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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Militarização de escolas integra projeto de controle e seleciona quem permanece no ambiente escolar, analisa professora da UnB

Segunda, 29 de setembro de 2025

Modelo cívico-militar é criticado por enfraquecer a gestão democrática e comprometer direitos educacionais




Brasil de Fato — Brasília (DF)

A militarização das escolas públicas já é uma realidade em diversos estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal. Desde 2019, algumas unidades do DF funcionam sob um modelo de gestão compartilhada entre a Secretaria de Educação e a Polícia Militar, gerando críticas sobre a violação de direitos constitucionais de crianças e adolescentes, a interferência na gestão democrática e o enfraquecimento da autonomia pedagógica das escolas, segundo especialistas.

Para debater o tema, o Sindicato dos Professores do DF (Sinpro) promoveu, na última segunda-feira (22), o seminário Educar não é militarizar, com o objetivo de ampliar a discussão entre professores e professoras sobre os impactos desse modelo na educação pública. Para tratar do assunto, o seminário contou com com a participação de Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/UnB) e especialista em políticas públicas e gestão da educação.

A docente apresentou informações e reflexões importantes sobre o tema, que acompanha desde a década de 1990, iniciando suas pesquisas em Goiás. Segundo ela, educação e segurança são direitos fundamentais garantidos pela Constituição, mas a militarização interfere na autonomia e na especificidade de cada área.

“Quando você traz os militares para dentro da escola, são profissionais que não têm nenhuma formação e nenhuma preparação para atuar nesse espaço. Eles não entram como insumo de qualidade da educação. Se fosse para garantir outro direito social, como a segurança, aí sim deveriam ser chamados. Se pensamos no aprendizado como qualidade da educação, aquilo que a escola precisa oferecer para formar o sujeito, os militares não contribuem em nada”, destacou.


Para Santos, a melhoria da educação pública depende de investimento nos profissionais da rede. “O que impacta, de fato, são os insumos de qualidade da educação: profissionais bem formados e valorizados, turmas não superlotadas, escolas com infraestrutura adequada, estudantes em boas condições de vida e financiamento justo. Esses são os elementos que garantem qualidade. Os militares não fazem parte disso.”

A professora reforçou que educação e segurança são direitos fundamentais garantidos pela Constituição, mas de toda forma seus papéis são distintos.


“Estamos falando de dois direitos sociais diferentes. Para que cada um seja garantido, é preciso contar com profissionais específicos e condições próprias. Ninguém em sã consciência diria que vai garantir o direito à segurança colocando professores e professoras para desempenhar esse papel, porque eles não têm formação nem preparo para isso. Da mesma forma, não faz sentido colocar militares para cumprir a função da educação. É disso que estamos falando.”
Seminário organizado pelo Sinpro debateu militarização
de escolas |
Deva Garcia/Divulgação Sinpro-DF

“Então, o debate não é antagonizar educação e segurança, como se fossem polos opostos. É dizer que cada um tem o seu papel. E, se eu quero garantir o direito à educação, preciso também garantir o direito à segurança”, enfatizou.

No Brasil, os Princípios Educacionais previstos no artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabelecem diretrizes como respeito à liberdade, tolerância, valorização da experiência extraescolar e consideração à diversidade, entre outros.

Segundo Catarina de Almeida Santos, esses princípios não se alinham com o modelo militarizado. “Quando você lida com segurança ou com o militarismo, não se pergunta: obedece-se. A hierarquia está estabelecida, não pode haver diálogo; há apenas obediência à ordem definida hierarquicamente”, observa.

A disciplina militar não tem relação com a disciplina escolar. “A disciplina escolar diz respeito ao processo pedagógico, à construção do respeito, à formação do sujeito. No militarismo, tudo se resume a obedecer à ordem hierarquicamente estabelecida. São áreas com princípios diferentes que não se conciliam no processo formativo,” ressalta.
Processo de militarização das escolas no DF

CEF 17 de Taguatinga aderiu do modelo civico-militar no DF em 2025. Foto: Felipe de Noronha/SEEDF

