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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Comunidade tradicionais. MPF recomenda que Incra-MG adote medidas para impedir usurpação de terras públicas federais

Quarta, 14 de julho de 2021

Programa Titula Brasil prevê que prefeituras poderão definir as glebas a serem objeto de regularização fundiária em seus limites territoriais, o que poderá impor riscos aos territórios indígenas e às terras ocupadas por povos tradicionais

Do MPF

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Minas Gerais a adoção de uma série de medidas para impedir que a execução do programa denominado Titula Brasil acarrete violações tanto à legislação sobre reforma agrária e regularização fundiária quanto aos direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais.

O programa Titula Brasil foi lançado pelo governo federal em fevereiro deste ano, com o alegado propósito de permitir a agilização dos processos de regularização fundiária e a entrega de títulos para assentamentos da reforma agrária. Para isso, prevê a celebração de parcerias com municípios de todo o país que possuam glebas federais passíveis de desapropriação, os quais atuarão por meio dos chamados Núcleos Municipais de Regularização Fundiária (NMRF), compostos por servidores indicados pelas prefeituras.

Em reunião realizada com o MPF no último dia 16 de abril, da qual também participaram o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), a Diretoria de Governança Fundiária do Incra afirmou que o Programa Titula Brasil, na verdade, não é um programa específico de titulação (não possui orçamento próprio, nem pode emitir títulos de propriedade), sendo apenas um programa para estabelecimento de parcerias, com o objetivo de garantir apoio operacional ao Incra, de modo a ampliar os serviços prestados pela autarquia.

No entanto, para o MPF, inicialmente deve-se considerar que os serviços executados pelo Incra exigem conhecimento técnico especializado e não podem ser delegados a terceiros sem o necessário treinamento e apoio operacional. Por isso, foi recomendado que o Incra capacite e habilite os agentes públicos indicados pelos municípios como integrantes dos NMRF, de forma que esse treinamento “seja condição inafastável ao efetivo início do exercício das funções operacionais no âmbito do Programa Titula Brasil”.

Ainda com relação aos servidores municipais indicados para os NMRFs, também foi recomendado que eles sejam servidores públicos efetivos, e que tanto eles quanto seus respectivos cônjuges ou companheiros/as não figurem como beneficiários de processos de titulação no âmbito do programa, devendo os Municípios “estabelecerem, prévia e abstratamente, regras de impedimento e suspeição, que não sejam menos rígidas do que os eventuais parâmetros que seriam aplicáveis aos servidores do próprio Incra”.

Territórios indígenas e de comunidades tradicionais – Outra preocupação do MPF é com eventuais irregularidades na seleção das terras a serem desapropriadas, com eventual inclusão de territórios indígenas e terras de comunidades tradicionais, especialmente aqueles que ainda não foram demarcados ou se encontram em processo de reconhecimento.

O MPF lembra que os órgãos fundiários não possuem informações sobre todas as terras indígenas. O próprio Sistema de Georreferenciamento (SIGEF) do Incra não possui o levantamento das comunidades tradicionais em sua base de dados, tampouco a Superintendência de Patrimônio da União (SPU) possui conhecimento ou já delimitou todos os espaços territoriais ocupados por povos tradicionais.

Em 2020, a Fundação Nacional do Índio (Funai) editou uma instrução normativa (IN nº 09) sobre os procedimentos para requerimento, análise e emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites em relação a imóveis privados, que simplesmente desobrigou a averbação, na matrícula dos imóveis incidentes sobre terras indígenas, da existência de procedimento demarcatório.

Em evidente retrocesso inconstitucional, esse normativo ainda dispôs que as terras tradicionalmente ocupadas por população indígena seriam apenas as “terras indígenas homologadas, reservas indígenas e terras dominiais indígenas plenamente regularizadas”, o que foi rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que, no julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4269, desautorizou qualquer interpretação que promova a regularização de áreas de povos e comunidades tradicionais em desfavor do modo de apropriação de território por esses grupos.

Por sinal, a IN 09 já levou o MPF em Minas a ingressar com ação civil pública contra a Funai e o Incra em defesa do povo indígena Kaxixó, que aguarda há oito anos a conclusão do procedimento demarcatório de seu território, já identificado e delimitado em 5.411 hectares. A edição da IN 09, ao permitir a exclusão da Terra Indígena dos sistemas do Incra, possibilitou que proprietários de imóveis rurais que estejam sobrepostos com o território indígena Kaxixó possam obter declarações do SIGEF sem essa informação, criando riscos não só para os indígenas e para o meio ambiente, como para eventuais negócios jurídicos que envolvam tais bens.

Manifestação obrigatória - De acordo com a recomendação, o programa Titula Brasil prevê que os Municípios terão um papel singular na identificação de assentamentos e de georreferenciamentos, mas a Instrução Normativa do Incra nº 105/21 aponta que é da competência dessa autarquia indicar as áreas passíveis de regularização fundiária e titulação em projetos de reforma agrária ou as terras públicas federais sob domínio da União. Então, torna-se necessário compreender se o Incra terá conhecimento prévio das áreas a serem identificadas pelo Município e se haverá registro quantitativo total de área a ser regularizada.

O MPF recomendou que a superintendência regional do Incra em MG adote todas as medidas necessárias para que nenhuma gleba federal seja objeto de regularização fundiária sem consulta e manifestação expressa dos órgãos e entidades relacionados no art. 12 do Decreto nº 10.592/2020, entre eles, a Funai, o Instituto Chico Mendes e órgãos ambientais estaduais. Além disso, a ausência de manifestação desses órgãos e entidades, em hipótese alguma, deverá ter efeito de concordância tácita.

Com o mesmo propósito de evitar, por exemplo, eventual sobreposição entre Cadastros Ambientais Rurais, Unidades de Conservação, registros de conflitos na Câmara de Conciliação Agrária, reivindicação ou demarcação de território tradicional, foi recomendado que o Incra-MG forneça aos municípios acesso direto aos sistemas e/ou bancos de dados que permitam atestar a aptidão da área para fins de regularização fundiária.

Também foi recomendada ampla divulgação de informações sobre os municípios que aderiram ao programa Titula Brasil, bem como a integralidade dos Acordos de Cooperação Técnica e dos Planos de Trabalho atualizados, e, eventualmente, os já executados.

A recomendação do MPF em Minas Gerais faz parte de uma ação coordenada da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do MPF. Lançada em 1º de junho deste ano, a iniciativa tem o objetivo de acompanhar o programa Titula Brasil em municípios com glebas federais.

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