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(Millôr Fernandes)

domingo, 11 de setembro de 2022

ENTREVISTA COM MARIVALDO PEREIRA

 Domingo, 11 de setembro de 2022

Reprodução Facebook

ENTREVISTA COM MARIVALDO PEREIRA

Marivaldo Pereira foi o último Ministro da Justiça do governo da Presidenta Dilma Rousseff, do qual também foi Secretário Nacional de Justiça. Ele é auditor de carreira e advogado militante das causas sociais. De origem humilde, orgulha-se de ser filho de uma trabalhadora diarista e de que, trabalhando desde criança, sempre estudou em escolas públicas, inclusive até formar-se em Direito pela Universidade de São Paulo-USP. Tendo sido candidato a senador em 2018, quando obteve mais de 83 mil votos, atualmente é candidato a deputado distrital pelo PSOL, partido do qual foi presidente no DF.


No decorrer desta entrevista ao Gama Livre, concedida a Salin Siddartha, Marivaldo Pereira falou do trabalho que desenvolve, como advogado, na defesa dos direitos sociais, e apontou as deficiências existentes na prestação da assistência social, da saúde e da educação no DF, bem como o descaso com a regularização fundiária por parte do Governo do Distrito Federal. Para ele, o governador Ibaneis faz uma gestão elitista e desumana; e cita como exemplo que, ao contrário de seu governo investir na melhoria do transporte coletivo, o que ele fez foi aumentar a tarifa do transporte público, enquanto reduzia o valor do IPVA, incentivando o uso do transporte individual e aumentando a concentração de renda. Marivaldo Pereira desenvolve o raciocínio de que, se a esquerda ganhar o Governo do Distrito Federal, será possível mudar para melhor a forma de gerir o DF.


 Marivaldo Pereira vê o governo de Jair Bolsonaro como um dos piores da nossa história, não havendo uma só frente, sequer, na qual tenha atuado, a não ser para destruir.  Segundo Marivaldo Pereira, o governo de Michel Temer e o de Jair Bolsonaro deixaram de implementar uma política nacional de redução de homicídios que obrigasse um maior controle social sobre a atuação policial, projeto que estava para ser posto em prática quando ele era Ministro da Justiça, mas que tanto Temer quanto Bolsonaro descartaram. O entrevistado demarca que não há espaço, numa sociedade civilizada, para uma polícia que é treinada para matar e tem a caveira como símbolo, como é o caso da Polícia Militar.


Na entrevista, Marivaldo Pereira defende o combate ao racismo institucional como forma de enfrentar a cultura que estrutura o racismo no Brasil, ele também aborda a questão da mulher, situando o feminicismo como sento o maior problema do machismo na Capital da República, machismo que se torna mais grave quando se observa que a mulher não recebe o devido atendimento quando vai à delegacia de polícia denunciar a violência de que foi vítima.


Outro aspecto que ele destaca na entrevista é a importância da valorização do cerrado, recuperando a flora, as nascentes e explorando o meio ambiente desse bioma de forma sustentável.


A seguir, publicamos a entrevista na íntegra.


Salin Siddartha — Por que você é candidato a deputado distrital?


Marivaldo Pereira — O que levou a candidatar-me a deputado distrital é a experiência que eu venho tendo como advogado, percorrendo todo o Distrito Federal e tomando conhecimento de todo o sofrimento pelo qual grande parte da população vem passando. Hoje, a gente vive o caos completo em todas as áreas sociais, especialmente na área da assistência social e na área da saúde. As pessoas, hoje, têm que dormir na fila para conseguir ter atendimento no CRAS, e o pior é que elas dormem na fila à espera de uma senha e, no dia seguinte, são informadas de que não tem mais senha. As pessoas estão morrendo em busca de algo que é um direito à assistência social, uma direito a um programa social, e para ter um mínimo, que é ter o que comer. Então, a população está passando fome, diante da indiferença e da negligência do Governo do Distrito Federal.


