Domingo, 2 de março de 2014
Nesta semana assistimos o caso de Vinícius Romão de Souza, o
ator preso por "engano" que deixou a Cadeia Pública Patrícia Acioli,
em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio depois de 16 dias de detenção. Fato
condenável, acontecido com qualquer cidadão ou cidadã, qualquer ser humano em
qualquer lugar do planeta. É certo que há mais desafios, como o genocídio da
população negra, tendo como principal executor o Estado brasileiro e suas
instituições. São peculiaridades assustadoras do caso brasileiro, que acometem
uma parcela específica de brasileiros, os de cor negra.
Estamos diante de mais uma vergonhosa demonstração, que se
une a manifestada pela realização dos rolezinhos no início do ano, no episódio
FIFA envolvendo casal de atores negros que foram descartados para a
apresentação do sorteio das chaves da Copa do Mundo. Sem contar os rapazes
alvejados em motos por terem um “tipo” ou “padrão” de “elemento suspeito”,
crianças acorrentadas a postes pela cidade em um triste espetáculo medieval, repaginado,
com justiceiros participando dos salões mais respeitáveis da sociedade carioca.
A institucionalização do racismo, que assegura sua
manutenção na realidade cotidiana e reafirma o discurso da democracia racial, e
cria uma forma de mascará-lo e confundir a opinião pública, em situações que
não deixam dúvida sobre atitudes racistas. Em São Paulo, a Defensoria Pública
enviou para o Ministério da Justiça, e está sendo analisado, um anteprojeto que
muda a forma de realização de procedimentos para reconhecimento de suspeitos de
crimes. Boa iniciativa.
Mas o problema não é o sofá da sala. Não adianta tirá-lo de
lá e deixar a raiz do mal continuar crescendo, ou melhor, ampliando seus domínios
e mantendo aquilo que nos destroem. Mais do que como nação, como seres humanos.
É um atraso quase espiritual coletivo. Uma pátria construída e mantida à custa
de sangue negro, que nunca parou de jorrar, como uma espécie de sacrifício
contínuo, do tipo feito por civilizações antigas, e que, se interrompido, nos
levaria a catástrofes inimagináveis.
A catástrofe já chegou e muita gente nem se deu conta. A
catástrofe está, por exemplo, no depoimento de uma criança de quatro anos, que
mora em um Borel ocupado militarmente, ao ver da janela da sua casa uma viatura
da polícia. O relato foi publicado no Facebook e replico aqui.
“Minha sobrinha, de 4 anos, se esconde quando vê uma viatura
passar na rua. Perguntei o porquê e me deparei com uma resposta acompanhada de
olhos esbugalhados gritando "medo”!: "-Porque a polícia mata,
titio!!" São apenas quatro anos! Impossível não dizer que isso é um
reflexo... Não me venha falando que os filhos da burguesia os têm como herói!
Porque será? O sistema tá montado! Enquanto os marginalizados, têm de se
esconder desde cedo!
Ao ator, nenhuma palavra pública sobre o acontecido, nenhuma
consternação, nenhuma nota da Presidência da República ou comoção midiática.
Finalizo meu artigo com a afirmação de Joaquim Nabuco. “Nós não somos um povo
exclusivamente branco, e não devemos, portanto, admitir essa maldição da cor;
pelo contrário, devemos fazer de tudo para esquecê-la”, eu acrescento, devemos
fazer de tudo para erradicá-la. E bendita seja a cor negra como a noite e
bendito seja todo o povo preto!
"A nossa luta é todo dia e toda hora. Favela é cidade.
Não à GENTRIFICAÇÃO ao RACISMO e à REMOÇÃO!"
*Representante da Rede de Instituições do Borel,
Coordenadora do Grupo Arteiras e aluna da Licenciatura em Ciências Sociais pela
UERJ.