Terça, 26 de julho de 2011
Por
Ivan de Carvalho
Para quebrar a monotonia das denúncias e escândalos
que vêm explodindo no Executivo nas últimas semanas, com tanta ou maior
freqüência que os bueiros da Light no Rio de Janeiro, desta vez a coisa feita
desloca-se para o Senador Federal.
Ali, o Sindicato dos Jornalistas do
Distrito Federal representou junto ao presidente do Senado, José Sarney, contra
o senador Roberto Requião, do PMDB, também do PMDB, devido ao seu comportamento
em relação ao jornalista Victor Boyadjian, da Rádio Bandeirantes.
O sindicato pediu que o Senado aplicasse, por falta de decoro
parlamentar, advertência e censura pública ao ex-governador do Paraná, deixando
de pedir, porém, a pena mais grave pela falta de decoro, que é a cassação do
mandato.
A decisão de Sarney, baseada em parecer da Advocacia do
Senado e sem levar o caso ao Conselho de Ética, foi tomada em 18 de maio, com o
arquivamento e conseqüente extinção do processo, mas o Senado não divulgou
oficialmente sua decisão nem a comunicou ao sindicato nem ao jornalista Victor
Boyadjian. Os três advogados que assinam o parecer dizem que a representação
não atende aos requisitos previstos para a punição do senador.
Um desses requisitos seria o de que a representação foi feita
ao presidente da Casa e Sarney, que não tem poderes para aplicar as punições,
“antes do devido processo legal”. De fato, não tem. Mas tem para encaminhar a
representação ao corregedor ou ao Conselho de Ética. E não fez isto, preferiu
acabar tudo com sua decisão monocrática, exclusiva. O sindicato afirma que
poderá recorrer, mas antecipa sua descrença, considerando que a decisão de
Sarney foi apenas política.
Mas não foi apenas política. Foi também perigosa, ato
anti-democrático a sujar, lambuzar a biografia de quem cultiva uma imagem
aparente e geralmente aceita de democrata convicto. Mas sobretudo ato a ameaçar
o exercício do jornalismo e, portanto, da liberdade de imprensa e de expressão.
Uma auto-punição infernal para quem, como presidente da República, tão bem se
comportou na chamada “transição democrática” de um país que acabara de sair da
ditadura. Agora, depois de velho...
Bem, para lembrar. O repórter perguntou ao senador Requião
sobre a sua aposentadoria de R$ 24 mil de ex-governador do Paraná, revogada
pelo governador Beto Richa e que não foi suspensa porque Requião recorreu.
Requião mesmo contou parte de sua reação no Twitter: “Acabei de ficar com o
gravador de um provocador (?!) engraçadinho. Numa boa, vou deletá-lo”. Embora a
Advocacia do Senado, em seu parecer, afirme que a representação do sindicato
não apresenta provas, elas estão no twitter do senador Requião. Áudio divulgado
no site de Requião permite ouvir sua voz, no final da gravação, perguntando
(ameaçando) ao repórter: “Você quer apanhar, rapaz?”.
Ora, no Conselho de Ética, onde Sarney deveria ter feito
chegar a representação, as provas da acusação ficariam, curiosamente, a cargo
do acusado. O que ele escreveu, agressivamente (engraçadinho) em seu twitter e
o gravador e gravação roubados (roubo: apropriar-se de coisa alheia mediante
uso de violência, já que o repórter não lhe iria entregar espontaneamente o
gravador).
Mas nada disso, sustenta a Advocacia do Senado, quebra o
decoro parlamentar. O caso foi tão grave que dispensaria qualquer representação
externa – do sindicato, do jornalista. O próprio Senado, em defesa de seu bom
nome, se o tem, deveria ter tomado a iniciativa sem vacilar. Daí a futilidade
de alguns argumentos formalistas constantes do parecer da Advocacia do Senado,
cabíveis em outras circunstâncias, mas não numa questão em que a punição leve
(advertência e censura pública) ao senador eram o menos importante e a
liberdade de informação e de expressão – além do direito de propriedade – eram
os direitos e garantias maiores a serem preservados.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia
desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.