Quarta, 18 de março de 2015
Da Tribuna da Bahia
por Luiz Holanda
Imortalizada
pelo escritor francês François Andriex no conto O MOLEIRO DE SANS-SOUCI, a
expressão identifica o episódio envolvendo o rei Frederico II, exemplo de
“déspota esclarecido” e um moleiro que residia em um moinho vizinho ao palácio
real, na encosta de uma colina, na cidade de Potsdam, perto de Berlim.
O monarca
desejava aumentar o castelo, mas viu—se impedido pelo moinho. Resolveu, então,
comprá-lo, oferecendo um preço ao moleiro. Este recusou a oferta, alegando que
ali estavam os restos mortais do seu pai e que era o lugar onde os seus filhos
haveriam de nascer. O rei, então, insistiu, dizendo que, se quisesse, poderia
simplesmente tomar-lhe a propriedade.
O moleiro, ao
ouvir a ameaça, não demonstrou nenhum medo. Olhou para o monarca e, calmamente,
respondeu: “Ainda há juízes em Berlim”. O rei, diante de tanta altivez,
desistiu de comprar ou desapropriar o moinho, fato que fez o escritor lamentar
o recuou do monarca, dizendo que a desistência imperial atrasara o
desenvolvimento da província.
O episódio,
imortalizado em versos, passou para a história como um símbolo de independência
dos juízes alemães, ao ponto de incutir, no espírito de um simples moleiro, a
certeza de que o seu direito seria reconhecido e amparado por eles, ainda que
contra o poderoso déspota.
A lição deixada
por essa narrativa nos faz indagar se algum dia, em nosso país, alguém do povo,
diante da prepotência de nossas autoridades reconhecidamente corruptas, poderá
dizer que “ainda há juízes em Brasília”. Lógico e evidente que existem
muitos juízes independentes e probos entre nós, a exemplo do ínclito e corajoso
Sérgio Moro, uma das últimas esperanças de uma boa justiça em nosso país.
Durante a visita
ao Brasil do relator especial da ONU, Leandro Despouy, ocorrida em Porto Alegre
sobre a independência dos juízes e advogados, a Associação dos juízes daquele
Estado (AJURIS), denunciou a submissão dos magistrados de nossa mais malta
Corte ao Poder Executivo.
No documento
entregue ao representante da ONU, a Ajuris criticou o critério meramente
político de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como
suas decisões levando em conta os interesses políticos e econômicos do Poder
Executivo. Independente disso, nossos magistrados também são submissos ao
Legislativo, que é quem aprova a escolha de seus nomes pelo Executivo.
Se analisarmos a
carta da Ajuris veremos que todos os candidatos a ministro do STF -ou de outros
tribunais superiores-, são obrigados a percorrer o caminho do beija-mão,
rebaixando-se e se humilhando diante de homens considerados pelo povo como o
que de pior tem o país, rebotalhos da miséria e trânsfugas que jamais deveriam
encontrar ninho nos campos da ética e do direito.
Realmente, todos
os candidatos a ministro de nossos tribunais (principalmente do STF), são
obrigados a assinar uma promissória moral que terão de resgatar durante o
período em que permanecerem na Corte. Poucos são os que podem ser considerados
como um juiz altivo, cioso do seu brilho e zeloso do seu nome.
O caso
envolvendo o ministro Ricardo Lewandowski é um exemplo. Revisor do processo do
mensalão e atual presidente do STF, foi flagrado em um restaurante de Brasília,
de celular no ouvido, dizendo para o interlocutor que os “ministros votaram com
a faca no pescoço” e que a tendência era “amaciar” para o Dirceu. Diante dessa
tacanha e infeliz afirmação, o ministro não só revelou imprudência e
parcialidade como também irresponsabilidade, isso para ficar apenas com esses
adjetivos. Antes ele fora descoberto trocando mensagens eletrônicas com sua
colega Carmen Lúcia com comentários poucos lisonjeiros aos seus pares, em
especial ao ministro Eros Grau.
Para completar,
seu colega Dias Toffoli, também petista de carteirinha, pediu para ir para a
Segunda Turma do STF onde se dará o julgamento dos acusados no processo do
Petrolão. Antigamente, os magistrados se declaravam suspeitos quando tinham que
julgar uma pessoa com a qual se relacionavam. Hoje é o contrário: se oferecem
para salvar os amigos.
Diante desse e
de outros fatos, totalmente contrários aos interesses do país, nós, os moleiros
da justiça –ou mesmo um simples cidadão comum-, não temos outra opção senão
dizer, invertendo a frase do moleiro alemão, que “ainda não há juízes em
Brasília”.