Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 23 de julho de 2011

Lula enuncia sua teologia


Sábado, 23 de julho 
Ivan de Carvalho
Peço a atenção dos meus escassos leitores para o que pode se tornar um fato histórico. Para Lula, a Bíblia inventou bobagem sobre ricos e pobres.

            Luiz Inácio Lula da Silva, talvez por formação familiar ou seja lá por quais outros fatores, era uma alma cristã (tomara que ainda seja). Na campanha presidencial de 1989, no esforço final para definir quem, se ele ou Brizola, passava para o segundo turno para disputar com Fernando Collor a sucessão de José Sarney na Presidência da República, Lula fez incursão ao interior da Bahia, de Vitória da Conquista a Juazeiro.

            Já em Conquista, as unidades eclesiais colavam na campanha e por ela davam tudo que podiam. Em Juazeiro, Lula hospedou-se na casa episcopal do bispo Dom José Rodrigues. E como chegara com uma camisa emporcalhada por suor, sal e poeira, dali partiu na hora própria com uma camisa que com espírito cristão lhe deu o bravo bispo, hoje em aposentadoria eclesiástica.

Corta para o presente. O ex-presidente Lula, na quinta-feira, nesta cidade do Senhor do Bonfim, ante cerca de mil pessoas que lotavam o auditório de convenções de luxuoso hotel de Salvador, qualificou de “bobagem” uma parte do que diz Jesus no Novo Testamento da Bíblia, a parte desse livro mais diretamente relacionada com Ele. A parte do Antigo Testamento é, na minha percepção, digamos, preparatória.

A platéia, de variada composição, incluindo muitos políticos, mas na qual predominavam pequenos agricultores, caprichou nos aplausos quando o mais popular presidente da República do Brasil (sem contar Getúlio Vargas, que foi muito popular, mas de sua popularidade não foram feitas pesquisas científicas) disse, entre outras coisas, referindo-se ao que está nos Evangelhos, segundo sua interpretação, que “inventaram que os pobres vai (sic) ganhar o reino dos céus”, completando, ao tempo em que implicitamente incluía-se entre os pobres: “Nós queremos ganhar o Reino agora, aqui na Terra. Prá nós inventaram um slogan que tudo está no futuro – é mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha do que um rico ir pro Céu”.

Já recebera de presente uma garrafa de cachaça e outros produtos de cooperativas e foi em frente o nosso ex-presidente na sua teologia peculiar. Falou dos ricos e dos pobres: “O rico já está no Céu, aqui. Porque um cara que levanta de manhã todo dia, come do bom e do melhor, viaja para onde quer, janta do bom e do melhor, passeia, esse já está no Céu. Agora o coitado que levanta de manhã, de sol a sol, no cabo de uma enxada, não tem uma maquininha para trabalhar, tem que cavar cada covinha, colocar lá e pisar com pé, depois não tem água para irrigar, quando ele colhe não tem preço. Esse vai pro Inferno”, teosofou, fazendo quase desabar de aplausos o auditório.

Não, não vou criticar o novo e festejado teólogo brasileiro. “Não julgueis para não serdes julgados”, “Com a mesma medida que medirdes, sereis vós também medidos”. Vou apenas tentar clarificar o que está no Evangelho do Reino, sobre ricos e pobres.

Um jovem muito rico aproximou-se de Jesus e perguntou-lhe o que devia fazer para entrar no reino dos céus. “Cumpre os mandamentos”, respondeu-lhe Jesus. “Mas isto eu já faço”, retorquiu o moço. E Jesus: “Se queres mesmo entrar no Reino dos Céus, vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e segue-me”. Relutante, creio, o homem rico foi embora. E Jesus concluiu, dirigindo-se a seus discípulos: “Não se pode servir a dois senhores” – Deus e o dinheiro. Ama-se a um deles. É uma questão de prioridade. O que é posto como secundário não é amado.

Há um outro registro evangélico. Jesus declara: “Não acumuleis tesouros na terra, onde os ladrões roubam (e, no Brasil, como roubam!!!) e as traças roem. Acumuleis tesouros nos céus, onde os ladrões não roubam nem as traças roem”. Também comentou: “É mais fácil um camelo (não o bicho, mas corda grossa, de amarrar barcos ao cais) passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano