Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 19 de março de 2014

A Polícia passa e fica a dor

Quarta, 19 de março de 2014
Do Jornal do Brasil 
Mônica Francisco*
Mônica Francisco
Polícia passa e fica a dor, frase real e dura do rap feito pelo Mc Raphael Calazans, morador do Complexo do Alemão e ativista social.É isso que os filhos e filhas de Cláudia estão experimentando em níveis elevadíssimos, porque sendo quem são e e morando onde moram, já conhecem bem esta dura realidade.
Em quem doeu o  suplício do corpo e a morte aviltada da mulher negra e pobre da favela, mais uma, do Rio de Janeiro?
Quem irá fazer reverberar de forma ininterrupta sua morte, o desamparo de seus filhos em todos os meios de comunicação?

Quando ouviremos o pronunciamento indignado, para além das redes sociais e de um solidarizar-se com vocês, de nossa governante mor, que como mulher falará com voz embargada e compungida sobre o destino da brasileira, assim como do cinegrafista, do menino João Hélio, da Isabella Nardoni, dos jovens da boate Kiss, vidas tão preciosas quanto,ou não?
Quem se mobilizará em campanha para ajuda humanitária à família?Porque pobre é assim, além dos seus, ainda cuida dos filhos de outros com tanto amor quanto o que dá aos seus próprios, e como se seus próprios fossem. A imagem do sobrinho debruçado sobre o humilde caixão mostra isso, que o amor era repartido de forma igual.
O que diremos como nação aos filhos e sobrinhos de Cláudia? Quem irá olhar por aquelas oito crianças? Vão se arrumar, tudo se arruma com o tempo de qualquer maneira. Mas como encarar aquela família. A jovem filha em entrevista que ao questionar os policiais sobre o porque de a terem matado, recebeu risos, deboches e empurrões em troca,além da afirmação de que se tratava de bandida e se fosse eles não estariam em maus lençóis, sabemos disso.
Como explicar o olhar de ódio e desprezo dispensados todos os dias aos moradores e moradoras da favela. Quem vais responder o porque mataram Cláudia?
Como parar a polícia militar e sua sanha assassina e cruel, direcionada aos pobres e negros(as)? Quem vai parar esta máquina de produzir morte e dor, essa feitoria eficaz que promove a limpeza étnica de forma tão atroz e em números tão alarmantes?
O caso é de apelação para as Cortes Internacionais, porque as nossas instituições e nossa sociedade já naturalizaram o processo. Um país inteiro chora e se indigna com mortes de brancos e brancas. Caçam aqueles que produzem a morte daqueles que são o sonho de padrão étnico da nação brasileira que se nega como mestiço, como preto e tenta diuturnamente apagar ainda que de forma literal a presença do corpo negro.
Lilian Thuram, ex zagueiro francês achou que acharia o paraíso da convivência mestiça, e encontrou uma sociedade, tal qual Abdias do Nascimento afirmou, que, não apresenta um racismo legalizado como o da África do Sul da época do Apartheid e nem tão óbvio como nos Estados Unidos, mas com uma força institucional que traduz-se na tragédia do genocídio da população negra no Brasil, e constatada por um assustado Thuram.
Nosso tecido social necrosado pela moléstia do racismo em seus sistemas econômicos, sociais e psicológicos como diria Abdias. 
E assim, o nosso racismo singular, produziu mais uma tragédia e produzirá mais e aos montes. Os nossos juízes são insensíveis aos casos de racismo e a sociedade anestesiada para a dor do negro. Fossem as crianças todas loiras, brancas e de olhos claros, ganhariam as lágrimas das apresentadoras dos programas matutinos.
Mas o olhar de dor daquela jovem negra, de indumentária simples e favelada, falando da sua tragédia particular, mas que é de todos nós, não comove ninguém, ou melhor não comove o sistema racista e assassino, encastelado nas instituições centenárias deste país.
Nãos são só estes policiais, que serão expulsos, punidos de alguma forma.Não são eles, é a sociedade brasileira. A polícia está fora de controle, porque seus donos estão fora de controle também. Não dá, vão esperar o que para frear este monstro? O que mais será necessário para nossa sociedade encarar o genocídio da população negra nas favelas, hospitais, presídios , manicômios e reformatórios?
Violações são acrescentadas às nossas experiências diárias e naturalizadas pela cor e local de moradia. Mas estamos reagindo.Por nós, pela família da Cláudia, do Amarildo, do Tiago, do Carlos, do Mateus , do Alielson, dos mortos da chacina do PAN no Alemão, da Copa das Confederações  na Maré, na Bahia, no Recife, cada preto ou preta que cai, nós perdemos um pouco, vamos perdendo humanidade, vida, vergonha, alegria e tudo mais.
Aproveito este espaço tão importante para nós favelados e agrego ao meu artigo o link do Manifesto construído por moradores e articulado por instituições do Complexo do Alemão, em especial a ONG Raízes em Movimento e assinada por diversas outras instituições do Estado, contra a opressão oficializada pelo Estado e  a criminalização dos moradores e moradoras das favelas, juntamente com setores da mídia, promovendo também um linchamento moral destes.
Abaixo o link citado:
"A nossa luta é todo dia e toda hora. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO ao RACISMO e à REMOÇÃO!"
*Mônica Francisco é representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e aluna da Licenciatura em Ciências Sociais pela UERJ.