Também na área da saúde, há um outro caos muito grande. Em todo o lugar que eu tenho percorrido, as pessoas estão sofrendo à espera de cirurgias que são urgentes e emergenciais – até pacientes de câncer não estão conseguindo agendamento para cirurgias, porque a Saúde está um caos. Ninguém dá resposta, ninguém agenda nada, as pessoas não sabem quando vão ser atendidas e estão sofrendo por isso. Exatamente por esse motivo é que eu decidi candidatar-me a deputado distrital. 


Acredito que com a experiência que eu tenho como gestor público e com minha experiência jurídica, possa fazer um mandato extremamente combativo, atuar e interceder em defesa dessas pessoas que tanto sofrem aqui no Distrito Federal para conseguir algo que é direito, não é favor de ninguém. As pessoas têm direito a ser atendidas na Saúde, no CRAS, na Assistência Social, bem como ter uma educação de qualidade. Quero ser deputado distrital para fazer essa diferença.


Salin Siddartha — Por que você escolheu o PSOL para ser candidato?


Marivaldo Pereira — Escolhi o PSOL porque é um partido que representa uma esperança de renovação da esquerda aqui, no Distrito Federal, e tenho muito orgulho em fazer parte da construção do PSOL no DF. Cheguei ao partido em 2017, fui candidato ao Senado em 2018, quando tive mais de 83 mil votos. De lá para cá, militei bastante na construção do partido, tornei-me presidente do PSOL, cargo que ocupei e do qual eu me orgulho bastante, e estamos demostrando que é possível construir um novo caminho para a esquerda do Distrito Federal, que é possível construir uma nova forma de se fazer política, olhando para a população mais pobre e devolvendo a esperança para uma população tão sofrida e desacreditada com a política.


Salin Siddartha — Quais são as iniciativas parlamentares que você tem em mente realizar, se for eleito deputado distrital? Cite algumas.


Marivaldo Pereira — A mais importante delas é ampliar a luta que nós estamos fazendo para que as pessoas que estão esperando nas filas do CRAS sejam atendidas. Há mais de ano que venho acompanhando essa situação das filas do CRAS, inclusive nós já entramos, no início de junho, com uma ação judicial, pedindo à Justiça que obrigue o GDF a atender essas pessoas. Se eu for eleito, eu vou ampliar essa atuação, acionando o Tribunal de Contas e as instituições da Câmara Legislativa, propondo, até mesmo, uma CPI para que se torne público o que está acontecendo na assistência social do DF, pois quem tem fome tem pressa. É inadmissível que nós estejamos em uma das unidades da Federação mais ricas do País, e as pessoas tenham que se humilhar, implorando para conseguir atendimento, e o pior é que não o conseguem. As pessoas estão morrendo de fome sem que o GDF cumpra a Constituição e a legislação para atender essas pessoas.


Outra proposta muito importante é na área da Educação. Pretendo aprovar projetos que estimulem a criação de cursinhos populares em todo o Distrito Federal. Eu cheguei à universidade, estudando sempre em escolas públicas, como filho de uma diarista; cheguei à universidade graças a um cursinho popular que me permitiu estudar Direito em uma das universidades mais importantes do País, que é a Universidade de São Paulo. Acredito que todo jovem da periferia que tiver essa oportunidade também pode chegar à universidade; para isso, nós precisamos abrir essas portas, e uma das formas de abrir essas portas é incentivar a criação de cursinhos populares.


Outra proposta também muito importante é o combate à evasão do ensino médio. Essa evasão, no Brasil, sempre foi muito alta e, com a pandemia, essa evasão aumentou ainda mais. Os jovens estão tendo que deixar a escola para irem trabalhar. Nesse sentido, quero propor a criação de uma bolsa-permanência no ensino médio para esses jovens de baixa renda.


Outra pauta muito cara à minha atuação é a pauta antirracista. Eu fui um dos responsáveis por ajudar à elaboração do projeto de lei encabeçado pela Deputada Áurea Carolina, na Câmara dos Deputados, de combate ao racismo institucional. Eu tenho como objetivo implementar essa proposta e criar um projeto equivalente, para que todo o Governo do Distrito Federal adote medidas de enfrentamento e de combate ao racismo institucional.


Uma quinta proposta muito importante é na área da regularização fundiária. Hoje, nós vemos que praticamente toda a periferia do Distrito Federal está irregular. Esse estado de coisas tem-se mantido porque há políticos que ganham com essa falta de regularização. Todo ano, alguém pega dinheiro da população com a promessa de que vai regularizar suas propriedades e desaparece. Em toda eleição, surgem os espertalhões que pedem o voto da população em troca da regularização fundiária, e nada acontece. Quero investir pesado em uma parceria com a Defensoria Pública do Distrito Federal para usar os instrumentos que já estão previstos na legislação com o propósito de promover a regularização das áreas ocupadas, majoritariamente, pela população de baixa renda – já estamos atuando, nesse sentido, no Setor Habitacional Mestre D’armas, em Planaltina. Mostramos que é possível fazer isso, e queremos ampliar esse modelo de atuação para todo o Distrito Federal.


Uma última proposta, dentre várias outras que pretendo apresentar, é na área da Saúde. É mais do que urgente obrigar o GDF a dar publicidade à fila da saúde, é mais do que urgente obrigar o GDF a que, quando constatar que alguém precisa de cirurgia urgente, que essa pessoa, automaticamente, entre na fila para a realização da operação cirúrgica, e ela fique sabendo qual é, de fato, a posição ocupada por ela na fila, porque, hoje, sem a observância de uma ordem cronológica correspondente na fila, só quem consegue se submeter à cirurgia é quem tem uma indicação política; isso é muito grave, pois a escassez acaba criando a oportunidade de que outras pessoas passem na frente de quem está há mais tempo aguardando a vaga, ou, até mesmo, cria oportunidade para a corrupção, visto que, quando se tem escassez, cria-se a possibilidade e o incentivo para que certas pessoas vendam vagas nas filas de cirurgia. Então, é urgentíssimo que o GDF dê publicidade, dê transparência a essa fila, preservando os dados dessas pessoas, para que elas saibam quando e em que medida elas serão atendidas pelo poder público do DF. 


Salin Siddartha — Como é que você vê a atuação do atual Governo do Distrito Federal, principalmente nas questões relativas à educação, saúde e regularização fundiária?


Marivaldo Pereira — O atual governo faz uma gestão elitista e desumana. Elitista, pelo fato de o governador se gabar de figurar entre as pessoas mais ricas do Distrito Federal, de ter uma das casas mais caras daqui e de fazer convescotes com as pessoas mais ricas do DF, enquanto a população sofre. E aí entra o seu caráter desumano, em razão de o governador ser absolutamente indiferente ao sofrimento da população mais pobre.


Veja bem que, enquanto a população mais precisava do governo, que foi durante a pandemia, o governador, ao invés de reforçar o atendimento na área da Assistência Social e da Saúde e socorrer a população, ele se preocupou em remover casas, em derrubar moradias, em atirar famílias no meio da rua, em recolher o material dos moradores em situação de rua no Setor Comercial Sul. Então, é um governo desumano e elitista. Essa é a marca da gestão Ibaneis, que, além de tudo, é a de um governo extremamente incompetente, porque, tendo os recursos que tem o DF, ao deixar a situação dos serviços públicos na condição em que se encontra atualmente, demonstra ser extremamente incompetente.


O maior símbolo dessa incompetência é a fila do CRAS. Veja, Salin, que nós saímos de uma situação em que discutíamos, ainda no governo Dilma, a busca ativa da assistência social. E o que era isso? Era equipar o Estado de condições de ir atrás das pessoas que, por algum motivo, não conseguiam chegar ao CRAS. Hoje, as pessoas vão até a fila do CRAS e não conseguem atendimento. Hoje, as pessoas passam fome, frio, sede, correm risco de serem assaltadas na fila do CRAS para, no dia seguinte, saber que não tem mais senha. Hoje, literalmente, as pessoas estão morrendo na fila do CRAS, sem atendimento. Isso é resultado de uma gestão incompetente, devido a existirem várias saídas que poderiam amenizar esse problema.


Salin Siddartha — Você chegou a ser Ministro da Justiça do governo da Presidenta Dilma Rousseff e, antes, tinha sido Secretário Nacional de Justiça. Com certeza, o Ministério da Justiça, quando você era o Ministro, devia ter vários projetos ainda a serem implementados. Quais desses projetos que estavam ainda para serem implementados não o foram no governo Temer e no governo Bolsonaro?


Marivaldo Pereira — Nós tínhamos o projeto de uma política nacional de redução de homicídios que obrigasse um maior controle social sobre a atuação policial. Esse é o maior projeto que poderia ter sido implementado, e não foi. É necessário que se tenha uma articulação nacional para enfrentar o problema dos homicídios. O enfrentamento dos homicídios não deve passar pela prática de mais violência. Ora, no governo atual, vem proliferando a distribuição de armas na sociedade; isso é uma bomba relógio que, quando explodir, terminará por custar muitas vidas, o que, na realidade, já vem ocorrendo. Os acidentes envolvendo armas de fogo só aumentam a cada dia como resultado de um governo federal que, ao invés de combater a violência, fomenta-a, incentiva o ódio e a própria violência. Então, faz muita falta a execução do projeto de uma política nacional de redução dos homicídios que estava prestes a ser posto em prática no tempo da Presidenta Dilma, bem como um debate sério sobre segurança pública.


Um outro caminho também muito importante é a concepção de que o policial, assim como qualquer servidor, tem que prestar contas à sociedade, posto que nem o policial nem ninguém está acima da sociedade. O policial é um servidor público, com a diferença de que ele pode usar a violência em nome do Estado — mas, ao usar dessa violência, ele tem de prestar contas. Contudo isso ainda não acontece. Os instrumentos de controle da atuação policial previstos na Constituição, infelizmente, ainda não funcionam, e nós teremos de brigar muito para que passem a funcionar, evitando que a formação de milícias e chacinas, como tem acontecido em estados como Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo, não corra o risco de se espalhar por todo o País. Para tanto, é necessário que o policial, assim como qualquer outro servidor público, preste contas dos seus atos à sociedade. Que ele esteja disposto a dar transparência nessa atuação, de modo que a população possa acompanhar de perto a qualidade dos serviços que vêm sendo prestados.


Salin Siddartha - Muitos críticos acham que a militarização da polícia tem que acabar, a partir do momento em quer a polícia, ao ir para a rua de acordo com o treinamento que recebe, vai para combater o que ela acha que são inimigos, e não a brasileiros infratores da lei. Argumentam que o combate ao inimigo só se dá na guerra, pois, internamente, não há combate a inimigos, e sim a infratores, que são brasileiros também. Alegam que, em razão de o Regulamento Disciplinar do Exército ser o que disciplina a Polícia Militar, ela está submetida à hierarquia militar, com treinamento sacrificante para os soldados e praças em geral, com torturas que os obrigam, por exemplo, a ficarem sentados por horas no asfalto quente, o que faz com que eles saiam do treinamento a que são submetidos, pensando que é de forma torturante que se tem de tratar o bandido e a todos os infratores da lei, e se vinguem em todos os que lhes são submetidos nas diversas operações policiais, inclusive em todos os cidadãos. Com base nisso, há quem proponha, então, a desmilitarização da polícia, incorporando os PMs à polícia civil, fazendo tanto o papel investigativo, que compete, hoje em dia, exclusivamente à polícia civil, como também o papel repressivo, tal qual o é nos outros países. Se você for eleito, de que modo você irá intervir na questão da Polícia Militar do Distrito Federal, como polícia militarizada, treinada para atuar como as forças armadas regulares são treinadas com a finalidade de ir à guerra contra tropas estrangeiras inimigas?


Marivaldo Pereira — Esse é um ponto que nós precisamos demarcar. Não há espaço numa sociedade civilizada para uma polícia que é treinada para matar e tem a caveira como símbolo. Caveira é símbolo da morte, quer dizer, consequentemente, que as polícias militares do Brasil ainda têm a morte como símbolo, o que não pode ter espaço no Estado Democrático de Direito. Enfrentar isso é obrigação da nossa sociedade. É preciso discutir esse fato com os próprios policiais.


