitas a territórios, ações de capacitação de pessoal, preparo de instalações hospitalares e ações de comunicação. O uso do UBV, conhecido como “fumacê”, também está previsto. No entanto, autoridades alertam que o método possui restrições e precisa ser utilizado com cautela.
A Fiocruz auxilia em todo o processo de vigilância e tratamento das doenças, fornecendo diagnósticos, capacitação de recursos humanos, apoio a gestores, além de desenvolver pesquisa de ponta e assistência de referência. No entanto, o infectologista da Fundação alerta que o desafio de combate aos vetores necessita de uma ação conjunta intersetorial.
"Além das ações do setor de saúde de buscar uma vacina e criar métodos alternativos para o controle dos mosquitos, e dos moradores, de evitar água parada em casa, os maiores desafios são a deficiência da coleta de lixo urbano, que deixa resíduos sólidos que acumulam água da chuva nas ruas, o abastecimento irregular de água, que faz com que moradores acumulem água em recipientes inadequados e sem vedação, e a violência urbana que impede ações de saúde em áreas de risco", explica Rivaldo.