Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Estadão prossegue na desinformação

Segunda, 10 de janeiro de 2022

Pedro Augusto Pinho*
Em e-mail dirigido ao comentarista de O Estado de S.Paulo, Celso Ming, em 24 de dezembro de 2021, apontava as falácias e pífios argumentos de seu artigo “Petróleo com prazo de validade” (23/12/2021). Na impossibilidade de coligir dados e fatos objetivos que me fizessem reconhecer o erro, preferiu qualificar de ideológicos meus argumentos. Também sou septuagenário e a idade me deu compreensão das relatividades e entendimento suficiente para reconhecer a pedagogia colonial. São os poderes do mundo, que difundem e apresentam argumentos ideológicos; foram as religiões, as aristocracias fundiárias, os ricos comerciantes e industriais e, hoje, como no século XIX, retomam o poder as finanças anglojudaicas, que colonizam as mentes com a pedagogia colonial, agora com a adição estadunidense. Pronto, Celso Ming irá me rotular de antissionista, sem ao menos conhecer minha ancestralidade. 

Atendendo ao interesse do Estadão, prossegue em desinformações, com dois artigos: em 07/01/2022 (página B2) “A disparada dos preços do petróleo” e em 08/01/2022(página B2) “O salto da energia solar no Brasil”. Sem poder demostrar o interesse especulativo das finanças, suas razões são a “instabilidade”, o “reforço dos estoques” e, no caso brasileiro, a “defasagem” nos preços dos derivados. Defasagem em relação a que, Celso Ming? Ou no segundo, o avanço da energia solar com direção “competitiva”, ou seja, privada. Reforçando as desinformações, o Estadão apresenta, em 08/01/2022, entrevista com o presidente da Petrobrás, que só pode repetir as burlas ministeriais, e um articulista, este sim profundamente ideológico neoliberal, a propósito do “mercado” do gás natural. 

Procuraremos mostrar com números, dados e fatos o que move o petróleo desde as denominadas “crises” dos anos 1970 e quem lucra, e como, com esta importantíssima fonte de energia. 

Até os conflitos nos anos 1960 no Oriente Médio, o petróleo seguia, de modo geral e com ressalvas, o Acordo de Achnacarry (1928) que dividira o mundo nas “sete irmãs”, empresas euroestadunidenses de petróleo. Como a ação dessas empresas se dava primordialmente no downstream (refino, transporte e comercialização) e o upstream (exploração e produção) estava no terceiro mundo, com exceção e durante pouco tempo dos Estados Unidos da América (EUA), o preço do barril se manteve constante, aos valores de 1970 (doravante usados) abaixo de US$ 1,00 o barril, enquanto o preço dos derivados oscilava bastante. 

Esta transferência de renda para o mundo desenvolvido proporcionou os “30 anos gloriosos”, como designa a Associação Francesa de Economia Política o período de 1945 a 1975. Dois fatos relevantes ocorreram no final dos anos gloriosos: a fundação, setembro de 1960, em Bagdá (Iraque), da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), à qual se seguiu, em janeiro de 1968, em Beirute (Líbano), da Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP), e, contra ataque dos países desenvolvidos, a criação, em novembro de 1974, da Agência Internacional de Energia (AIE), em Paris (França), ligada a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

Também pouco mencionada é a descoberta de petróleo no Mar do Norte, com pouca quantidade e de difícil extração, que fez a fortuna apenas da Noruega, graças aos seus dirigentes socialdemocratas e nacionalistas. Para viabilizar o Mar do Norte, visto como reservas fora da OPEP, o preço do petróleo também precisava situar-se acima dos US$ 10,00 o barril, fazendo par aos reclamos árabes. 

Houve, e talvez possa ser apontado como o principal vetor, o interesse do capital financeiro em destituir do comando mundial o poder industrial. Não esquecer que o poder industrial, seja do lado capitalista (EUA) seja do lado socialista (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS), dominava o mundo desde o início do século XX. 

Antes do fim do século, como é do conhecimento geral, as finanças passaram a ser o grande poder mundial. Porém, a matriz energética manteve-se basicamente a mesma. Neste século XXI, as reservas de petróleo cresceram de 1.330,9 bilhões de barris, em 2000, para 1.636,9 bilhões em 2010, e, em 2020, já eram 1.732,8 bilhões de barris, com a relação Reserva/Produção (R/P) oscilando em curva ascendente entre 45 e 55. Ou seja, o petróleo continua a ser a mais importante fonte de energia primária, a ponto de merecer até pelas sequiosas finanças, algum investimento. 

Porém a grande mudança se deu na propriedade. Se havia importantes empresas privadas de petróleo nos anos 1980/2000, estas sumiram com o domínio das finanças. Nos dias de 2021, ou eram empresas petrolíferas estatais ou eram subordinadas aos gestores de ativos. Estes gestores são empresas financeiras, com a maioria absoluta de seus capitais em paraísos fiscais e, ainda pouco conhecidos do público, em geral. 

Temos dois tipos de fundos financeiros: os soberanos, ligados aos Estados Nacionais, e os privados, dos grandes especuladores. 

