Sábado, 10 de setembro de 2022
Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 10 de setembro de 2022
Meu novo livro possui os seguintes título e subtítulo: “COMO ESCOLHER SEU DEPUTADO. Pequeno manual para orientar o eleitor no dia 2 de outubro de 2022”. Ele está disponível no meu site no seguinte endereço eletrônico: aldemario.adv.br.
Explorei alguns dos procedimentos utilizados nas campanhas eleitorais baseadas no “voto fisiológico”. Mencionei: a) a contratação interesseira de cabos eleitorais e b) a compra de lotes de votos controlados por certas lideranças comunitárias, religiosas e afins. Mostrei, com algum nível de detalhes, como esses expedientes são realizados e até a forma de controlar a sua eficiência. Destaquei, ainda, que paralelamente ao “fisiologismo pesado” (ou hard) convivem fisiologismos “mais leves” (ou soft).
Analisei três tipos de fisiologismos mais leves e muito comuns no universo das campanhas eleitorais nesta quadra da história do Brasil. São eles: a) os voltados para a formação de grupos políticos; b) os criados a partir da distribuição enviesada de recursos decorrentes de emendas parlamentares e c) aqueles constituídos por forte inspiração corporativa ou institucional, em especial a religiosa.
Abordei o “voto de opinião”. Anotei que, nesse campo, a preferência eleitoral não está baseada na perspectiva de obtenção de vantagens mensuráveis em pecúnia. Em geral, o eleitor busca identificação com propostas programáticas e verifica a trajetória de vida do candidato nos planos profissionais e políticos, notadamente a ocupação de funções públicas (eletivas ou não).
Destaquei, no campo do “voto de opinião”, a apresentação de propostas excessivamente genéricas ou proposições típicas da implementação de políticas públicas formatadas e conduzidas pelo Poder Executivo. Ressaltei a necessidade de que o candidato (do “voto de opinião”) formule ou apresente um programa de atuação parlamentar mais detalhado ou específico, em linha com a agremiação partidária a que pertença, para que se possa identificar os critérios e valores a serem utilizados no momento do voto ou da decisão no âmbito do exercício do mandato.
Registrei que a construção de uma sociedade livre, justa e sustentável exige que o “voto fisiológico” seja minoritário e, no limite, alcance a posição de ser meramente residual. Para tanto, três caminhos foram recusados, inclusive por ineficiência: a) a atuação de mitos, super-heróis, salvadores da Pátria, escolhidos por Deus ou coisa parecida; b) o recurso a golpes ou soluções autoritárias e c) a confiança platônica nas instituições estatais para operar mudanças profundas na realidade social. Apontei como único caminho aceitável, embora demorado e trabalhoso, aquele pautado por altas e energéticas doses de conscientização, organização e mobilização políticas, com a utilização de ferramentas educacionais e democratização econômica dos meios de comunicação.
Identifiquei os principais traços definidores dos critérios para consagração dos parlamentares vitoriosos no pleito eleitoral de outubro de 2022. Fiz dois conjuntos básicos de considerações: a) o financiamento das campanhas e b) como o voto do eleitor será contabilizado.
Também analisei a sedutora e equivocada proposta de redução do número de parlamentares pela metade. Realizei cinco ordens de considerações. Primeiro, porque dá a impressão que os gastos com os parlamentares “fazem a diferença” ou representam recursos que faltam em áreas essenciais como a saúde, educação e segurança pública. Segundo, porque a redução concentra mais poder nas mãos da “metade restante” ou “os que sobram”. Terceiro, porque uma proposta consequente teria como alvo o gasto total do Parlamento e não somente o número de seus membros. Quarto, a redução do número de parlamentares potencializa candidaturas e campanhas mais fisiológicas, baseadas na contratação interesseira de cabos eleitorais, “compra” de apoios de lideranças comunitárias e afins e promessas de vantagens imediatas descoladas de políticas públicas e do equacionamento dos grandes problemas locais, regionais e nacionais. Quinto, parece, com a proposta destacada, que os grandes problemas do Brasil decorrem da existência da classe política.
