Segunda, 14 de fevereiro de 2011
Por Ivan de Carvalho
É notório que a quase despercebida queda do regime autoritário da Tunísia ante protestos populares detonou as manifestações bem maiores, demoradas e intensas que, no Egito, derrubaram o autoritarismo de 30 anos de Hosni Mubarak.
Mas antes dele estiveram no poder o regime autoritário de Anwar El-Sadat, benfeitor da humanidade por ter compreendido a importância de um acordo de paz com Israel e criado as condições para que a Jordânia também fizesse o seu.
Mas antes de Sadat estivera no poder o tresloucado visionário e autoritário Gamal Abdel Nasser, que fundou uma tal de República Árabe Unida – ente que em seus delírios políticos de grandeza deveria reunir alguns países árabes e que ficou restrita mesmo ao Egito.
Sadat deflagrara uma guerra, em 1973, para recuperar perdas e ganhar apoio popular e moral que lhe desse condições de fazer a paz sem humilhações, o que concretizou em 1979.
Gamal Abdel Nasser, com um bloqueio ao Golfo de Akaba, essencial para Israel, dera partida, em 1967, à guerra que humilhou o Egito e deu a Israel a oportunidade de ocupar o deserto do Sinai, a margem oriental do Canal de Suez (o que levou à interrupção, imposta pelo Egito, da importante ligação marítima), a Cisjordânia (as bíblicas Judéia e Samaria), anexar Jerusalém e, temporariamente, a própria Cisjordânia, e ocupar da Síria as Colinas de Golan. Nasser, com sua autoritária fúria anti-hebraica, configurou o problema que o mundo não está conseguindo resolver. E, eu aposto, não resolverá naturalmente.
O leitor poderá ir recuando ao passado e alcançará o tempo dos faraós sem encontrar pelo caminho um só momento em que o Egito haja desfrutado de um momento democrático. Antes das pirâmides, no entanto, não sei e, se alguém sabe, não conta.
Mas tem a mídia dado conta de preocupações em vários países árabes com embrionários protestos ou simplesmente com a hipótese de surgirem protestos contra os governos autoritários das nações árabes. Todas elas têm governos autoritários. Também algumas nações muçulmanas não árabes que vivem sob ditaduras (todas vivem nessas condições, salvo a Turquia e, concedamos, o Paquistão) têm dado sinais de preocupação.
Mas não é isso que mais me chama a atenção e sim os cuidados e não-me-toques de nações totalitárias ditas comunistas com a informação que chega (ou que impedem chegar) a seus cidadãos, desculpem, escravos, sobre os acontecimentos no Egito. Até que dá para dizer que desta vez, apesar dos filmes em contrário, as múmias é que estão assustadas. E avaliam que já não são elas o veículo da maldição, mas a Internet.
Parecem temer alguma espécie de cotejo, de comparação, de identificação entre o regime egípcio e seus regimes e principalmente entre o que aconteceu no Egito e o que eventualmente poderia acontecer nesses países trementes à idéia de liberdade. Temendo que se estabelecesse na cabeça dos chineses um paralelismo entre a Praça Tahrir e a Praça da Paz Celestial, o regime chinês tirou a palavra Egito da rede mundial de computadores. Até dois dias atrás (não sei como está hoje), o internauta que buscava a palavra Egito deparava com uma resposta padrão a sua pesquisa: “Não será mostrado”.
Já em Cuba, a televisão estatal (não há outra) anunciou com uma extraordinária economia de tempo e de palavras – com as quais Fidel Castro foi tão perdulário – o fim do regime de 30 anos de Mubarak. Parecia haver pressa para passar ao assunto seguinte.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna de Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.