Sexta, 18 de fevereiro de 2011
Por Ivan de Carvalho
Uma coisa estranha, esquisita. Para ser mais franco, uma pouca vergonha. Ou nenhuma vergonha. Foi isso, exatamente, que alguns deputados, palhaços improvisados, supondo que o plenário da Câmara fosse algum picadeiro, insistiram em fazer na quarta-feira com Tiririca, o palhaço verdadeiro, eleito por São Paulo com 1,2 milhão de votos, o deputado mais votado do Brasil, em números absolutos, embora não percentualmente, de vez que concorreu às eleições no Estado de São Paulo, de longe o maior colégio eleitoral do país.
A questão é que o deputado Francisco Everardo Oliveira, do PR, artisticamente conhecido como Tiririca, votou a favor do salário mínimo de R$ 600,00. Um escândalo político, principalmente para os que, tendo durante toda sua vida pública defendido salário mínimo em alturas orbitais, conformaram-se, na quarta-feira, a votar, obedientes à voz de comando da presidente Dilma Rousseff, o raquítico reajuste do mínimo para R$ 145,00.
Para especial vexame, o partido de Tiririca é o PR e o PR está na base de apoio do governo e, como os demais partidos da base (com a única exceção do PDT), orientou seus parlamentares a votarem pelo mínimo mínimo.
O PDT liberou sua bancada de 27 deputados para que votasse como quisesse, sabendo que ela se dividiria mais ou menos ao meio, de modo que uma parte mostraria o compromisso do partido com os assalariados e a outra parte mostraria ao governo que o ministro Carlos Lupi, principal liderança do partido e seu presidente de fato, tem utilidade suficiente para permanecer no cargo.
Mas, voltando a Tiririca, o republicano, governista, quando ele marcou seu voto a favor do salário mínimo de R$ 600,00 (nas circunstâncias, o mínimo máximo, proposto pelo PSDB, coerente com o que prometera na campanha eleitoral e com apoio de outras legendas de oposição), houve um corre-corre. De deputados, cercando-o, inclusive para sugerir-lhe falsas explicações e para não deixá-lo à mercê da curiosidade da imprensa. Se necessário, se a imprensa conseguisse acesso, os parlamentares participantes do sítio a Tiririca cuidariam de falar à imprensa em lugar dele.
Isso foi tentado e teria se consumado se os jornalistas fossem palhaços. Mas não eram, como mostrou que não é, quando não quer, o próprio palhaço Tiririca. Finda a sessão, um grupo de deputados e assessores cercou Tiririca. Um deles disse: “Votar errado é normal. Eu mesmo já votei errado uma dez vezes”. Uma dica esperta para explicações que acabariam se tornando inevitáveis. O grupo, na conversa, deixava clara sua preocupação de evitar que Tiririca falasse com jornalistas.
Uma repórter conseguiu aproximar-se do palhaço profissional e lhe perguntou se ele havia ficado nervoso na hora da votação (o que poderia até justificar votar errado). Mas Tiririca foi firme: “Cá para nós (além de toda a torcida do Flamengo, do Corinthians, do Bahia e do restinho do povo) eu votei com o povo. Eu vim de onde? Quem me colocou aqui? Eu não estou aqui por acaso”, afirmou. Quando a imprensa lhe perguntou sobre a versão do seu partido, de que teria votado errado, Tiririca não fugiu da raia: “Como eu fui o parlamentar mais votado é natural essa preocupação do partido”.
Os deputados e assessores que o sitiavam ficaram com cara de palhaço. Não havia como não ficar. Amadores, é verdade, mas palhaços.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.