Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 27 de julho de 2012

O Procon e o consumidor

Sexta, 27 de julho de 2012
Por Ivan de Carvalho
O assunto já foi objeto de comentários, mas continua merecendo-os, já que se trata de uma questão extremamente sensível – a defesa dos consumidores, tanto caso a caso quanto na tarefa de fiscalizar o setor empresarial de modo que cumpra as leis no tocante aos direitos do consumidor. Refiro-me à exoneração da superintendente do Procon, Cristiana Santos. Ela ocupou durante cinco anos o cargo para o qual foi nomeada pelo governador Jaques Wagner.

            Quando Marília Muricy foi convidada, com “carta branca” do governador, para a Secretaria da Justiça e Direitos Humanos, ela convidou Cristiana Santos para superintendente do Procon, órgão vinculado à secretaria. O convite foi aceito. A escolha teve caráter técnico, tendo em vista a capacitação profissional de Cristiana Santos. O acerto na escolha foi comprovado pelo reconhecidamente bom trabalho que Cristiana Santos vinha realizando no Procon. Sorte do consumidor: o competente e sério antecessor Archimedes Franco, que dirigira o órgão durante anos, também fizera bom trabalho.

Incidia sobre a escolha de Cristiana Santos – sem ser sua causa – o fato ela ser filha do ex-governador Roberto Santos. O PSDB, partido de Roberto Santos, participara da coligação pela qual Jaques Wagner obteve o seu primeiro mandato de governador e, na época da nomeação de Cristiana Santos, integrava a base partidária do governo Wagner. Mais tarde, o PSDB se afastaria de Wagner e integraria, em 2010, coligação oposicionista em torno da candidatura de Paulo Souto a governador.

Na fase final da campanha eleitoral de 2010, no entanto, o ex-governador Roberto Santos tornou público, por intermédio de artigo publicado em um jornal local, seu apoio à reeleição de Wagner e explicitou detalhadamente as razões pelas quais votaria nele. Isso nada tinha a ver com o fato de a filha ser superintendente do Procon (basta ler o artigo dele para entender), até porque Roberto nunca sugerira ao governador Wagner que a nomeasse para cargo algum.

Quando o secretário Almiro Sena assumiu a Secretaria da Justiça, o PRB, partido do novo secretário, fez movimentos nos bastidores para mudar o comando do Procon, pois ansiava por colocar na chefia deste órgão um representante seu. Não conseguiu. Esbarrou – e em boa hora – no governador Wagner. Fala-se nos bastidores (a confirmar) que ele teria comentado que a superintendente do Procon era de sua cota pessoal.

 Mas agora estamos em fase eleitoral. O PRB, que sustenta a candidatura eleitoralmente inviável do deputado bispo Márcio Marinho, concorrente do candidato petista Nelson Pelegrino – como dos demais candidatos a prefeito –, mantém Almiro Sena no comando da Secretaria da Justiça. Mas, surpreendentemente, o PRB (que é o braço político da Igreja Universal do Reino de Deus, à qual é vinculada a Rede Record de Televisão) voltou à carga no esforço para comandar o Procon. E desta vez com a força suficiente.

Há uma suposição a ser examinada cuidadosamente e uma advertência a ser feita. A suposição é a de que, se o PRB adquire força junto ao governo para ganhar o Procon exatamente quando lança um candidato a prefeito concorrente do candidato do PT e da preferência do governador, há boa base para a tese, que prospera nos bastidores políticos, de que a candidatura do PRB funciona como linha auxiliar da outra.

A advertência é de natureza mais grave: não convém à defesa dos consumidores que a superintendência do órgão responsável por essa defesa seja entregue a um partido com ligação, via IURD, a uma rede de televisão que tem anunciantes que produzem e vendem produtos e serviços aos consumidores. Claro que a Record é formalmente do bispo Edir Macedo, líder da IURD, e não desta igreja. Mas que diferença faz isso, na prática?
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.