A base da Polícia Militar não concorda com esse modelo de atuação, por causa de que quem mais sofre é ela. Os policiais militares são vítimas de toda sorte de abusos dos seus superiores hierárquicos. São abusos que têm exatamente como objetivo fomentar um comportamento violento, que já começa lá no treinamento e se dissemina ao longo da carreira policial, onde a base é abusada pelos de hierarquia superior. Então, nós precisamos reformular tudo isso, para que cheguemos a um policiamento cidadão, para que tenhamos uma Polícia Militar que possua uma cultura de atendimento, no sentido de servir à população, e não de, simplesmente, olhar a população como inimiga, principalmente a população mais pobre, e não ter, na sua cabeça, como marginal padrão, o cara preto, da periferia, que o policial, ao olhar para ele, já o vê como inimigo e, como tal sente-se na disposição de abordá-lo apenas por ser negro. Nós temos que quebrar essa concepção. É importante que nós reflitamos sobre isso, e discutamos procedimentos operacionais das polícias.


Então, uma das bandeiras que eu quero enfrentar como deputado distrital é o procedimento da abordagem. Qual é o procedimento da abordagem policial? Como é que o jovem, que é abordado todos os dias na periferia, sabe se aquele procedimento é o mais adequado ou não? É correto que ele se conforme em ser abordado todos os dias na rua pelo simples fato de ser pobre? De ser negro? Não. Não é correto. Por conseguinte, a população precisa conhecer qual é o procedimento padrão de atuação da polícia, para poder cobrar, sempre que um policial agir fora dos limites que são previstos nesse procedimento. Assim, a sociedade tem que discutir e romper com essa lógica de que, quanto mais violenta for a polícia, melhor ela será. Infelizmente, há programas televisivos, há até governadores, e o próprio Presidente da República, que defendem isso. Só que o resultado, Salin, é mais violência. E quem acaba pagando por essa violência são os próprios policiais. Sabe quem são os policiais militares que mais morrem com essa violência? São os policiais militares pobres, negros e da periferia.


O Fórum Brasileiro de Segurança Pública realiza, todos os anos, uma pesquisa que trata tanto da realidade dos policiais quanto da quantidade de morte de policiais. E dos dois lados, tanto das vítimas da polícia, quanto dos policiais militares que são mortos, constata-se que eles pertencem à população negra e pobre da periferia. Sendo assim, é a própria população que é treinada na cultura do ódio, da violência e que acaba tendo ela mesma como vítima. É uma situação muito complicada. Nós temos que rever essa cultura da violência dentro da Polícia Militar, para que possamos chegar a um policiamento cidadão, que só vai existir quando nós tivermos procedimentos operacionais transparentes, de modo que a população tenha pleno conhecimento de tais procedimentos e possa cobrar da polícia a sua observância.


Salin Siddartha — Há muito autorracismo por parte também de negros que ainda não têm a devida visão do quanto são explorados. Você, que também é comprometido com o movimento negro, fará o quê, se for eleito, no sentido de conscientizar muitos negros a respeito da causa da negritude e da luta contra o racismo?


Marivaldo Pereira — Essa prática é bastante observável: peguemos, como exemplo, o Sérgio Camargo, que foi escolhido pelo atual Presidente da República para destruir a Fundação Cultural Palmares e usou todo espaço que teve para atacar nosso povo, nossa história, nossa cultura; enfim, um homem negro foi nomeado para presidir uma fundação com o objetivo de sabotar toda a sua construção, que foi em prol da população negra, à qual ele pertence e pela qual ele deveria lutar. A forma de nós enfrentarmos isso é combatendo o racismo institucional.


O racismo está presente em várias instituições da sociedade, seja nas igrejas, seja no Estado, ou nas escolas. A população é formada na cultura do racismo. Precisamos interromper o prosseguimento dessa cultura. Entretanto, como é que se interrompe esse tipo de cultura? Especialmente admitindo que ela existe, acabando com qualquer possibilidade de discussão que expresse que o Brasil não é um país racista. O Brasil é um país extremamente racista, e o racismo mata. Precisamos provar que esse problema existe e, para enfrentá-lo, precisamos ter um plano com várias perspectivas de comportamento institucional, de educação e formação. Para tanto, sem sombra de dúvida, o primeiro passo é agir junto ao poder público. Esse é um dos pontos, dentro das propostas que nós temos, de executar um projeto de enfrentamento ao racismo institucional no âmbito do Governo do Distrito Federal. Temos de fazer essa discussão no atendimento da saúde, na assistência social e na educação, para que nós comecemos essa mudança a partir do espaço público. É possível fazer isso trabalhando nas escolas.


