Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 17 de abril de 2012

Velório de aniversário

Terça, 17 de abril de 2012 
Por Ivan de Carvalho

Dia 21 – além de ser o dia das mortes de Tiradentes, Tancredo Neves e Luís Eduardo Magalhães – é também o aniversário de Brasília. Esta deveria ser a nota alegre a suavizar as três perdas humanas citadas. Mas não haverá nota alegre, apesar de cantorias programadas pelo governo do Distrito Federal, com Michel Teló à frente, cantando, supõe-se, “Ai se eu te pego”.

            Haverá, sim, constrangimento, pois na mesma praça do Museu Nacional em que haverá na noite de sábado o show musical, a partir das 10 horas da manhã vão se concentrar manifestantes convocados pelo Movimento Brasil Contra a Corrupção para empreender a 3ª Marcha Contra a Corrupção na Esplanada dos Ministérios. “Ai se eu te pego” bem poderá se transformar em uma excelente palavra de ordem da manifestação.

            O ambiente na capital federal é propício a esse hit da moda.

O STF se prepara para tentar julgar o processo do Mensalão. Mas várias coisas, manemolência do ministro revisor Ricardo Lewandowski, manobras políticas e argumentos jurídicos já rejeitados antes pelo Supremo – coisas que estão no noticiário – conspiram para evitar o julgamento ainda este ano (o que resultaria na prescrição de crimes imputados a numerosos réus) e para um eventual desdobramento do processo e o envio de muitos réus sem o foro privilegiado do STF a outra instância, o que retardaria os trâmites judiciais mais ainda.

Contribui para esse ambiente o arranca-rabo da CPI da Cachoeira. É que o PT, sob o decidido estímulo do ex-presidente Lula, entrou pressurosamente em campo para assegurar a criação da CPI mista de deputados e senadores, ávido para fornecer a Lula o instrumento de vingança contra o governador tucano de Goiás, Marconi Perillo. Este avisara Lula da existência do Mensalão e como o então presidente nada teria feito a respeito, Perillo o responsabilizou. A CPI também teria para muitos a grande vantagem de desviar a sociedade do foco no processo do Mensalão.

Acontece que a presidente Dilma Rousseff foi, segundo dá conta o noticiário, interrompida em sua laboriosa faxina ética pelo aviso de que, pela cachoeira da CPI, poderá escorregar espetacularmente o governo. Apesar da esmagadora maioria governista no Congresso Nacional, a CPI pode, sob forte pressão social, ficar fora de controle. E há muitos problemas, incluindo a Delta Construções S/A – considerada pela mídia como a empreiteira que mais atua no PAC. Até uma impressionante gravação, com a voz de seu dirigente maior explicando como é fácil corromper políticos, acaba de ter seu áudio divulgado.

A partir de coisas assim, a presidente Dilma conversou com o presidente Lula na sexta-feira e o tema teria sido abordado. No PT e no governo já se fala que o ex-presidente teria se precipitado. E nesse ponto é que entra o líder do partido no Senado, o baiano Walter Pinheiro, sugerindo que se o STF – ao qual novo pedido será feito – enviar ao Conselho de Ética do Senado documentos que demonstrem que a Polícia Federal já fez o que a CPI faria, a CPI pode ser posta no lixo: “Se mandarem os documentos, e avaliarmos que o que a CPI vai apurar é o que está apurado, aí podemos rediscutir a CPI. Mas confesso que é difícil segurar agora. Podem dizer que é golpe”.

O senador adverte muito apropriadamente. Podem dizer, sim. Porque é golpe mesmo. E dos mais vergonhosos.

Estando as coisas como estão, Brasília não vai fazer uma festa de aniversário, mas um velório de aniversário.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.