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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 14 de julho de 2021

FEUDALISMO DISTRITAL. Capítulo I — Déficit Democrático na Capital Federal

Quarta, 14 de julho de 2021


FEUDALISMO DISTRITAL

I – Déficit Democrático na Capital Federal

Por Juan Ricthelly

Após quatro anos de muito trabalho, por meio de uma massa de trabalhadores pobres vindos de todos os rincões do país, especialmente da Região Nordeste, Brasília era finalmente inaugurada como a nova capital da República em 1960.

A realidade superou o sonho e os projetos iniciais, tendo em vista que se esperava que as pessoas que deram suas vidas e o seu suor construindo essa cidade, voltassem para seus locais de origem, desse modo, o plano inicial de uma cidade que comportasse 500 mil pessoas, teve que ser revisto.

Regiões Administrativas longe do centro do Plano Piloto, foram então criadas para comportar essa massa de trabalhadores, que além de construírem a cidade, teriam agora o “privilégio” de trabalhar nela.

O Gama fez parte desse reajuste ao projeto original, sendo construído 35 km ao sul do Plano Piloto, entre dois rios, numa região de cerrado exuberante, rica em água e repleta de riachos e nascentes, sendo entregue no dia 8 de Outubro de 1960, com um desenho moderno do arquiteto Paulo Hungria, que previa uma cidade setorizada, com lotes grandes e vazados, com quadras em formato triangular que juntas formam um hexágono que nos recorda os favos de mel de uma colmeia de abelhas.

A ideia era que a Cidade Satélite fosse a mais importante do Distrito Federal, e previa uma população de 100 mil habitantes inicialmente, com dois cinemas, várias praças, comércios locais nas quadras, um parque, vias largas para automóveis, e um sistema de vielas e becos para pedestres.

De lá pra cá, muitas coisas aconteceram, novas cidades e bairros foram sendo criados, o Entorno também seguiu crescendo, e hoje o DF tem uma população aproximada de 2,9 milhões de habitantes, enquanto a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE), que comporta 33 municípios de dois estados da federação, alcança 3,7 milhões de pessoas, convertendo o DF e sua região metropolitana como um dos principais centros urbanos do país.

Para além das questões demográficas e territoriais, tivemos questões políticas importantes que necessitam serem pontuadas, dentre elas, o fato de quatro anos após a inauguração de Brasília, sofremos um Golpe de Estado Civil-Militar que nos levou à uma ditadura de 21 anos.

Entre 1960 e 1969, Brasília era um Município Neutro, que tinha o Prefeito nomeado pelo Presidente da República, de 64 em diante pelos Chefes do Executivo (ditadores), que reivindicavam esse título e o exerciam formalmente.

O status de Município Neutro viria a cair em 69, e a partir daí, começamos a ter Governadores indicados pelo Chefe do Executivo Federal, prática que duraria até 1991.

Em meados da década de 80, tivemos início ao processo de redemocratização do país, que se materializou politicamente por meio da Constituição de 1988.

Em 86 o Distrito Federal ganharia pela primeira vez o direito de indicar representantes para o Congresso Nacional, e somente a partir de 1990 pudemos pela primeira vez eleger representantes para a CLDF.

No ano seguinte, a população do DF poderia pela primeira vez na sua história, escolher o seu próprio Governador, de forma democrática e direta.

A Constituição de 88, deu ao Distrito Federal competências de Município e Estado ao mesmo tempo, vedando a sua divisão em municípios, de modo que a divisão territorial do poder se materializa por meio das Regiões Administrativas (RA’s) e seus respectivos Administradores Regionais, em tese indicados pelo Governador, sem qualquer participação popular no processo, o que causa alguns problemas que iremos abordar ao longo dos próximos textos, dentre eles, um Déficit Democrático, que afasta a população e a comunidade da tomada de decisões sobre seus territórios e confunde funções executivas e legislativas.

Confira aqui mesmo no Blog Gama Livre na semana que vem o próximo capítulo da série FEUDALISMO DISTRITAL.

PRÓXIMO CAPÍTULO:

II – Regiões Administrativas


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*Juan Ricthelly  é advogado, ambientalista militante, coordenador do Gama Verde, músico, e inquieto filho e morador do Gama, DF.