O Estatuto da Igualdade Racial foi um passo muito importante para enfrentarmos esse problema, no entanto, até hoje, não foi totalmente implementado, posto que ainda não se tem, nas escolas, o ensino da História da População Negra, da História da África, das cotas, que, há muito tempo, se encontra previsto no Estatuto da Igualdade Racial. O fato é que nós vivemos um momento de retrocesso nessa área, porque nós elegemos um Presidente da República racista e que tem muito orgulho de ser racista, o que traz, como resultado, o reforço do racismo institucional. Assim, nós temos a obrigação de lutar e defender o combate ao racismo institucional, colocando o problema na mesa de discussão e começando a adotar medidas para enfrentá-lo.


Salin Siddartha - Na sua opinião, que trabalho pode ser feito para melhor combater o machismo e o feminicídio?


Marivaldo Pereira — O maior problema do machismo no DF são os feminicismos, praticados, majoritariamente, pelos homens. Há um grave problema quanto ao atendimento das mulheres nas delegacias. Quando a mulher é vítima desse tipo de violência e vai à delegacia, ela dificilmente encontra atendimento eficiente para fazer a denúncia. Essa é uma outra política que sofreu um grave retrocesso no País.


Antes mesmo de discutirmos o posicionamento das mulheres, é necessário retomar as políticas que outrora existiam. A extinta Secretaria Especial de Política para as Mulheres tinha como um dos focos disseminar, nas escolas, a propagação da consciência do papel das mulheres e de como elas são exploradas e vitimadas pela violência machista.


A primeira providência deve ser a de dar atendimento à mulher que for vítima da violência. O DF vive uma verdadeira epidemia de feminicídios, a toda hora veem-se casos de feminicídio sem que as mulheres tenham onde recorrer. Isso com relação aos casos que vêm a público, visto que a maioria das mulheres que são vítimas de violência não a denunciam porque têm medo. Imagine você a mulher indo a uma delegacia composta por homens formados numa cultura totalmente machista e falar que foi vítima de violência doméstica. Lá, muitos policiais vão dizer: “olha, você apanhou porque merecia”. Infelizmente isso acontece muito. Logo, há um foco inicial que precisamos trabalhar dentro das próprias estruturas do Estado para reverter esse machismo. Ao fazer isso, automaticamente, começa-se a avançar para interromper a cultura machista no meio da sociedade.


Como dissemos, quem pratica a violência contra a mulher é o homem. Temos a cultura que procura justificar que o homem pode achar que ele tem o direito de bater na mulher e violentá-la impunemente. Esse tem que ser o nosso foco de enfrentamento.


Salin Siddartha — O Distrito Federal está totalmente dentro do bioma do cerrado, que é o segundo maior bioma do País, apesar disso, os livros de Geografia não gastam mais do que uma página descrevendo o bioma do cerrado, apesar de gastarem páginas e mais páginas com os outros biomas brasileiros, como o da Mata Atlântica, da Floresta Amazônica e da Caatinga – o que não é errado –, porém, o desprezo pelo segundo maior bioma do Brasil atrapalha muito a educação do jovem no Distrito Federal; melhor dizendo, é preciso que, mormente os livros de Geografia, ampliem mais o tratamento sobre o bioma do cerrado. Como deputado distrital, está no seu projeto tratar desse assunto e fazer exigências pedagógicas, no sentido de passar a haver uma educação sobre esse bioma de forma bem maior entre os jovens?


Marivaldo Pereira — Essa é uma pauta extremamente importante. Valorizar o cerrado é essencial. No nosso mandato, nós vamos investir na recuperação de nascentes, na recuperação do cerrado e na exploração sustentável do meio ambiente. Hoje em dia, não tem como se discutir qualquer projeto econômico e social sem que se leve em consideração a sustentabilidade. Hoje, travamos uma corrida contra o relógio em prol da preservação do planeta para as futuras gerações que estão logo ali à frente. Se o planeta seguir sendo explorado da forma como vem sendo atualmente, ele vai ter comprometida sua sustentabilidade. O mesmo acontece com o cerrado. Então, é importante que se discutam, na sala de aula, dentro da grade curricular, as especificidades do cerrado e toda a sua riqueza natural, para que também se divulguem as boas práticas de exploração sustentável e da importância da preservação das nascentes e dos rios.


