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(Millôr Fernandes)

sábado, 21 de maio de 2022

COMO SERÃO ELEITOS OS PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE III

Sábado, 21 de maio de 2025

Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 21 de maio de 2022


COMO SERÃO ELEITOS OS PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE III


No primeiro escrito desta série, denominado COMO SERÃO ELEITOS OS PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE I [pode ser lido aqui], explorei alguns dos procedimentos utilizados nas campanhas eleitorais baseadas no “voto fisiológico”. Mencionei: a) a contratação interesseira de cabos eleitorais e b) a compra de lotes de votos controlados por certas lideranças comunitárias, religiosas e afins. Destaquei, ainda, que paralelamente ao “fisiologismo pesado” (ou hard) convivem fisiologismos “mais leves” (ou soft).

No segundo escrito desta série, denominado COMO SERÃO ELEITOS OS PARLAMENTARES EM OUTUBRO DE 2022 – PARTE II [pode ser lido aqui], foram analisados três tipos de fisiologismos mais leves e muito comuns no universo das campanhas eleitorais nesta quadra da história do Brasil. São eles: a) os voltados para a formação de grupos políticos; b) os criados a partir da distribuição enviesada de recursos decorrentes de emendas parlamentares e c) aqueles constituídos por forte inspiração corporativa ou institucional, em especial a religiosa.

Paralelamente às campanhas baseadas no “voto fisiológico” existe outro tipo de campanha eleitoral, caracterizado pelo “voto de opinião”. Nesse caso, a preferência pelo candidato A ou B não está lastreada numa troca de benefícios ou vantagens e recursos pecuniários mais significativos não são decisivos. O eleitor, via de regra, presta atenção e define o seu sufrágio em função: a) de propostas programáticas e b) pela trajetória de vida do candidato que demonstra as habilidades técnicas e políticas para efetivar as proposições de campanha. Em inúmeras situações, o desempenho anterior de mandato parlamentar é fundamental na decisão. A participação ativa na vida sindical, em associações de classe e organizações não-governamentais de uma forma geral são elementos muito valorizados.

Existe uma questão de fundo a ser considerada. De forma consciente, ou não, o eleitor do “voto de opinião” avalia os candidatos a partir da posição assumida no complexo e intenso “jogo” de interesses socioeconômicos existente na sociedade. Assim, a campanha eleitoral baseada no "voto de opinião" resulta, se vitoriosa, num mandato parlamentar comprometido com visões programáticas (ou político-ideológicas) mais liberais ou individuais (ou identificadas com a “livre iniciativa”) ou mais intervencionistas ou coletivas (ou de maior prestígio aos “valores sociais do trabalho”). A menor ou maior presença do Estado, particularmente em atividades econômicas, e mesmo em serviços públicos, são balizadores de posições bem definidas e distintas.

As visões, com consideráveis variações, voltadas para o coletivo, para a justiça social e o combate às desigualdades socioeconômicas, notadamente num país profundamente desigual como o Brasil apontam para atuações e posicionamentos parlamentares comprometidos com a ampliação de políticas públicas nas áreas de educação, saúde, mobilidade, cultura, esportes, segurança social, assistência social, entre outras. Busca-se, nessa linha, a conformação de um Serviço Público (ou Administração Pública) fundado no profissionalismo republicano que responda, com eficiência, às demandas da sociedade. Existe toda uma preocupação com a redistribuição de renda e formação de um mercado consumidor forte e gerador de um círculo virtuoso da atividade econômica com geração de empregos e tributação justa não concentrada no consumo de bens e serviços (e sim, na propriedade e manifestações significativas de riquezas). Os profundos malefícios do rentismo e da espoliação realizada pelo mercado financeiro são fortemente combatidos. O respeito às várias minorias, a valorização
da diversidade e o combate aos diversos tipos de preconceitos são pontos especialmente relevantes. A noção de sustentabilidade, notadamente ambiental, recebe relevante atenção diante da profunda crise climática que ameaça a vida no planeta.

