Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 18 de março de 2022

PETROBRÁS, PPI, AUMENTOS E BOLSONARO: QUEM LUCRA BILHÕES COM ISSO DAÍ?

Sexta, 18 de de março de 2022

Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 18 de março de 2022

No dia 10 de março de 2022, a PETROBRÁS anunciou reajustes de 24,9% para o diesel, de 18,8% para a gasolina e de 16,1% para o gás de cozinha. “Somente em 2021, a gasolina acumulou alta de 47%, o diesel de 46% e o gás de botijão de 37%, bem acima do aumento de 10% da inflação em geral, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)” (fonte: bbc.com).


O Presidente da República Jair Bolsonaro afirmou: “A Petrobras demonstra que não tem qualquer sensibilidade com a população, é Petrobras Futebol Clube e o resto que se exploda” e “a Petrobras cometeu esse crime contra a população, com esse aumento absurdo no preço dos combustíveis” (fonte: metropoles.com).

Essa fala está relacionada diretamente com os aumentos referidos e indiretamente com o lucro obtido em 2021 pela estatal. Foram 106,6 bilhões de reais de lucro líquido, muito superior aos das grandes petroleiras mundiais. Esse dado foi divulgado no Relatório de Desempenho Financeiro da PETROBRÁS referente ao último trimestre do ano passado (fonte: agenciabrasil.ebc.com.br).

Reclama explicitação um aspecto crucial do destino dessa montanha de dinheiro (95% foram distribuídos aos acionistas. Fonte: cartacapital.com.br). “Ao contrário do que se pensa vulgarmente, a maior parte dos acionistas, hoje, são grandes fundos internacionais. O Estado brasileiro detém a maioria das ações ‘ordinárias’, com direito a voto. Mas os dividendos são pagos a todos aos acionistas e, no capital total, a União está reduzida a 36,6%. É em favor dos 63,4% restantes (dos quais 71,3% são estrangeiros)” que os lucros são revertidos (fonte: outraspalavras.net). “Em, 1999 o presidente da Petrobras vendeu cerca de 40% das ações da Companhia, na Bolsa de Nova Iorque, por míseros US$ 5 bilhões. Na época calculamos que essas ações valiam mais de U$ 50 bilhões” (Justificação de Voto do Acionista Minoritário AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobrás, na Assembleia Geral Ordinária/Extraordinária da Petróleo Brasileiro S.A – PETROBRÁS, realizada em 27/08/2021).

A imprensa divulgou, ainda, algo no mínimo inusitado, considerando o agravamento das já enormes dificuldades da grande maioria da população brasileira com o cavalar aumento dos combustíveis nos últimos anos. Cerca de 13,1 milhões de reais serão distribuídos entre os nove membros da diretoria da PETROBRÁS como bônus no âmbito do Programa Prêmio por Performance (PPP). Em média, cada diretor poderá embolsar aproximadamente 1,5 milhão de reais (fonte: terra.com.br). Tudo isso como acréscimos a salários mensais superiores a 250 mil reais (fonte: outraspalavras.net). Os contínuos aumentos dos preços do diesel, gasolina e gás de cozinha e os lucros decorrentes são reflexos da política, notadamente de preços, adotada pela PETROBRÁS a partir de 2016, sob o revelador patrocínio do governo do senhor Michel Temer. O governo do senhor Bolsonaro sintomaticamente manteve as mudanças implementadas pelo seu antecessor.

Temer e Meirelles, e depois Bolsonaro e Guedes, formataram uma política para a PETROBRÁS fundada em algumas definições básicas: a) considerável abandono da distribuição e do refino (venda e redução de investimentos, envolvendo refinarias, a BR Distribuidora, navios petroleiros e gasodutos); b) ampliação do número de importadores de derivados e c) política de preços conhecida como PPI (Preço de Paridade de Importação), que dolariza os preços dos combustíveis (entre a criação da estatal em 1953 e 2016 jamais o PPI foi adotado. Fonte: aepet.org.br). Assim, o Brasil se transformou em importador de derivados de petróleo (crescimento que atingiu cerca de 20% da gasolina e 30% do diesel e gás. Fonte: aepet.org.br) e exportador de petróleo cru por intermédios de multinacionais estrangeiras, sem incidência de tributação (fonte: aepet.org.br). No lado da importação privilegia 392 empresas importadoras basicamente estrangeiras (fontes: abicom.com.br e aepet.org.br) e no lado da exportação privilegia aqueles acionistas mencionados (venda, em 2021, de cerca 1,3 milhão de barris por dia a partir de um custo em torno de 27 dólares, além da PPI. Fontes: aepet.org.br e outraspalavras.net). Tudo isso impede a produção e comercialização de derivados do petróleo nacional (suficiente, salvo alguma necessidade residual de importação de óleo diesel, para atender a demanda interna. Fonte: aepet.org.br) com base nos custos em reais.