Salin Siddartha — Como você vê o governo de Bolsonaro?

Marivaldo Pereira — É um dos piores governos da História do País. Não há uma frente na qual o governo de Bolsonaro tenha atuado, a não ser para destruir. Na pauta ambiental, ele desmontou o IBAMA e o ICMI-BIO, colocando em risco, inclusive, a vida dos servidores públicos que atuam na preservação do meio ambiente. Seu ex-Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, foi flagrado num grampo em que ele avisa ao governador ligado aos madeireiros que haveria uma operação do IBAMA em local por ele governado, ou seja, os servidores do IBAMA poderiam ter sido vítimas de uma tocaia, que, aliás, foi comentada por aquele próprio Ministro do Meio Ambiente em reunião do ministério.


A área da Saúde foi uma tragédia: quantas vidas poderiam ter sido salvas, se o Presidente da República tivesse levado em consideração a ciência e a razão para atuar durante a pandemia? Se tivesse comprado vacinas, isso seria um simples ato capaz de ter salvado muitas vidas. Contudo, o que se viu foi uma tragédia na área da Saúde.


Nas Relações Exteriores, o Brasil, hoje, é um pária do qual ninguém quer se aproximar — todo o mundo quer distância do Brasil.


Na área econômica, ninguém consegue perceber a existência, sequer, de um projeto de desenvolvimento econômico para o País. A proposta de Estado mínimo, pregada pelo Paulo Guedes, só levou à destruição e ao desmonte da nossa cadeia produtiva. Nossa economia voltou a ter um padrão colonial, já que toda nossa balança comercial de agora é dependente exclusivamente de “commodities”. Não há um projeto para o desenvolvimento da indústria; a ciência e a tecnologia sofreram cortes absurdos. O Brasil era pioneiro na produção de vacina, e hoje depende totalmente da importação de vacinas.


Em todas as áreas houve um desmonte que significou um desastre completo. E, na área social, o atual Presidente entregou o Brasil de volta ao mapa da fome – isso é o mais doído, o mais grave, haja vista termos cada vez mais pessoas pedindo comida nas portas dos supermercados, implorando para ter o direito de se alimentar, de ter um prato de comida. Por conseguinte, explodiu o número de pessoas no Brasil que se encontram na extrema pobreza, por causa de um governo que não tem projeto de País.


O governo perde mais tempo questionando a democracia, ameaçando o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, do que pensando no desenvolvimento e no bem-estar da população. Não é possível identificar uma só frente de atuação em que este governo tenha ido bem. Ainda por cima, é um governo que ameaça a nossa democracia, e nós nem sabemos se ele vai respeitar o resultado das eleições, nem sabemos se vamos conseguir nos livrar dele por meio do voto, tamanha é a gravidade do governo de Jair Bolsonaro.


Vamos ter quer relembrar muito os desmandos deste governo. O ideal é que, no futuro, tenhamos uma Comissão da Verdade para apurar o que aconteceu neste período sombrio.


Salin Siddartha — A mobilidade do Distrito Federal está caótica, particularmente nos horários de pico. Os ônibus demoram a chegar; depois de certa hora, as pessoas praticamente não conseguem mais voltar para casa, porque deixa de haver a circulação do transporte coletivo. É exorbitante a lotação de pessoas dentro dos ônibus, com muita gente em pé, e a classe trabalhadora de nível econômico mais baixo é quem é mais sacrificada. As soluções apresentadas pelo GDF são paliativas e tudo caminha para chegar ao ponto de não se ter mais solução. Como deputado distrital, quais são as propostas você teria para solucionar o trânsito e o transporte do Distrito Federal?