É justamente no âmbito do “voto de opinião” que se localiza um dos maiores desafios políticos da atualidade. Como superar ou resolver a crise da democracia representativa? Afinal, admite-se amplamente, no contexto de sociedades cada vez mais complexas e plurais: a) a existência de um descompasso entre as atuações dos representantes e a vontade dos representados e b) a distância entre os representantes e os representados, caracterizada pela ausência de canais de diálogo e participação nos processos decisórios.

O debate em torno da crise da democracia representativa parece indicar certos rumos, mas ainda com forte carência de fórmulas mais robustas ou operacionais. Apontam-se como caminhos a serem trilhados: a) superação de atuações estritamente individuais; b) forte mitigação de relações hierarquizadas e burocratizadas; c) construção de espaços de debate e deliberação coletivos e marcados pela diversidade social e d) utilização intensiva dos modernos meios de comunicação eletrônica organizados em redes.

Nessa linha, os mandatos coletivos, também chamados de “compartilhados”, surgem como uma importante inovação no campo da representatividade política. Apesar da ausência de regras ou padrões bem definidos, essas experiências são caracterizadas pela circunstância de que o eleito divide (ou compartilha) a parcela de poder parlamentar com um grupo de pessoas (o número de participantes e a extensão da diversidade são decisões do conjunto de cidadãos que se agrupam com essa finalidade). Esse coletivo se forma e atua desde a campanha eleitoral. Nesse sentido, os integrantes do grupo são identificados como co-candidatos.

As experiências com mandatos coletivos ganham força continuamente. A nítida demonstração dessa última afirmação pode ser observada no reconhecimento expresso dos mandatos coletivos ou compartilhados pela ordem jurídica. Com efeito, a Resolução n. 23.675, de 16 de dezembro de 2021, expedida pelo Tribunal Superior Eleitoral, veiculou comando normativo com a seguinte redação: “no caso de candidaturas promovidas
coletivamente, a candidata ou o candidato poderá, na composição de seu nome para a urna, apor ao nome pelo qual se identifica individualmente a designação do grupo ou coletivo social que apoia sua candidatura, respeitado o limite máximo de caracteres”.

Outra ideia promissora, voltada para democratizar o exercício da representação político-parlamentar, consiste na formação, já na campanha eleitoral, de uma espécie de conselho ou comitê de monitoramento ou
acompanhamento do exercício do mandato parlamentar. Composto por pessoas representativas de vários segmentos sociais, um colegiado dessa natureza pode: a) manter o mandato fiel ao programa apresentado na campanha; b) zelar pela adoção das melhores práticas políticas, em especial aquelas voltadas para a transparência e intenso diálogo público e c) adotar certas decisões no âmbito do exercício do mandato, respeitados os programas dos partidos políticos dos eleitos.

Destaco a importância de mecanismos de controle e acompanhamento dos mandatos obtidos com base no “voto de opinião”. Como destaquei anteriormente (segunda escrito dessa série), existem expedientes profundamente deletérios em curso no Parlamento brasileiro. Com efeito, as emendas orçamentárias impositivas e até aquelas integrantes do
“orçamento secreto” (bilionário mecanismo de malversação de recursos públicos inventado pela associação Centrão-Bolsonaro), por força do art. 29 da Lei n. 13.019, de 2014, podem direcionar o dinheiro público para entidades do terceiro setor sem o crivo de processos seletivos e impessoais. Em outras palavras, os parlamentares podem escolher livremente os beneficiários de significativos repasses financeiros. Assim, prevalecem, contra o interesse da coletividade e o planejamento das políticas públicas, toda sorte de interesses escusos, pessoais, paroquiais, eleitoreiros, etc, etc, etc.

Não custa sublinhar que esses mecanismos de execução das emendas parlamentares ao orçamento, com a perversa caracterização de serem gastos praticamente privados viabilizados pelo exercício de mandatos eletivos, funcionam como potentes instrumentos de desequilíbrio da disputa por postos legislativos.

Infelizmente, o chamado “voto de opinião” ainda é minoritário na realidade eleitoral brasileira. Prevalecem, nesse cenário, os vários tipos de “votos fisiológicos”, como destacado nos dois escritos anteriores desta série. Precisamos, como sociedade, investir muito em educação, conscientização política, organização social e mobilização dos interesses democráticos e populares para superação das mazelas eleitorais e, também, socioeconômicas.