Segunda,
23 de março de 2015
Do
TJDF
Uma pesquisa inédita realizada pela Seção de Assessoramento
Técnico (SEAT) da Vara de Execução de Medidas Socioeducativas do DF (VEMSE/DF),
sob a supervisão da juíza da Vara, Lavínia Tupy Vieira Fonseca, sugere que o
tempo de internação dos adolescentes em conflito com a lei não é fator
determinante na reincidência. Os adolescentes avaliados tinham entre 13 e 19
anos quando ingressaram na medida socioeducativa, e a taxa de reincidência foi
de 53,4% para aqueles que foram liberados com base em decisão que considerou
cumprida a medida de internação.
A pesquisa foi desenvolvida com os dados de 283 egressos da
Unidade de Internação do Plano Piloto (UIPP), antigo CAJE, liberados entre
janeiro de 2011 e agosto de 2013. Os dados foram colhidos nos sistemas do TJDFT
(SISTJ e site do Tribunal), nos 12 meses subsequentes à liberação dos
adolescentes da medida socioeducativa.
Independentemente do delito cometido, o tempo médio de
internação dos adolescentes em conflito com a lei variou de 17 a 23,7 meses. “É
possível perceber um tempo médio ligeiramente superior para latrocínio e
homicídio, sem que isso represente, contudo, uma diferença que supere 3 ou 4
meses para a maioria dos casos”, diz o estudo.
De acordo com os resultados, após a liberação do adolescente
da medida socioeducativa, o tempo médio para cometimento de novos delitos
(reincidência) foi de 11 meses para aqueles com óbito (tentado ou consumado) e
de 6 meses para os demais delitos. Os jovens da amostra apresentaram, quando
reincidentes, uma tendência maior a cometer novos atos delitivos ao invés de
repetir o ato infracional praticado na 1ª incidência. Para se ter uma ideia,
dos 85 adolescentes que foram internados em decorrência de delitos que
ocasionaram a morte da vítima 49% voltaram a reincidir, sendo que 90% em
delitos que não ocasionaram a morte e apenas 10% no mesmo.
Além do fator tempo de internação, a pesquisa buscou
observar a relação entre reincidência e histórico infracional dos adolescentes,
ou seja, avaliou se a quantidade de registros infracionais tinha relação com a
reincidência após a liberação da medida.
Com base nos dados apresentados, observou-se que o grupo que
reincidiu teve, na média, um número maior de registros infracionais do que o
grupo que não reincidiu. Esse resultado corrobora achados de outros estudos que
apontam para uma tendência maior à reincidência em adolescentes com histórico
delitivo maior. Estudos sobre a psicologia do comportamento criminal identificam
no histórico de comportamento antissocial – precocidade e constância – um
importante fator de risco para a reincidência.
Para o psicólogo Cássio Veludo, um dos servidores da
VEMSE/DF que está à frente da pesquisa, o objetivo principal foi identificar a
eficácia do tratamento recebido pelos adolescentes no sistema socioeducativo.
“Nos deparamos no Judiciário com altos índices de descumprimento das medidas
impostas e de reiteração nas condutas delituosas. Diante disso, nos debruçamos
sobre esse tema para, em um primeiro momento, investigar o efeito do tempo de
internação e do histórico infracional sobre o comportamento de reincidência dos
egressos”, diz.
Segundo o servidor, existe na sociedade um discurso de que o
endurecimento das punições poderia contribuir para aumentar a eficácia da
medida imposta, desde que a pena seja proporcional à gravidade da ofensa. “A
diminuição da reincidência seria muito mais uma questão de acertar na
dosimetria da punição do que oferecer serviços adequados para a ressocialização.
E a pesquisa mostra exatamente o contrário”, assegura.
Cássio entende que a reincidência é um critério importante
para medir a ocorrência e o rompimento da conduta delitiva. “Os esforços
socioeducativos serão bem sucedidos se contribuírem para a diminuição real e
constante das taxas de reincidência na conduta delitiva. Por isso, com base nos
resultados, vemos a importância de pensar em programas de acompanhamento e
supervisão do egresso pelos 12 meses posteriores à liberação”, diz.
Ele relata que modelos testados no exterior mostram que,
quando o adolescente é inserido em programas de gestão do risco de reincidência
durante o cumprimento da medida socioeducativa, a reincidência tende a
diminuir. “Hoje, o foco do sistema socioeducativo no Brasil recai sobre a
proteção. Pensa-se em suprir as necessidades de saúde, aprimorar o
desenvolvimento escolar e buscar a profissionalização do adolescente. Mas o
sistema deve abranger também a prevenção da reincidência. Devem ser analisados
e trabalhados os fatores de risco que levaram aquele jovem a entrar em conflito
com a lei”, diz.
A literatura apresenta variados fatores de risco para
reincidência, dentre os quais podem ser citados: o histórico infracional
do adolescente (quanto mais precoce e constante for o comportamento
infracional, maior a chance de reincidir, associação esta que foi corroborada
pelo estudo), a associação a pares antissociais (o adolescente se junta
a outros jovens para a conduta delituosa) e atitudes e orientações
antissociais (crenças e racionalizações que servem de suporte para o
comportamento infracional).
Análise dos dados
Pela análise dos dados, não houve qualquer relação entre o
tempo de duração da privação de liberdade e o comportamento de reincidência nos
egressos estudados. Em outras palavras, tanto os egressos que voltaram a
reincidir quanto os que não voltaram seguiram esses caminhos por razões que não
se relacionam ao tempo de duração de suas internações.
Segundo técnicos da VEMSE à frente do estudo, existe um
pensamento uníssono que relaciona as penas de privação de liberdade com a
diminuição da criminalidade, um pensamento que se apoia na ideia de que apenas
a experiência da sanção, com imposição de consequências diretas e indiretas
pela prática de delitos, seria suficiente para transformar o comportamento
antissocial.
“Esse resultado corrobora os dados encontrados em outras
pesquisas nas quais também não foram observadas evidências de que haja qualquer
relação entre tempo de encarceramento e reincidência ou, quando existe, a relação
é de leve aumento na taxa de reincidência associado a políticas de
endurecimento e alongamento das penas”, dizem os pesquisadores.