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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

A crise ética e técnica do setor energético brasileiro. Entrevista especial com Célio Bermann

Segunda, 2 de fevereiro de 2015
Do IHU
Instituto Humanitas Unisinos

“Se a forma de submissão que nos caracteriza persistir, está claro que não existem outras alternativas”, avalia o pesquisador.
Projeção de como será a usina de Belo Monte. Fonte: Ministério do Planejamento
O setor energético brasileiro entrou janeiro imerso em crise, não somente ética, mas também técnica. Os dois problemas são históricos.
O primeiro, relativo à ética, diz respeito aos impactos ambientais e sociais dos projetos de construção de usinas hidrelétricas na Amazônia, refletindo negativamente nas comunidades indígenas e ribeirinhas.
O segundo se refere ao planejamento técnico com relação a construção de tais hidrelétricas, em que nos períodos de estiagem a produção de energia se torna insuficiente. “É muito fácil para um governo que tem demonstrado absoluta incompetência na gestão energética, que relegue a ‘São Pedro’ seus problemas. Isso faz com que a população acabe entendendo que são problemas da natureza, que fogem do nosso controle”, aponta Célio Bermann em entrevista por telefone à IHU On-Line.
Soma-se a isso o aumento das tarifas de energia elétrica, o corte seletivo no abastecimento de luz, cujas populações pobres são as mais afetadas, e a aposta do Estado no crescimento industrial do setor eletrointensivo, sob a justificativa de superar uma recessão econômica que vem sendo alardeada desde a nomeação do novo grupo de ministros. Frente a esse cenário, o professor não vê alternativas senão uma mudança de paradigma. “O nosso modo de consumo precisa ser reconsiderado. Isso exige do Brasil e do mundo um debate que ainda hoje não está devidamente estabelecido. Nós estamos discutindo o futuro do planeta, as dificuldades com os combustíveis fósseis em função das mudanças climáticas, e essa discussão toda tem pertinência, mas deve ser acompanhada pela questão de fundo que é o tipo de sociedade que a humanidade quer constituir e consolidar para as gerações futuras”, argumenta. “Continuarmos no mesmo barco que hoje estamos não tem saída. Não há alternativa sob o ponto de vista ecológico, econômico e ambiental”, completa.
“A qualificação do que está acontecendo com os povos indígenas, seja em função de obras hidrelétricas, com os Araras, com os Kaiapós, no Rio Xingu, e a ameaça que passa a ser irreversível para os Mundurukus na bacia do Tapajós, mostram que a qualificação pode ser etnocídio, genocídio, que são termos fortíssimos e que têm sido utilizado por lideranças indígenas com quem eu tive oportunidade de ouvir”, relembra Bermann. “Se a forma de submissão que nos caracteriza persistir, está claro que não existem outras alternativas”, enfatiza.
                   Fonte: ideiaweb.org   
Célio Bermann (foto) é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo.
 
Também é autor de diversas publicações, entre as quais citamos Energia no Brasil: Para quê? Para quem? – Crise e alternativas para um país sustentável (São Paulo: Ed. Livraria da Física/FASE, 2002); e As novas energias no Brasil: Dilemas da inclusão social e programas de Governo (Rio de Janeiro: FASE, 2007).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Recentemente a Aneel informou que a bandeira tarifária da energia elétrica a partir de janeiro de 2015 passou a ser a vermelha, com maior custo ao consumidor, pois o volume de água nos reservatórios é menor. Passados dois anos da aprovação da MP 579, que contradições se tornam mais evidentes?

Célio Bermann – Eu tive a oportunidade de conceder uma entrevista ao IHU logo depois da edição da MP 579 em que eu já prognosticava o que ia acontecer. Que a ausência de Estados importantes para o sistema de produção e distribuição de energia elétrica, como São Paulo, Minas Gerais e Paraná, não por coincidência, administrados pelo PSDB, traria uma implicação política indesejável. Foi uma medida que não teria como se sustentar do ponto de vista econômico e financeiro. Exigiria recursos do tesouro nacional e que de forma indireta, e não vamos esquecer que sempre que os recursos se referem a Tesouro Nacional, Banco Nacional do Desenvolvimento Social – BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, não são bancos, não é dinheiro que vem das árvores, mas do nosso bolso, é o contribuinte que acaba sendo onerado por esse tipo de situação.