Quarta, 4 de fevereiro de 2015
Do MPF
Diretor de serviço funerário na década de 70, Fábio Pereira
Bueno morreu em 2010, após início de ação que visava lhe responsabilizar
civilmente por ocultação de cadáveres no cemitério de Perus. Seu filho,
representante do espólio, não vinha respondendo às intimações da justiça.
A pedido do Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal
Regional Federal da 3ª Região (TRF3) determinou a nomeação de curador especial
para o espólio de Fábio Pereira Bueno, acionado civilmente pelo MPF em novembro
de 2009 por ocultação de cadáveres durante o período da ditadura. Morto em
2010, Fábio Bueno foi diretor do Serviço Funerário Municipal entre 1970 e 1974.
Juntamente com Paulo Maluf, Romeu Tuma e o legista Harry Shibata, ele respondia
a uma ação civil pública, movida pelo Ministério Público Federal, que tinha o
objetivo de responsabilizar os agentes envolvidos, além do Município, do Estado
de São Paulo e da União, por ocultação de corpos de militantes políticos mortos
pela repressão, enterrados sem identificação no cemitério de Perus.
Na ação, o MPF pede a cassação das aposentadorias dos
servidores denunciados e a condenação dos réus ao pagamento de indenização por
danos morais coletivos, equivalente a 10% do patrimônio pessoal de cada um, que
deverá ser revertida em iniciativas para o resgate e a preservação da memória
sobre as violações aos direitos humanos ocorridos na ditadura.
De acordo com a petição inicial, Fábio Bueno foi “peça
fundamental na execução de sepultamentos clandestinos e irregulares de
perseguidos políticos em São Paulo”, estando à frente do Serviço Funerário no
“período mais severo da repressão e no qual ocorreram enterros de presos
políticos tanto no Cemitério de Vila Formosa como no de Perus”. O MPF relata
que era ele quem mantinha contatos com o Instituto Médico Legal para garantir a
destinação dos cadáveres oriundos de lá para o Cemitério de Perus. Coveiros,
sob sua ordem, tinham orientações específicas sobre como lidar com os “corpos
especiais”, como eram designados os militantes políticos.
O ex-diretor morreu pouco tempo depois da ação proposta pelo
MPF em 2009, não tendo contestado a ação na época. Fábio Pereira Bueno Filho,
representante do espólio do réu, apesar de ter sido intimado diversas vezes,
também não se manifestou.
A procuradora regional da República Geisa de Assis Rodrigues
ressaltou que o representante do espólio do réu deve estar ciente dos atos
processuais, do contrário, “é imperioso que lhe seja nomeado curador especial
para a defesa dos seus interesses, sob pena de afronta aos princípios do
contraditório e ampla defesa”. Seguindo esse entendimento, a 6° Turma do TRF3
decidiu, por unanimidade, determinar a nomeação de curador especial para o
espólio de Fábio Pereira Bueno.
Entenda o caso
- Em 2009, o MPF em São Paulo ingressou na Justiça Federal com duas ações civis
públicas para que fossem declaradas as responsabilidades pessoais de
autoridades e agentes públicos civis e da União, Estado e Município de São
Paulo por ocultações de cadáveres de opositores da ditadura militar
(1964-1985), ocorridas na capital, nos cemitérios de Perus e Vila Formosa.
Também foram denunciadas pessoas jurídicas e legistas que contribuíram para que
as ossadas de mortos e desaparecidos políticos enterrados na vala comum de Perus
permanecessem sem identificação.
Na ação civil sobre as ocultações , o MPF pede a
responsabilização pessoal de cinco autoridades da época: do delegado Romeu
Tuma, que foi chefe do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DOPS),
entre 1966 e 1983; do médico legista Harry Shibata, ex-chefe do necrotério do
Instituto Médico Legal de São Paulo; dos ex-prefeitos de São Paulo Paulo Maluf
(gestão 1969-1971) e Miguel Colasuonno (gestão 1973-1975); e de Fábio Pereira
Bueno, diretor do Serviço Funerário Municipal entre 1970 e 1974.
De acordo com a denúncia, essas autoridades contribuíram de
diferentes formas na repressão aos militantes políticos. Romeu Tuma, na época,
era chefe do DOPS. No local, eram formalizadas as prisões feitas ilegalmente
pelo Exército e abertos inquéritos policiais, além de novos interrogatórios, em
regra com os interrogados sob tortura. De acordo com os documentos apresentados
na denúncia, Tuma tinha conhecimento de várias mortes ocorridas sob a tutela de
agentes da repressão, mas não as comunicava aos familiares dos mortos. O
legista Harry Shibata foi acusado de assinar laudos falsos para ocultar os
reais motivos dos óbitos de inúmeros militantes políticos que sofreram
torturas.
Quando prefeito, Paulo Maluf ordenou a construção de cemitério
de Perus, que foi projetado especialmente para indigentes e que tinha espaços
destinados especificamente aos corpos dos desaparecidos políticos. O cemitério
de Vila Formosa foi reurbanizado em 1975, destruindo a quadra de indigentes e
“terroristas”, o que dificultou a identificação de militantes naquele local.
Uma das principais fontes de dados para a ação civil pública
foram os documentos e depoimentos colhidos pela Comissão Parlamentar de
Inquérito da Câmara Municipal de São Paulo, instituída por ocasião da abertura
da vala comum do Cemitério de Perus, em setembro de 1990, para apurar a
participação de servidores e autoridades municipais no episódio. O MPF usou,
ainda, as informações divulgadas pela Secretaria Especial de Direitos Humanos
da Presidência da República no livro Direito à Memória e à Verdade e documentos
obtidos no Arquivo do Estado de São Paulo e no Arquivo Nacional.
Na segunda ação civil, o MPF pede a responsabilização de
legistas e peritos, além da condenação de algumas universidades que
contribuíram diretamente para que as ossadas de mortos e desaparecidos
políticos localizadas na vala comum e em outros locais do cemitério de Perus
permanecessem sem identificação.
Objetivo da ação e atuação do MPF - As ações foram propostas
pela então procuradora da República Eugênia Augusta Gonzaga (atualmente
procuradora regional da República), responsável pelo Inquérito Civil Público
06/99, aberto para apurar a demora na identificação das vítimas da ditadura
enterradas no cemitério de Perus, e pelo procurador regional da República,
Marlon Alberto Weichert, que abriu o inquérito a partir de representação do
grupo Tortura Nunca Mais. Também assinam a ação o procurador da República
Jefferson Aparecido Dias e a procuradora da República Adriana da Silva
Fernandes.
Os procuradores afirmam que a ação tem por finalidade
“responsabilizar as pessoas jurídicas de direito público e autoridades que
contribuíram para a ocultação desses cadáveres, impedindo o seu funeral e
enterro por familiares e amigos, e promover a memória e a verdade no interesse
de toda a sociedade brasileira”.
Processo relacionado: 0016339-58.2013.4.03.0000