Sábado, 1º de março de 2014
Cristovam Buarque
Senador do PDT/DF
Fonte: Tribuna da Internet
Em 1964, para “defender as liberdades”, os comandantes militares,
aliados a parlamentares, destituíram o presidente eleito. Cinquenta anos
depois, um governo eleito, aliado a parlamentares, propõe regras para
inibir manifestações de rua sob o argumento de “defender o direito de
manifestação”. Para isso, propõe – via Projeto de Lei 499 – regras que
criminalizarão atos cometidos nas manifestações.
Uma violência durante manifestação poderá ter penalidade maior do que
o mesmo crime cometido fora de manifestação. Um assassino frio que mata
uma das 50 mil vítimas por ano nas esquinas de nossas cidades será
julgado como assassino, mas se a morte decorrer de ações de tumulto
durante uma manifestação o autor poderá ser julgado como terrorista.
Um jovem que mobiliza seus amigos para um “rolezinho” poderá ser
considerado terrorista se, durante a manifestação, ocorrer provocação
que termine em balbúrdia com depredação de patrimônio. A mesma coisa
acontecerá com um passageiro irritado com o péssimo serviço de ônibus
que der um grito de raiva. Tudo vai depender da interpretação do sistema
policial e judiciário.
MANEIRA AMBÍGUA
Os defensores dessas propostas dizem que já
esperaram demais por uma lei antiterrorista, mas não explicam por que
fazê-la neste momento nem por que de maneira tão ambígua. Tudo indica
que a pressa decorre do clima de mobilização social que o país
atravessa. Em vez de entenderem o motivo da insatisfação popular,
preferem inibir as manifestações com ameaças de severas penas contra
terroristas. Encontraram uma maneira moderna de proibir, de inibir as
manifestações.
A proposta é reafirmada graças à hipótese de que o vandalismo teria
sido financiado, esquecendo que, no descontentamento atual, não é
necessário pagar para que a população deprede ônibus que não lhe atende.
Nas paradas de ônibus, bastam uns gritos para deslanchar movimentos que
quase espontaneamente se fazem violentos e poderão condenar pessoas por
terrorismo.
PÓS-ESGOTAMENTO
A sociedade brasileira atravessa uma grave tensão que não é pré-Copa
ou pré-eleição, é pós-esgotamento de um modelo social e econômico que
ficou velho após 20 anos, com democracia, necessária, mas imperfeita;
com o eficiente mas insuficiente Plano Real; com a generosa, mas não
emancipadora, Bolsa Família.
O necessário rigor contra o vandalismo exige a aplicação das leis
vigentes. A incompetência para impedir os crimes de vândalos não deve
ser camuflada, assustando os manifestantes pacíficos.
Com exceção dos homens-bomba, os terroristas não vão para as ruas em
manifestações, agem à surdina, cometem seus atos clandestinamente.
Parece que a intenção dessas propostas não é controlar o terrorismo; é,
por um lado, esconder a incompetência para impedir e punir os vândalos
e, por outro, aterrorizar os que têm a intenção de ir às manifestações,
uma espécie de terror antiterrorista.