Marivaldo Pereira — A primeira coisa a ser feita é investir na melhoria da qualidade do transporte coletivo, ao contrário do que fez Ibaneis, que aumentou a tarifa do transporte público, enquanto reduzia o valor do IPVA. Isso é uma política de concentração de renda e de incentivo ao uso do transporte individual, o que acaba sobrecarregando e levando a mobilidade urbana ao caos. Isso é condenado pelos especialistas em mobilidade urbana. O que Ibaneis fez no DF foi um populismo elitista, que é a cara do seu governo. Portanto, precisamos investir no transporte público e na sua transparência.


Afinal, ninguém consegue explicar qual é a lógica do subsídio que é pago atualmente às empresas. Por que as empresas de ônibus do DF recebem tanto, e o transporte é tão ruim? Como isso se justifica? Como se explica essa situação? Por que, durante a pandemia, quando a população precisava, mais do que nunca, de viajar em veículos de transporte coletivo menos lotados, reduziu-se o número de veículos de transporte coletivo em circulação, e eles ficaram ainda mais lotados, arriscando a população que não conseguia ficar em casa a pegar a COVID-19 e perder suas vidas? Diga-me, então, o que explica isso? Qual é a lógica desse sistema? Qual é a relação existente entre essas empresas de transporte coletivo e o governo? Precisamos dar transparência a esses fatos...


Uma proposta também fundamental que nós defendemos, desde a eleição passada, é a de criar um mecanismo para que o subsídio ao transporte coletivo leve em consideração a opinião da população sobre a qualidade do serviço apresentado, de modo que o usuário possa opinar sobre a qualidade do serviço que está sendo prestado pelas empresas de transporte coletivo, como condição para que o subsídio possa ser pago. Hoje, o GDF paga o subsídio, entretanto a passagem só aumenta, a população segue circulando em veículos velhos e ultrapassados, que quebram no meio do caminho, malgrado estejam cada vez mais caros, lotados, sujos, sem qualquer tipo de higiene, e a população fique sem ter onde recorrer. Contudo, o GDF segue pagando cada vez mais subsídios a essas empresas, porque elas têm um poder de influência muito grande na Câmara Legislativa e junto ao próprio governo do Distrito Federal.


Salin Siddartha — A Lei Orgânica do Distrito Federal estabelece a necessidade de ocorrer eleição para o cargo de administrador regional, o que não vem sendo cumprido: os governadores vêm procrastinando o cumprimento desse dispositivo legal, Rodrigo Rolemberg disse que iria cumprir, mas, no final, também postergou, até mesmo o atual governador comprometeu-se a cumprir essa lei, no entanto, até agora, nada fez para implementá-la. Mas há quem diga que não tem que haver eleição para administrador regional, e sim nomeação por parte do governador, em razão de ser uma lei equivocada, pois termina por implantar uma política conflituosa entre o administrador regional e o governador. Entrementes, do jeito que está, os administradores regionais, salvo raras exceções, viraram verdadeiros office-boys de deputados distritais. Afinal, mapeia-se o Distrito Federal pelas Regiões Administrativas, de acordo com a representatividade que cada deputado distrital da base do governador tem na correspondente cidade, cabendo a tal deputado indicar a pessoa que o governador nomeará como administrador regional dali. Isso faz com que o administrador regional tenha que obedecer à vontade do deputado distrital que o indicou, atuando verdadeiramente como seu cabo eleitoral na cidade, o que leva também a uma alta rotatividade de administradores regionais no decorrer do mandato do deputado, variando conforme o grau de adesão ao deputado distrital ou ao governador, o que atrapalha o processo de continuidade administrativa. Como deputado distrital, qual vai ser sua atuação com relação a esse estado de coisas?


Marivaldo Pereira — Eu espero que a esquerda ganhe o Governo do Distrito Federal, para que possamos mudar completamente essa forma de gerir as administrações regionais. É importante que os administradores sejam indicados a partir do seu conhecimento em relação aos problemas locais e da sua capacidade de dar vasão às demandas da população, ao atendimento dos moradores e de acordo com a sua competência para implementar as melhorias de que a população tanto precisa. Assim, é importante que a escolha dos administradores regionais não passem por nenhum loteamento. Eu tenho certeza de que, se conseguirmos eleger um governo de esquerda, isso será resolvido.