Terça, 11 de setembro de 2012
Resolução do CNMP regulamenta Lei Complementar 75/1993 e estabelece
procedimentos investigatórios de controle externo da atividade policial
A Procuradoria Geral da República apresentou parecer pelo não
conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.220)
proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no
Supremo Tribunal Federal (STF). A ação discute o poder de investigação
do Ministério Público (MP) e o controle externo da atividade policial
exercido pelos órgãos ministeriais, regulamentados pela Resolução nº
20/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
A norma impugnada regulamenta a Lei Complementar 75/1993 no que se
refere à fiscalização da polícia pelo MP e define os procedimentos
investigatórios para exercer a função legal. A OAB alega que a resolução
do CNMP extrapolou a competência regulamentar, assim como legislou
sobre matéria reservada à lei complementar. Para a requerente, a regra
viola os limites constitucionais da atuação do MP.
O parecer,
assinado pelo procurador-geral da República (PGR), Roberto Gurgel, e
pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, sustenta que a
ação não reúne condições processuais para ser conhecida. Sobre o mérito
da causa, o Ministério Público Federal (MPF) opina pela procedência
parcial do pedido, em relação à inconstitucionalidade da fiscalização
específica da polícia legislativa.
Impossibilidade jurídica do pedido –
Para o MPF, o pedido não merece ser sequer conhecido, pois a resolução
impugnada tem caráter infralegal. De acordo com a Constituição Federal
(CF), é função institucional do MP “exercer o controle externo da
atividade policial, na forma da lei complementar” (art. 129, VII). A Lei
Complementar 75/1993 cumpre o dispositivo constitucional e detalha as
medidas judiciais e extrajudiciais disponíveis para o MP exercer a
fiscalização (arts. 3º, 9º, 10, 38, IV). A Resolução nº 20/2007 apenas
regulamenta a Lei Complementar 75/1993, conforme relatado no parecer.
“A
firme orientação do Supremo Tribunal Federal é de que a ação direta de
inconstitucionalidade não presta ao exame de norma de caráter
secundário, que possa implicar, eventualmente, ofensa indireta ou
reflexa à Constituição da República”, constata a peça processual. Nesse
contexto, o MPF entende que “caberia ao requerente impugnar todo o
complexo normativo que envolve o controle externo da atividade policial
pelo Ministério Público, a englobar os dispositivos legais”.
Competência regulamentar do CNMP
– Na visão do MPF, a CF determina que cabe ao CNMP “o controle da
atuação administrativa e financeira do MP e do cumprimento dos deveres
funcionais de seus membros, podendo expedir, no âmbito dessa
competência, atos regulamentares (art. 130-A, §2º, I)”. De acordo com a
peça processual, “as normas contidas na referida resolução limitam-se a
disciplinar as atividades inerentes ao exercício do controle externo,
sem as quais faltarão ao MP instrumentos para a realização da missão que
a Constituição lhe incumbiu”.
O parecer recorda, ainda, que a
competência regulamentar do conselho já foi reconhecida pelo STF, ao se
pronunciar sobre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de natureza
equiparada ao CNMP. “A constitucionalidade, tanto do órgão, quanto das
atribuições que lhe foram conferidas, pode ser afirmada a partir do que
se decidiu na ADI 3.367”, lembra.
Constitucionalidade do poder de investigação
– No mérito da causa, o MPF assegura que constitui função institucional
realizar diretamente investigações criminais preliminares. O parecer
fundamenta, principalmente, com base em dois pressupostos.
O
primeiro argumento destaca que o inquérito policial não é o único
instrumento em que se formaliza a investigação criminal, tampouco há
previsão constitucional de monopólio da investigação pela polícia.
Conforme assinala a peça processual, a comissão parlamentar de inquérito
(CPI) é um exemplo de investigação por outra instituição que não seja a
polícia. Além disso, o parecer realça que o inquérito policial não é
obrigatório. “A instauração de inquérito policial não é imprescindível à
propositura da ação penal pública, podendo o Ministério Público
valer-se de outros elementos de prova para formar sua convicção”, cita
precedente do STF.
“Se é possível ao MP iniciar a ação penal sem o
inquérito policial, valendo-se de outros elementos de convicção, é
legítima a colheita destes por outros instrumentos e outros órgãos que
não o inquérito e a Polícia. Diferente fosse, de onde surgiriam esses
outros elementos de convicção?”, analisa o MPF.
A segunda questão
abordada pelo parecer diz respeito à interpretação da atribuição
constitucional do Ministério Público de “expedir notificações nos
procedimentos administrativos de sua competência, requisitando
informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar
respectiva”. Segundo o MPF, “a investigação criminal levada a cabo pelo
MP formaliza-se em procedimento administrativo e conta com previsão na
LC 75/1993”.
O MPF argumenta, ainda, que não só há o direito de
investigar, mas, acima de tudo, existe uma obrigação institucional. É
imperativa a atuação do Estado na proteção dos direitos fundamentais, no
entendimento do parecer. “O dever de investigar é consequência lógica
do dever de proteção”, garante o documento. O MPF conclui que “a
efetivação dos direitos humanos exige uma atuação positiva do Estado de
investigar pronta, completa e imparcialmente os fatos que atentem contra
as liberdades individuais”.
A matéria ainda se encontra em
análise no plenário do STF. Porém, o MPF evidencia que já há julgados
precedentes e posições formadas a favor do poder de investigação, como a
do ministro Joaquim Barbosa: “o que autoriza o Ministério Público a
investigar não é a natureza do ato punitivo que pode resultar em
investigação (sanção administrativa, cível ou penal), mas, sim, o fato a
ser apurado, incidente sobre bens jurídicos cuja proteção a
Constituição explicitamente confiou ao Ministério Público”.
Fiscalização da polícia legislativa
– Por fim, o parecer concorda que não compete ao Ministério Público o
controle externo da atividade da polícia do Poder Legislativo: “O pedido
é procedente nesse específico ponto”.
Na opinião do MPF, a
polícia legislativa “é uma figura que se aproxima conceitualmente da
polícia administrativa”. O parecer explica que o Poder Legislativo é a
casa do povo, por onde milhares de pessoas e grupos de pressão circulam.
“A polícia legislativa encontra sentido nesse contexto: de assegurar a
ordem e a segurança das casas legislativas”, esclarece. Assim, a polícia
legislativa não possui atribuições de polícia judiciária, que apura
infrações penais. Portanto, a peça processual conclui que não cabe ao MP
fiscalizar as funções do cargo legislativo, mas compete aos órgãos
ministeriais o controle externo apenas da atividade da polícia
judiciária.