Assim, parece que o governo federal pode mudar o rumo dessa prosa. Afinal, foi o governo federal, em 2016, que adotou a PPI, por intermédio da diretoria da estatal (fonte: petrobras.com: “Adotamos nova política de preços de diesel e gasolina - 14.out.2016”). Portanto, não procede a afirmação do Presidente da República de que “eu não tenho ascendência sobre ela, não mando na Petrobras” (fonte: metropoles.com).

Vale registrar que não existe nenhum impedimento jurídico-institucional para a mudança na política de preços da PETROBRÁS. Nenhuma decisão judicial, em especial do Supremo Tribunal Federal (STF), proíbe a superação da PPI. Também não existe nenhuma norma constitucional ou legal que inviabilize a troca da PPI por outra fórmula, justa e adequada.

A rigor, a ordem jurídico-constitucional impõe a alteração aludida. Afinal, a sociedade de economia mista exploradora de atividade econômica deve operar norteada pela realização de sua função social e pelo interesse coletivo (art. 173, caput e parágrafo primeiro). Não pode a estatal, ainda segundo o Texto Maior (art. 170 e art. 173, parágrafo quinto), praticar atos contra a economia popular e ordem econômica, informada, entre outros, pelo objetivo de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e pelos princípios da: a) função social da propriedade; b) defesa do consumidor e c) redução das desigualdades sociais. Registre-se que, no dia 15 de março de 2022, o senhor Bolsonaro: a) qualificou o preço dos combustíveis no Brasil como “impagável” e b) afirmou que a PETROBRÁS “não colabora com nada” (fonte: metropoles.com).

Por que, então, não muda uma política de preços, entre outras definições, que provoca inflação e penaliza praticamente toda a população brasileira? Uma fala do Presidente Bolsonaro revela o motivo da imutabilidade (político-econômica) da PPI. Disse o Chefe de Estado e de Governo brasileiro: “Então, falar que estou satisfeito com o reajuste, não estou. Mas não vou interferir no mercado” (fonte: exame.com).

Portanto, a PETROBRÁS e sua política de preços atende a interesses bem definidos e localizados em agentes do mercado. A política de condução da estatal, incluída a formação de preços dos combustíveis, foi convertida em mais um mecanismo de transferência de renda da grande maioria da população para uma minoria de privilegiados (operadores da importação de combustíveis e acionistas da estatal). Junta-se, assim, a outros mecanismos dessa natureza com expressão financeira da ordem de centenas de bilhões ou mesmo trilhões de reais, a exemplo da sonegação fiscal, do serviço da dívida pública, dos benefícios fiscais, dos subsídios, das operações compromissadas e dos juros pagos em função do endividamento das empresas e famílias.

Registre-se que o maior dos bravateiros tupiniquins, confortavelmente instalado no Palácio do Planalto, aboletado em motos e jet skis, tem os instrumentos para reverter essa triste situação. Em abril de 2022, pode mudar o Conselho de Administração da PETROBRÁS de forma a definir novos rumos para a operação da companhia, a serem implementadas pela diretoria executiva. A questão energética que passa pela PETROBRÁS pode deixar de ser tratada como simples mercadoria e ter o status de assunto estratégico integrante de um projeto de segurança e desenvolvimento nacional com sensibilidade social, como manda a Constituição, incluindo investimentos pesados numa transição energética rumo a opções limpas e sustentáveis. Entretanto, como ele disse: “não vou interferir no mercado”. Digo eu: ele não vai interferir nos poderosos interesses de certos setores do mercado. Afinal, foi eleito justamente para viabilizar esses interesses (um punhado de seus eleitores promoveu “isso daí” e a grande maioria “foi na onda”).