A conclusão, e resumo, do escrito pode ser observada na seguinte passagem: “caro eleitor, preste atenção, por favor, em relação aos candidatos: a) na trajetória pessoal, profissional e política; b) na forma de fazer política e, especialmente a campanha eleitoral; c) nas propostas e compromissos apresentados e d) sobretudo, nos interesses socioeconômicos defendidos ou representados (em que “lado” está o postulante)”.
NOTA ADICIONAL
São inúmeros os registros de forte surpresa e espanto em relação ao trecho da obra que detalha ou demonstra como operam os mais frequentes esquemas de compras de votos. Eis o relato realizado:
O outro expediente amplamente utilizado no campo do “voto fisiológico” é a compra de lotes de votos controlados por certas lideranças comunitárias, religiosas e afins. O termo utilizado foi “compra”. Embora criminoso, esse comportamento é realizado sem o menor pudor e em grande escala, notadamente, mas não só, nos bairros ou regiões que abrigam as parcelas mais vulneráveis da população. O pastor da Igreja do Evangelho Multidimensional (referência hipotética) mantém influência sobre um conjunto de 500 eleitores em Guaporé do Leste (outra referência inventada). Esse lote de votos pode ser adquirido por 100, 200 ou 300 mil reais pelo candidato que dispuser do numerário. Programa político? Propostas? Compromissos de atuação parlamentar? Métodos de exercício do cargo? Tudo isso é irrelevante. Sequer é tratado. O que interessa e é devidamente acertado: a) o número de votos no lote; b) o valor do lote; c) a forma de pagamento e d) a lista dos eleitores (sempre com número do título, zona eleitoral e seção, para conferência da “fidelidade” dos votos comprados).
Percebeu a onipresente lista de eleitores com os dados “necessários” (número do título, zona e seção eleitorais)? Veja, a propósito, esse esclarecedor (e estarrecedor) registro da jornalista Míriam Moraes, quando foi candidata ao Legislativo:
“No meu primeiro dia ganhei dois ‘apoios’. Uma diretora disse que ajudava os alunos formandos do ensino fundamental e do ensino médio a conseguir candidatos que bancassem a formatura deles.
‘Não sabe o quanto eles sonham com uma festa de formatura’, suspirava.
A coisa funcionava assim:
1. Ela organizava a reunião com os formandos.
2. O candidato anotava o número do CPF, título de eleitor e zona eleitoral de cada aluno.
3. Após a eleição, o candidato fazia a conferência nas zonas eleitorais para checar se teve mesmo o número de votos que constavam nos locais em que os alunos votavam. É possível conferir pelo boletim do resultado eleitoral os votos em cada sessão.
4. Se o número mínimo de votos conferisse com os dos alunos, a festa estava garantida.
Fiquei horrorizada ao ver a naturalidade com a qual a diretora me explicou o arranjo. Ao chegar em casa, recebi pelo telefone o segundo apoio, que veio de uma aluna, organizadora das atividades esportivas da escola. O preço era bem menor, bastava os uniformes dos times de vôlei e futebol, e ela garantia os votos no mesmo sistema de anotação dos títulos e zonas eleitorais. Percebi que aquilo era novidade só pra mim, nas escolas, a prática é corriqueira” (Livro: 10 coisas que descobri sobre corrupção e política quando fui candidata. Um guia para candidatos e interessados em entender como funcionam as campanhas eleitorais e os bastidores da corrupção).
Mesmo essas rápidas observações permitem entender a eleição de ilustres desconhecidos e pessoas reconhecidas inaptas para o desempenho de um mandato parlamentar ou qualquer posto de maior responsabilidade e que requeira um mínimo de conhecimento e raciocínio. Com o volume certo de recursos e os operadores hábeis é viável eleger, como parlamentar, qualquer pessoa, rigorosamente qualquer pessoa (João, Pedro, Paulo, Periquito, Papagaio, etc, etc, etc).