Os dez maiores fundos soberanos (conforme Raphael Fernandes, em 03/09/2021, no Levante Advice) são: Norway Government Pension Fund Global - Noruega; China Investment Corporation; Kuwait Investment Authority; Abu Dhabi Investment Authority – Emirado Árabe; Hong Kong Monetary Authority Investment Portfolio; GIC Private Limited e Temasek Holdings – ambos em Singapura; National Council for Social Security Fund – China; Public Investment Fund – Arábia Saudita e Investment Corporation of Dubai. 

Os maiores gestores de ativos privados são: BlackRock (EUA-Reino Unido-UK); Vanguard (EUA-UK); State Street Global Advisors (EUA-UK); Fidelity Worlwide Investment (EUA); BNY Mellon IM (EUA-UK); JP Morgan AM (EUA-UK); Capital Group (EUA); PIMCO (EUA-UK-Alemanha); Pramerica Investment Management (EUA) e Amundi (França), todos com bem mais do que US$ 1 trilhão em ativos, sendo os dois primeiros com mais de 10 trilhões de dólares estadunidenses, e os quatro maiores com três ou mais Produtos Internos Brutos (PIB) brasileiros. 

O maior fundo brasileiro, BB Gestão de Recursos DTVM S.A. do Banco do Brasil, tem patrimônio pouco superior a R$ 1 trilhão (junho de 2021), que seria insuficiente para constar da relação dos 30 maiores mundiais. Portanto a subserviência do Estadão, e da imprensa brasileira quase sem exceção, aos interesses de capitais apátridas está, parcialmente, explicada. Por que não totalmente? Porque há uma classe constituída desde a colônia que Manoel Bonfim, o genial intérprete da sociedade brasileira, denominou “parasitária” (A América Latina - Males de Origem (Topbooks, RJ, edição do centenário, 2005), que vive da intermediação entre produção, comercialização brasileira e com estrangeiros. 

São conhecidos os ciclos econômicos: pau-brasil, açúcar, minerais preciosos, café e, atualmente, além dos produtos agrícolas e dos minérios, o petróleo. Subjugar o petróleo a estes interesses parasitários nacionais também é objetivo que entendo impatriótico do Estadão, vocalizado por Celso Ming e outros colunistas. Estes “interesses nacionais” são percentualmente inexpressivos em termo de população, nem chegam a 0,5%, mas são poderosos econômica e politicamente. Eles estão no “centrão”, no PSDB, como estiveram na ARENA e MDB, no PSD, PL e na UDN, e entre “liberais” e “conservadores”. 

Daí esta série de artigos e matérias divulgados no Estadão, que, aproveitando o governo sem capacidade e rumo, buscam construir a institucionalização que defenda o capital apátrida e seus representantes no Brasil. 

Vamos aproveitar, por ser assunto da mesma natureza, para apresentar os fatos que cercam mais uma investida dos EUA, representando as finanças, não mais o Estado Nacional, na agressão ao Cazaquistão.  

Os cazaques são povo da Ásia Central com mais de 600 anos de história. Ocuparam nos séculos XVI e XVII o Turquestão, no século XVIII já tinham identidade cultural e literatura no seu idioma próprio, e, com as diversas ocupações da Ásia pelos europeus no século XIX, os cazaques viveram na China e no Império Russo, e neste permaneceram com a formação da URSS como uma das 15 repúblicas socialistas soviéticas. O Cazaquistão tem 69% da população cazaque e 19% russa, formando a esmagadora maioria do país. 

Sua posição geográfica entre a Federação Russa e a República Popular da China dá-lhe uma condição geoestratégica importantíssima, não apenas para Ásia, mas para todo contexto euroasiático, incluindo o Pacífico. 

Porém não é somente por isto, o Cazaquistão possui uma das dez maiores reservas de petróleo do mundo, que só tende a crescer com os atuais trabalhos exploratórios e em seus reservatórios na costa do Mar Cáspio. Em 2020, a produção de óleo foi 1.811 mil barris/dia (b/d), só inferior entre os países membros da Comunidade dos Estados Independentes (CEI) a da Federação Russa, e com capacidade de refino de 400 mil b/d. 

Sua economia nesta última década cresceu 8% ao ano, e sem dívida externa com organismos e instituições internacionais e estrangeiras. O país é também exportador de urânio e produtos agrícolas. E o que é mais importante para as finanças apátridas, optou pelo “nacionalismo” contra o “mercado”: pecado mortal, crime de morte. 

O Cazaquistão, junto à Coreia, ao Vietnã, além da China e da Síria, é dos países em que os EUA colecionam suas derrotas na Ásia. Não são temas que se esgotem num e-mail, porém eles têm ocupado páginas e páginas do Estadão. 

Mas gostaria de deixar registrada minha admiração e solidariedade ao jornalista Celso Ming. É o único que expõe seu e-mail para o debate com os leitores. Editores, diretores, habituais comentaristas se ocultam. Certamente por não terem qualquer convicção no que escrevem ou lhes faltarem sua coragem. 


Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado
Transcrito do Pátria Latina