Sábado, 14
de março de 2015
Por
Aldemario Araújo Castro*
Brasília,
13 de março de 2015
Convites não faltaram para a participação nas
manifestações marcadas para os dias 13 e 15 de março.
Participei, com maior ou menor intensidade, das grandes
mobilizações nacionais das últimas décadas (diretas, impeachment de
Collor, junho de 2013, etc). Em todas elas existia um virtual consenso no
sentido de que se buscava o avanço da democracia e a criação de melhores
condições para a realização dos interesses populares.
As movimentações do dia 13 de março estão voltadas, direta
ou indiretamente, para apoiar o (des)governo da Senhora Dilma Roussef. Dilma,
seu PT e agregados (especialmente o PMDB) representam os interesses das
(verdadeiras) elites socioeconômicas brasileiras (latifundiários, banqueiros,
especuladores e grandes empresários). Maquiavel já dizia, no famoso livro “O
Príncipe”, quando os grandes não conseguem governar com um dos seus (Aécio, por
exemplo), governam com um do povo (Lula-Dilma). Em longos anos de governo, o PT
sequer arranhou os pilares fundamentais de sustentação de uma das sociedades
mais desiguais do mundo (embora seja a sétima ou oitava em produção de
riquezas). Com Lula/Dilma/PT/PMDB: a) a estrutura agrária, majoritariamente
latifundiária e retrógrada, permaneceu intocada; b) houve a criação e o aumento
vertiginoso do bolsa-empresário no âmbito do BNDES; c) manteve-se o sistema da
dívida pública de mais de 4 trilhões de reais que consome mais de 40% do
orçamento anual da União no respectivo serviço; d) preservou-se o tripé
macroeconômico: câmbio flutuante-metas de inflação-superávit primário, base
para extorsivas e artificiais taxas de juros; e) alimentou-se um sistema
tributário profundamente injusto; f) a enorme concentração de mídia persiste;
g) foi “prestigiado” o modelo político-eleitoral que amplia o conservadorismo e
a corrupção, em especial a partir do bilionário financiamento de campanhas
eleitorais por grandes empresas; h) constata-se um aumento da violência
epidêmica, com destaque para aquela promovida pelas forças de segurança militarizadas
em relação ao jovens negros e pobres das periferias das grandes cidades e i)
observa-se um contínuo ataque retrógrado aos direitos humanos, notadamente
aqueles relacionados com a comunidade LGBT e às mulheres.
Dilma, conta, de forma minoritária, com o apoio de setores
políticos historicamente mais ligados às causas populares. Pelas origens
políticas e sociais, os governos Lula-Dilma implementaram políticas
assistencialistas e limitados “ganhos” sociais. Esses “ganhos” estão fundados
num ambiente externo favorável, relativa estabilidade da moeda e profundo
endividamento das famílias (pagando os maiores juros do mundo). Nesse cenário,
com ciclo já esgotado, permaneceram e permanecem intocados os interesses das
(verdadeiras) elites (repito: latifundiários, banqueiros, especuladores e
grandes empresários).
Para completar a revolta em relação aos governos
Lula-Dilma, todos assistem boquiabertos aos maiores escândalos de corrupção da
história brasileira (“nunca antes na história deste país ...”), envolvendo, por
enquanto, a PETROBRÁS (“Petrolão”) e, logo ali na esquina, o BNDES. O
“mensalão” já virou um “troco” ... As relações promíscuas começaram no
financiamento eleitoral realizado por poderosos grupos econômicos, notadamente
empreiteiras e bancos. Veja este emblemático dado: "PT, PMDB e PSDB, as
três maiores legendas do País, receberam pelo menos R$ 1 bilhão de empresas
entre os anos de 2009 e 2012, o que equivale a quase 2/3 de suas receitas, em
média." (Estadão, 23 de fevereiro de 2014). Alguém é suficientemente
ingênuo ou desinformado para acreditar que os maiores grupos empresariais e os
maiores empresários brasileiros financiam generosamente (com bilhões de reais)
projetos políticos contra seus interesses e em benefício dos menos favorecidos?
