Sexta, 6 de abril de 2011
Por Ivan de Carvalho

O
Dalai Lama é o chefe espiritual do budismo tibetano e também governava o Tibet
até que, forçado pela invasão e ocupação de seu país pela China comunista, que
colocou sua vida perigosamente em risco, deixou o país clandestinamente em
1959, à frente de uma grande caravana de tibetanos, asilando-se na Índia. Mas
viaja pelo mundo, já veio ao Brasil e ontem estava na Califórnia, Estados
Unidos. Tenzin Gyatso, atualmente com 75 anos, é a 14ª encarnação do bodhysatva
da Compaixão. Deu uma declaração que a muitos – inclusive a mim – terá parecido
inesperada.
Eis
a declaração, respondendo a uma pergunta sobre a morte do líder da organização
terrorista Al-Qaeda: “Como ser humano, Bin Laden pode ter merecido compaixão e
inclusive o perdão por seus atos. Perdoar não significa esquecer o que
aconteceu. Caso se trate de algo sério e for necessário tomar medidas, deve-se
então tomar estas medidas”, disse.
Não
tenho a presunção de analisar nem avaliar as palavras do Dalai Lama. Se o leitor
quiser arriscar, que o faça.
2.
Mas ontem foi um dia de declarações inesperadas. Se é difícil, ou pelo menos a
mim parece, alcançar a profundidade do que disse o Dalai Lama, levando em conta
sua responsabilidade e seu estágio de evolução espiritual, não é tão complicado
entender o espantoso trançado declaratório do presidente do Senado e do
Congresso Nacional o senador José Sarney, ex-presidente da República.
Observe
o leitor com atenção o que ele disse ontem, em seminário do PMDB realizado para
discutir estratégias de comunicação política. Ele ensinou que a mídia
enfraquece os poderes dos partidos políticos no Brasil (foi isso mesmo, pode
acreditar, os repórteres registraram com clareza e exatidão). Por causa dessa
maldade da mídia, os partidos, segundo Sarney, precisam criar mecanismos para
que não percam sua “legitimidade” diante da atuação da imprensa.
Houvesse
ele dito somente o que se acaba de relatar, até que se poderia, pedindo
emprestada um pouco da compaixão do Dalai Lama, atribuir tudo a problemas de
sua avançada idade e dar o caso por encerrado, sem maiores considerações. Mas
não. O presidente do Senado resolveu falar mais coisas. E que coisas. Leiam, é
textual:
“O
Congresso depois de um mês, dois, três, começa a ser contestado. Os deputados
não sabem porque foram eleitos e o eleitor não sabe mais que elegeu o deputado.
A partir daí, a mídia e seus instrumentos entram e dizem: não, nós passamos a
representar o povo. Esse é o grande desafio do mundo atual, da classe
política”.
Ora,
o presidente do Congresso diz que com três meses de mandato os deputados
esquecem as razões pelas quais foram eleitos e assim, claro, embora implícito,
os compromissos que assumiram e que levaram os eleitores a votarem neles. E o
eleitor, que já anda muito aborrecido e enjoado com a política e os políticos,
já “não sabe mais que elegeu o deputado”, até porque o deputado o esquece ou
abandona. Muitos esquecem realmente em quem votaram para deputado, às vezes até
mesmo para senador, este é um fenômeno comum. Outros são atingidos por uma
espécie de amnésia que elimina o fato de que foram eles que elegeram os
deputados e senadores, razão porque passam a “não estar nem aí” para eles.
A
natureza detesta o vazio. E é aí nesse vazio, senador, que a mídia entra. Ao
invés de “criar estratégias”, como quer Sarney, os congressistas melhor farão
se cumprirem seus deveres e compromissos com o povo, representando-o e
defendendo-lhes os interesses, não outros interesses.
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Este artigo foi publicado
originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista
baiano.