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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 24 de maio de 2022

TRIBUNAL DOS POVOS —TPP encerra 1º dia de julgamento de Bolsonaro com denúncias por "gestão criminosa" na pandemia

Terça, 24 de maio de 2022


Faculdade de Direito da USP recebeu parte dos participantes do julgamento - Reprodução/YouTube


TRIBUNAL DOS POVOS —TPP encerra 1º dia de julgamento de Bolsonaro com denúncias por "gestão criminosa" na pandemia

Testemunhas acusam governo de negacionismo e desorganização; julgamento será retomado na 4ª

Redação
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 24 de Maio de 2022

"Autoritarismo", "ameaças à democracia", "desmonte do SUS", "negacionismo", "desorganização", "gestão criminosa". Estas foram apenas algumas das acusações apresentadas nesta terça-feira (24) por testemunhas que participaram do primeiro dia do julgamento do presidente Jair Bolsonaro (PL) no Tribunal Permanente dos Povos (TPP).

A sessão, que acontece simultaneamente na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e na sede do TPP, em Roma (Itália), será retomada nesta quarta-feira (25), a partir das 8h45 (horário de Brasília).

A denúncia foi apresentada pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, a Internacional de Serviços Públicos (ISP), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coalizão Negra por Direitos, com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e outras entidades ligadas à defesa dos direitos humanos.

A advogada Eloísa Machado, professora da Fundação Getúlio Vargas e integrante da Comissão Arns, destacou que as entidades se uniram para acusar Bolsonaro de agir deliberadamente para propagação da pandemia. Isso se deu, por exemplo, a partir da "desorganização intencional" da política de saúde e da "opacidade de dados". Ela lembrou que os governos estaduais se juntaram a veículos de imprensa para conseguir organizar os números da doença no país, já que o governo, por meio do ministério da Saúde, parou de contabilizá-los.

Durante a sessão desta terça, o advogado Maurício Terena, da Apib, destacou que "o governo brasileiro elegeu o negacionismo científico como princípio norteador de suas escolhas". Terena citou a distribuição do chamado "kit covid", com remédios comprovadamente ineficazes contra a doença. "Não é exagero afirmar com convicção que o governo se tornou mais letal que a pandemia", pontuou.

A também advogada Sheila de Carvalho, que atua na Coalizão Negra por Direitos, afirmou ainda que a "gestão criminosa" da pandemia pelo governo causou perdas irreparáveis que poderiam ter sido evitadas. "Quanto mais tempo vamos deixar esse genocida estar na presidência? Bolsonaro e sua gestão criminosa foram fundamentais para expansão do genocídio do povo negro brasileiro", alertou.

A professora Deisy Ventura, da Faculdade de Saúde Pública da USP, destacou que a Organização Mundial de Saúde (OMS) advertiu o Brasil durante conferências de imprensa sobre o equívoco das estratégias adotadas pelo governo federal durante a pandemia. Ventura destacou, principalmente, a conduta "eticamente inadmissível" de se buscar a chamada "imunidade de rebanho", algo que teve efeito direto na mortalidade de pessoas pobres.

"O governo tentou de todas as formas estender o conceito daquilo que é atividade essencial durante a pandemia para que os trabalhadores mais pobres fossem expostos ao vírus, se contaminassem e com isso adquirissem o que falsamente é apresentado como imunidade de rebanho por transmissão", pontuou.

Integrante da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o senador Humberto Costa (PT-PE) lembrou que o autoritorismo foi uma das tônicas da atuação de Bolsonaro desde a declaração da emergência sanitária.

"Vimos, por exemplo, ameaças à democracia, que o governo utilizou de um lado pra desviar atenção da desastrosa condução de enfrentamento à pandemia, e, de outro, para intimidar instituições, que estavam tendo papel importante na adoção de medidas eficazes. Ameaças ao STF [Supremo Tribunal Federal], ao Congresso, até uma tentativa de golpe no 7 de setembro [de 2021]", listou.

O advogado Luiz Armando Badin, integrante da Comissão Arns, lembrou que o julgamento desta semana no TPP será o único de Bolsonaro durante o exercício do mandato. A atuação do tribunal é simbólica, mas ele afirma que o júri internacional pode esclarecer se e como devem ser caracterizados os fatos descritos pelas testemunhas.

"O que disse o governo brasileiro em favor de suas ações calamitosas? Basicamente que razões econômicas e liberdade individual devem prevalecer sobre as exigências de saúde pública. disse que a pandemia não era tão grave assim, e que tratamentos alternativos seriam mais baratos e eficazes", lembrou Badin, destacando que o governo não enviou representante para sua defesa no julgamento.

O médico italiano Gianni Tognoni, secretário geral do TPP, disse que o julgamento é a consolidação de um trabalho de cerca de seis meses em que o objetivo foi garantir a "presença real" das comunidades que foram vítimas de tudo que foi denunciado.

"O tempo de preparação foi longo e difícil pra este evento, com objetivo de assegurar a melhor documentação disponível de modo a comprovar o que está previsto nesta denúncia como responsabilidade de Bolsonaro e seu governo", destacou.

Sobre o TPP

Fundado em 1979, o TPP substituiu o Tribunal Russell, que investigou crimes cometidos pelos Estados Unidos durante intervenção militar no Vietnã e até mesmo ditaduras militares no Brasil e no Chile.

O corpo de jurados é composto por 12 personalidades e um presidente que vai ouvir as testemunhas dos casos e a acusação preparada pela advogada Eloísa Machado.

Segundo o ex-ministro de Direitos Humanos e integrante da Comissão Arns, Paulo Sérgio Pinheiro o governo de Jair Bolsonaro terá direito de defesa.

“A ata de acusação foi entregue ao embaixador do Brasil na Itália, remetida ao ministro das Relações Exteriores e ao presidente da República. Nós guardamos um espaço de 50 minutos para a defesa do presidente. Se o governo não indicar – esperamos que indique –, o secretário-geral do Tribunal nomeará um relator para apresentar a defesa dos atos indicados pela acusação”, afirmou Pinheiro.

Confira abaixo a íntegra da sessão desta terça-feira:



Edição: Rodrigo Durão Coelho