Terça, 11 de janeiro de 2022
A inadiável reforma para um Estado Nacional – ideologias
Por Felipe Quintas e Pedro Augusto Pinho.
11 De Janeiro De 2022
Soberania e nacionalismo: fundamentais para um Estado não colonial
Um Estado Nacional também pode ser multiétnico. Em 2009, a Bolívia se declarou um Estado Plurinacional. A população indígena representa 62% da nacional, sendo as mais numerosas a quéchua, 31%, e a aymara, 25%, existindo 29 grupos menores, com população de 6%. Todas as línguas nativas são oficiais e também a do colonizador espanhol. As tradições e culturas de cada nação são acolhidas e aceitas como lei para seus membros.
Vê-se tratar de um peculiar Estado Nacional que foi capaz de reagir e triunfar sobre um golpe que os capitais estrangeiros pretenderam estabelecer no País. Xavier Albó, antropólogo espanhol radicado na Bolívia, em entrevista, em 2010, para o Instituto Humanitas Unisinos, esclareceu: “Depois da Revolução de 1952 era, por exemplo, muito mal visto, inclusive no campo, que alguém se identificasse ou fosse identificado como ‘indígena’. O único correto era então transformar-se em campesinos. Era também comum que muitos que emigraram à cidade e inclusive a zonas de colonização se fizessem invisíveis. Porém, meio século depois, a forte emergência das organizações indígenas-camponesas modificou um tanto essa atitude, pelo menos quanto à sua autoidentificação. Segundo o censo de 2001 (cinco anos antes do atual governo), em todas as cidades da área andina, mais de 50% de sua população manifestou tal pertença (quéchua ou aymara), incluídos muitos que já haviam perdido a língua; e, com as mudanças políticas ocorridas desde 2006, não seria raro que as percentagens de autoidentificação sejam ainda maiores num próximo censo (embora talvez os de língua não)”.
Neste panorama também temos Estado Nacional unido por ideologia não religiosa. Cuba é um Estado Nacional, definido no artigo 1º da Constituição de 2019 como: “Estado socialista de direito e justiça social, democrático, independente e soberano”.
A Revolução Cubana foi um movimento vitorioso no ano novo de 1959. Desde outubro de 1960, os Estados Unidos da América (EUA), que tiveram empresas exploradoras dos recursos naturais e do trabalho dos cubanos desapropriadas, iniciaram a impor embargos, não por leis e acordos internacionais, mas pelas legislações colonizadoras estadunidenses: Lei de Comércio com o Inimigo, de 1917; Lei de Assistência Externa, de 1961; Lei Helms-Burton, de 1996; e a Lei de Reforma das Sanções Comerciais e de Melhoria das Exportações, de 2000. Mesmo condenados pela Organização das Nações Unidas (ONU) por ação desumana de bloqueios que impediam a aquisição de remédios, de alimentos e de recursos para a existência de cubanos, até hoje estes embargos e bloqueios dificultam o desenvolvimento desta ilha caribenha.
Por conseguinte, nada mais natural do que Cuba desenvolver uma estrutura de Estado Nacional protetora de sua soberania e da cidadania de seus habitantes. Seus legisladores buscaram na história da ilha e na filosofia mundial a que hoje se denomina socialismo nacional. Também a República Popular Chinesa, bem diferente em cultura e anterior à Revolução Cubana, após as agressões financeiras do final do século 20, foi reformando o Estado Nacional no comunismo de modelo chinês.
Vemos, por conseguinte, que mesmo em casos de estados ideológicos, o sentido da nacionalidade impera na formação de um Estado soberano, autônomo, independente. É o que lhe dará a coesão e o espírito de defesa nacional.
E não ocorre somente nos modelos socialistas. Temos o exemplo da V República francesa, inaugurada em outubro de 1958. O Preâmbulo da Constituição de 3 de junho de 1958, dispõe: “O povo francês proclama solenemente o seu compromisso com os direitos humanos e os princípios da soberania nacional, conforme definido pela Declaração de 1789, confirmada e completada pelo Preâmbulo da Constituição de 1946”.
Esta constituição sofreu diversas emendas, sendo as mais significativas a que se adapta ao Tratado de Maastrich (1992), para estruturação da União Europeia, e a Carta Ambiental de 2004. Mas os princípios da soberania, cidadania e democracia, enunciados nos quatro primeiros artigos permanecem, como se lê:
“Artigo 1º – A França é uma República indivisível, laica, democrática e social. Assegura a igualdade de todos os cidadãos perante a lei sem distinção de origem, raça ou religião. Respeita todas as crenças. Sua organização é descentralizada. A lei promove a igualdade de acesso das mulheres e dos homens aos mandatos eleitorais e funções eletivas, bem como às responsabilidades profissionais e sociais.
Artigo 2º – A língua da República é o francês. O emblema nacional é a bandeira tricolor: azul, branco, vermelho. O hino nacional é a Marselhesa. O lema da República é: “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. O seu princípio é: governo do povo, pelo povo e para o povo.
Artigo 3º – A soberania nacional pertence ao povo, que o exerce pelos seus representantes e através do referendo. Nenhum grupo e nenhum indivíduo pode assumir o seu exercício. O sufrágio pode ser direto ou indireto, nas condições estabelecidas pela Constituição. É sempre universal, igual e secreto. São eleitores, nas condições determinadas pela lei, todos os cidadãos franceses maiores, de ambos os sexos, que gozem de seus direitos civis e políticos.
Artigo 4º – Os partidos e associações políticas contribuem para a expressão do sufrágio. Eles se formam e exercem a sua atividade livremente e devem respeitar os princípios da soberania nacional e da democracia. Contribuem para a aplicação do princípio enunciado no segundo parágrafo do artigo 1º, nas condições determinadas pela lei. A lei garante as expressões pluralistas de opiniões e a participação equitativa dos partidos e associações políticas na vida democrática da Nação.”
A soberania e o nacionalismo se juntam de modo interligado na formação do Estado Nacional, tendo a cultura e a formação do povo seus pilares. Mesmo, como vimos, quando uma ideologia, laica ou religiosa, influencia a formação orgânica da nação, estes elementos – soberania e nacionalismo – serão fundamentais para a existência de um Estado não colonial, de um Estado Nacional.
Felipe Maruf Quintas é doutorando em ciência política.
Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.
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Fonte: Monitor Mercantil