O modelo de gestão compartilhada no DF começou em janeiro de 2019, durante o governo de Ibaneis Rocha, com a Portaria Conjunta nº 01, estabelecendo o projeto piloto de Escolas de Gestão Compartilhada (EGC). Inicialmente, quatro escolas foram selecionadas: Centro Educacional 3 (Sobradinho), Centro Educacional 308 (Recanto das Emas), Centro Educacional 1 (Estrutural) e Centro Educacional 7 (Ceilândia). Hoje já são cerca de

Segundo o GDF, a proposta visa implementar uma gestão compartilhada com foco em disciplina, civismo e hierarquia, princípios alinhados ao ideário conservador do governo federal da época. Em 2020, o modelo foi expandido e hoje inclui 25 escolas no DF, concentradas principalmente em Ceilândia, Samambaia e Núcleo Bandeirante, sendo algumas geridas pela Polícia Militar e outras pelo Corpo de Bombeiros.

‘Falta de priorização da educação no país’

Para a professora da UnB, a militarização representa apenas uma parte de um problema maior: a falta de priorização da educação no país.

“Faz parte de um projeto que nega o direito à educação para a população brasileira. Quem militariza a escola não age sozinho: precisa dos gestores que autorizam a presença dos militares. Muitas vezes, o gestor diz que o militar vai cuidar da gestão, organizar atividades, mas não está pensando na qualidade da educação”, denuncia a docente.

Na avaliação de Catarina de Almeida Santos, a militarização das escolas integra um projeto de controle com o aval do Estado e seleciona quem permanece no ambiente escolar, considerando que alunos da diversidade, mais pobres ou neurodivergentes são deixados de fora, por não se adaptarem ao modelo rígido.

“Uma escola pública precisa se adaptar para receber todos os diferentes. A militarização faz o inverso: molda a escola para caber apenas quem se molda ao processo. É um espaço que nega a diferença, em vez de abraçá-la. O projeto de militarização retira esse caráter público, transformando o espaço em controle e disciplina”, analisa.

Ela ainda alerta que o modelo atende a interesses específicos, em vez de ampliar oportunidades.

“Além disso, serve aos interesses das avaliações de larga escala e dos ranqueamentos, favorecendo conservadorismos e evitando debates essenciais sobre gênero, sexualidade, violência policial e do Estado. A escola militarizada é, nas minhas palavras, uma escola higienista, fácil de controlar e que atende a lógicas de exclusão e padronização, e não à diversidade da sociedade”, conclui.

STF analisa ações contra a militarização das escolas

Fellipe Sampaio/STF

Atualmente, o modelo de militarização está presente em 23 estados e no Distrito Federal, seja em escolas cívico-militares ou sob gestão compartilhada com corporações militares.

O Supremo Tribunal Federal (STF) referendou, no dia 12 de setembro, uma decisão do ministro Gilmar Mendes que mantém em vigor, em caráter liminar (provisório), a lei que instituiu o modelo de escolas cívico-militares no Estado de São Paulo.

A liminar foi concedida em novembro de 2024, no contexto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7662, a pedido do governo paulista. Na ocasião, Gilmar Mendes revogou uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que havia suspendido a implementação do modelo.

Ao examinar o caso, o ministro concluiu que o TJ-SP extrapolou sua competência ao interromper a aplicação da norma, uma vez que a Lei Complementar 1.398/2024 — que institui as escolas cívico-militares — também está sendo analisada pelo STF nas ADIs 7662 e 7675.

Segundo Mendes, a jurisprudência consolidada do STF estabelece que, havendo ação em curso na Corte, os processos correlatos nas instâncias inferiores devem ser suspensos até decisão final. O ministro destacou ainda que o TJ-SP tinha conhecimento da tramitação dessas ações no Supremo, mas, mesmo assim, proferiu decisão que interferiu na jurisdição da Corte.

Mendes frisou que, neste momento, não está em discussão a constitucionalidade do modelo, cujo mérito será avaliado no momento oportuno.

A decisão da Corte sobre o assunto pode ter impacto nacional, podendo estabelecer parâmetros sobre a compatibilidade entre o modelo de militarização e os princípios constitucionais da educação pública no Brasil.

Com informações da Agência STF.


Editado por: Flavia Quirino

Tags: distrito federal

25.set.2025 às 17h21
Atualizado em 26.set.2025 às 07h49
Brasília (DF)