Sábado, 23 de julho
Ivan
de Carvalho

Luiz Inácio Lula da Silva,
talvez por formação familiar ou seja lá por quais outros fatores, era uma alma
cristã (tomara que ainda seja). Na campanha presidencial de 1989, no esforço
final para definir quem, se ele ou Brizola, passava para o segundo turno para
disputar com Fernando Collor a sucessão de José Sarney na Presidência da
República, Lula fez incursão ao interior da Bahia, de Vitória da Conquista a
Juazeiro.
Já em Conquista, as
unidades eclesiais colavam na campanha e por ela davam tudo que podiam. Em
Juazeiro, Lula hospedou-se na casa episcopal do bispo Dom José Rodrigues. E
como chegara com uma camisa emporcalhada por suor, sal e poeira, dali partiu na
hora própria com uma camisa que com espírito cristão lhe deu o bravo bispo,
hoje em aposentadoria eclesiástica.
Corta para o presente. O ex-presidente Lula, na quinta-feira,
nesta cidade do Senhor do Bonfim, ante cerca de mil pessoas que lotavam o
auditório de convenções de luxuoso hotel de Salvador, qualificou de “bobagem” uma
parte do que diz Jesus no Novo Testamento da Bíblia, a parte desse livro mais
diretamente relacionada com Ele. A parte do Antigo Testamento é, na minha
percepção, digamos, preparatória.
A platéia, de variada composição, incluindo
muitos políticos, mas na qual predominavam pequenos agricultores, caprichou nos
aplausos quando o mais popular presidente da República do Brasil (sem contar
Getúlio Vargas, que foi muito popular, mas de sua popularidade não foram feitas
pesquisas científicas) disse, entre outras coisas, referindo-se ao que está nos
Evangelhos, segundo sua interpretação, que “inventaram que os pobres vai (sic)
ganhar o reino dos céus”, completando, ao tempo em que implicitamente
incluía-se entre os pobres: “Nós queremos ganhar o Reino agora, aqui na Terra.
Prá nós inventaram um slogan que tudo está no futuro – é mais fácil um camelo passar
no fundo de uma agulha do que um rico ir pro Céu”.
Já recebera de presente uma garrafa de cachaça e
outros produtos de cooperativas e foi em frente o nosso ex-presidente na sua
teologia peculiar. Falou dos ricos e dos pobres: “O rico já está no Céu, aqui.
Porque um cara que levanta de manhã todo dia, come do bom e do melhor, viaja
para onde quer, janta do bom e do melhor, passeia, esse já está no Céu. Agora o
coitado que levanta de manhã, de sol a sol, no cabo de uma enxada, não tem uma
maquininha para trabalhar, tem que cavar cada covinha, colocar lá e pisar com
pé, depois não tem água para irrigar, quando ele colhe não tem preço. Esse vai
pro Inferno”, teosofou, fazendo quase desabar de aplausos o auditório.
Não, não vou criticar o novo e festejado teólogo
brasileiro. “Não julgueis para não serdes julgados”, “Com a mesma medida que
medirdes, sereis vós também medidos”. Vou apenas tentar clarificar o que está
no Evangelho do Reino, sobre ricos e pobres.
Um jovem muito rico aproximou-se de Jesus e perguntou-lhe
o que devia fazer para entrar no reino dos céus. “Cumpre os mandamentos”,
respondeu-lhe Jesus. “Mas isto eu já faço”, retorquiu o moço. E Jesus: “Se
queres mesmo entrar no Reino dos Céus, vai, vende tudo o que tens, dá o
dinheiro aos pobres e segue-me”. Relutante, creio, o homem rico foi embora. E
Jesus concluiu, dirigindo-se a seus discípulos: “Não se pode servir a dois
senhores” – Deus e o dinheiro. Ama-se a um deles. É uma questão de prioridade.
O que é posto como secundário não é amado.
Há um outro registro evangélico. Jesus declara:
“Não acumuleis tesouros na terra, onde os ladrões roubam (e, no Brasil, como
roubam!!!) e as traças roem. Acumuleis tesouros nos céus, onde os ladrões não
roubam nem as traças roem”. Também comentou: “É mais fácil um camelo (não o
bicho, mas corda grossa, de amarrar barcos ao cais) passar pelo fundo de uma
agulha do que um rico entrar no reino dos céus.
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Este artigo foi publicado originalmente na
Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano
Ivan de Carvalho é jornalista baiano