Impõe-se combater, com intensidade, o governo Dilma
Roussef e o que ele representa (em suma: a viabilização dos mais mesquinhos
interesses das elites socioeconômicas, a traição dos legítimos interesses
populares e a ampliação dos esquemas de corrupção e malversação da “coisa”
pública). Assim, não dá para “engrossar o caldo” do dia 13.
As manifestações do dia 15 de março foram convocadas
originariamente por setores golpistas e reacionários. As bandeiras iniciais
foram o impeachment (solução institucional válida, mas posta de forma
precipitada e inconsequente) e a "intervenção militar" (expressão
eufemística para um "golpe" contra as instituições democráticas).
Também não dá para “aumentar o barulho” do dia 15.
Ocorre que a rápida deterioração dos cenários político e
econômico nos três primeiros meses de 2015 estimulou expressivos setores das
classes médias "tradicionais" a participar dos protestos do dia 15 de
março. Esses últimos segmentos não são necessariamente reacionários ou
golpistas. Eles, em sua maioria, verbalizam e reagem contra um governo que é o
seu algoz mediato e imediato (com aumento de tarifas públicas, desemprego,
inflação, redução de direitos, etc). Assim, o dia 15 “surgiu” como a
“oportunidade” para protestar. A síntese da movimentação das classes médias
“tradicionais” está retratada nesse registro publicado pelo jornal Correio
Braziliense no dia 24 de outubro de 2014: "votei em Lula a partir de
1989 por prometer eliminar a pobreza, com educação pública de qualidade. Vinte
e cinco anos depois, vimos que preferiu ser o pai dos pobres, a mãe dos ricos e
o padrasto da classe média - Mauro Evangelista - Brazlândia".
Consciente, ou inconscientemente, as classes médias
“tradicionais” identificam que são os principais financiadores, pela via da
tributação, dos escândalos de corrupção e dos vários mecanismos de
transferência de renda para os segmentos mais necessitados (bolsa-família,
programas habitacionais, aposentadoria rural, etc). A "conta" deveria
ser paga pelas (verdadeiras) elites (mais uma vez: latifundiários, banqueiros,
especuladores e grandes empresários). Entretanto, essas setores sabem defender
seus interesses e o aumento das suas rendas (de sua "fatia no bolo").
Sobra, literalmente sobra, para as classes médias “tradicionais” e para o
conjunto dos trabalhadores.
Identifico uma dificuldade enorme na atuação política dos
setores democráticos mais consequentes (contrários ao governo Dilma/PT/PMDB e
aos setores golpistas/reacionários). Esses segmentos não conseguiram
influenciar e galvanizar a justa insatisfação das classes médias “tradicionais”
e populares. Uma das “falhas” decorre da ausência de uma bandeira clara e
direta.
Talvez a "reforma política popular e
democrática" pudesse preencher esse vazio. Reforma política que
viabilizasse, entre outras mudanças profundas, a revogação de mandatos (solução
apropriada para o caso da Presidente Dilma, que claramente traiu o programa de
campanha), o fim do financiamento das campanhas eleitorais por empresas,
limites espartanos de gastos nas disputas eleitorais com financiamento público,
o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais e o fim da
reeleição.
A mobilização e a pressão políticas de significativos
segmentos sociais são salutares e fundamentais. As mudanças profundas no
panorama socioeconômico brasileiro, voltadas para o atendimento dos legítimos
interesses democráticos e populares, somente serão viáveis por esse caminho
(não existem “salvadores da Pátria”). Nessa dura e longa caminhada é
absolutamente crucial identificar o rumo a ser seguido. Afinal, “não existe
vento favorável à quem não sabe onde deseja ir” (Schopenhauer).
*Aldemario Araujo Castro é Mestre em Direito, Procurador da Fazenda Nacional, Professor da Universidade Católica de Brasília e Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Site: http://www.aldemario.adv.br