Domingo, 15 de março de 2015
Por
Luciana Genro
Compartilho com vocês algumas impressões sobre os atos deste dia 15 de março
Hoje o Brasil teve
muita gente nas ruas. Pelo Brasil afora centenas de milhares falaram, se
expressaram. Isso em si mesmo exige uma reflexão sobre o que ocorre. É preciso
escutar, a partir daí julgar e se posicionar. Em São Paulo a Polícia Militar
(comandada por Alckmin) estimou em 1 milhão (número alardeado pela Globo por
horas), o que seria uma grande surpresa para todos, e o DataFolha estimou em
210 mil, um número mais razoável e dentro das previsões. É claro que ainda
teremos que medir o que ocorreu hoje. O que salta aos olhos é que a situação
exige uma mudança profunda. Mas nem tudo o que as ruas falam sugerem um bom
caminho. As faixas em favor do golpe são um sintoma claro de que mesmo que
milhares tenham tomado as ruas, não se abriu um caminho novo e progressista.
Não tenho dúvida de que a maioria dos que estavam nos atos não querem uma saída
fascista e nem querem ser controlados por aparatos burocráticos. Por isso,
Bolsonaro e Paulinho da Força Sindical foram hostilizados. As pessoas querem
mudanças, mas para que a direita não ganhe na inércia é preciso avançar em um
programa. A questão é que mudanças são necessárias e quem são os agentes desta
mudança.
O que vimos pelo
Brasil foram atos contra o governo Dilma e contra o PT que expressaram uma
indignação geral contra a corrupção e a carestia. Entretanto, ao não ter uma
ideologia crítica, anticapitalista, o que predominou foi a ideologia da classe
dominante, e no guarda chuva desta ideologia as posições de direita e extrema
direita também se expressam.
É neste caldo que a
grande mídia atua, instrumentalizando e direcionando. Em junho de 2013 a Rede
Globo foi questionada nas ruas por ser claramente identificada com a
manipulação ideológica. E é, de fato, o grande partido da classe dominante
brasileira. Neste 15 de março a Rede Globo estimulou, promoveu a ida às ruas.
Este é um dos motivos pelos quais os atos de hoje, embora fortes, são um simulacro
de junho de 2013. Não podemos ser ingênuos quando a Rede Globo estimula um
movimento. Querem sangrar o governo e liquidar qualquer ideia de esquerda,
usando o PT para por um sinal de igual entre esquerda e PT, e desta forma
derrotar os projetos igualitários da esquerda socialista.
Quando as ruas
começam a ter mais peso que o Parlamento pode ser o sinal de uma mudança
positiva. Entretanto, dezenas de milhares nas ruas não basta. É preciso um
programa. E neste momento as ruas não estão indicando apenas um caminho. E se a
estrada errada for a escolhida, ao invés de se progredir e superar a crise,
poderemos retroceder e permitir que os grandes empresários, bancos,
empreiteiras e corporações midiáticas façam valer sua agenda de defesa dos
privilégios e de uma sociedade ainda mais desigual.
Os grupos que na
manifestação defendiam abertamente a intervenção militar revelaram o sentido
profundo de uma das tendências que este movimento pode promover se não se
interpor a discussão do programa e se ganhar força a ideia de que temos uma
saída fácil para um problema que na verdade é difícil. E a saída não é fácil
justamente porque ela exige enfrentar as classes dominantes.
O PT traiu os
interesses históricos da classe trabalhadora e foi muito útil à classe dominante,
controlando as greves e protestos e sendo o agente de aplicação dos interesses
econômicos da burguesia, deixando migalhas para o povo. Mas junho de 2013
mostrou que o PT já não tem mais esta serventia e a crise econômica exige um
ajuste brutal contra os trabalhadores e a classe média. É natural, portanto que
a burguesia prefira governar através do seu filho legítimo, o PSDB . Mas seria
cair em impressões falsas achar que a burguesia abandonou totalmente o PT.
Basta refletir sobre
o fato de que o PSDB defende a mesma política econômica que Dilma está
aplicando e está envolvido nos mesmo escândalos de corrupção para perceber que
eles não querem o impeachment. Como já disse FHC e Aloísio Nunes, eles querem
sangrar, render totalmente o governo para garantir que o ajuste de Levy seja
devidamente aplicado e os interesses do grande capital preservados neste
momento de crise econômica.
Por isso é preciso
compreender que as ruas por si só não garantem a soberania popular. É preciso
dizer quais interesses fortalecem. E quais pontos de programa alavancam.
As propostas do PSOL
para superar a crise partem da necessidade de se combater a corrupção, apoiando
as investigações da Lava Jato e defendendo a punição para todos os corruptos,
seja de que partido forem. Também é fundamental terminar qualquer possibilidade
dos políticos esconderem sua evolução patrimonial. Precisamos de uma nova
legislação na qual os políticos não tenham mais direito a sigilo bancário e
fiscal. Igualmente, a lista dos sonegadores do HSBC deve ser revelada e os
recursos resgatados.
Mas a luta contra a
corrupção não é suficiente. Na economia é preciso impedir que sejam os
trabalhadores e as classes médias que paguem pela crise. Basta de arrocho
salarial e de demitir trabalhadores para garantir o lucro. Basta de cortar
recursos da educação e da saúde e manter o pagamento dos juros da dívida
pública aos bancos e grandes especuladores. Basta de extorquir o trabalhador e
a classe média com impostos e não cobrar o Imposto sobre as Grandes Fortunas e
manter os privilégios fiscais dos bancos. É preciso fazer o ajuste nas costas
dos milionários e promover o controle público das corporações privadas.
Ha uma crise de
legitimidade geral. É claro que é melhor um canal eleitoral do que continuar
como está. Mas novas eleições simplesmente não resolvem. Precisaríamos sim
reorganizar todo o país, através de uma Constituinte democrática. Impeachment
para entregar o governo a Michel Temer ou Renan é inaceitável, seria um
desastre total. E para que as eleições representem de fato uma mudança teriam
que ser realizadas sob novas regras, sem o dinheiro das empreiteiras e sem as
desigualdades abissais na disputa.
A bancada do PSOL no
Parlamento tem sido atuante e combativa na luta contra a corrupção e as medidas
de ajuste contra o povo. O PSOL tem propostas. Nós as apresentamos na campanha
eleitoral e vamos seguir apresentando e lutando por elas. Além disso, nosso
papel, como um partido de oposição de esquerda, é ajudar a construir uma
alternativa que não seja a manutenção do que está aí, mas que também não
coloque água no moinho do PSDB ou, mais absurdo ainda, de uma intervenção
militar.
Esta alternativa só
pode ser construída a partir de uma agenda de luta contra o ajuste de
Dilma/Levy construída pela classe trabalhadora e pela juventude, nos locais de
trabalho, nas escolas, nas universidades, lutando por democracia real e
construindo um programa anticapitalista. O exemplo da greve dos servidores do
Paraná, dos garis do Rio de Janeiro, dos caminhoneiros e tantas outras, é
fundamental, pois este é o método de luta e o método de se construir uma
oposição de esquerda. Estas lutas vão seguir. É desta forma que as ruas
precisam falar.
Luciana
Genro