Domingo, 8 de março de 2015
Da Tribuna da Internet
Carlos Newton
Com o prestativo serviço prestado ao Planalto, ao interpretar a
Constituição para considerar que a presidente Dilma Rousseff seria
inimputável (a expressão jurídica é esta), porque seus
malfeitos foram cometidos no mandato anterior, o criativo
procurador-geral da República Rodrigo Janot poderia até ser considerado
favorito para ocupar a vaga do ministro Joaquim Barbosa no Supremo
Tribunal Federal.
Com ajuda de Janot, Dilma ganhou
o primeiro round
Mas as aparências enganam. É claro que a presidente Dilma Rousseff
ficará devedora de Janot pelo resto da vida, poderá até indicá-lo para
integrar o STF, mas o problema será aprovar o nome dele no Senado
Federal, conforme determina a Constituição. Com toda certeza, a nomeação
de Janot será torpedeada com a maior facilidade pelo presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
O fato é que Janot destruiu sua reputação ao quebrar o segredo de
Justiça que envolvia o inquérito sobre o esquema de corrupção da
Petrobras. O procurador-geral da República jamais poderia ter se
rebaixado perante o Palácio do Planalto e revelado previamente à
presidente Dilma Rousseff a lista de parlamentares, ministros e
governadores envolvidos no esquema de corrupção montado pelo PT.
Já assinalamos aqui na Tribuna da Internet
que essa inconfidência do procurador-chefe Rodrigo Janot foi uma atitude
deplorável, porque ele feriu a ética profissional e demonstrou
subserviência ao Planalto, cometendo falta gravíssima, que demonstra
despreparo para ser guindado ao Supremo Tribunal Federal.
INTERPRETANDO A LEI…
Na verdade, Janot feriu a duplamente a ética jurídica. Primeiro, ao
quebrar o segredo de Justiça e entregar ao Planalto informações ainda
sob segredo de Justiça. E depois, por ter interpretado a Constituição de
forma a justificar a decisão pessoal de não pedir abertura de inquérito
contra a presidente da República, embora ela esteja citada em diversos
depoimentos da delação premiada.
Para livrar Dilma Rousseff do processo no Supremo, o procurador-geral
citou o parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição Federal: “O
Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser
responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.
Acontece que este dispositivo foi aprovado em 1988, antes de existir
reeleição para cargos do Executivo. Portanto, está totalmente anacrônico
e não pode ser usado para tornar inimputável qualquer presidente da
República que tenha cometido crimes no mandato anterior.
ESQUECENDO A LEI…
Qualquer rábula sabe que há outro dispositivo determinando que o Supremo processe presidente da República por crimes comuns (artigo 102, inciso I, alínea b),
como estelionato, receptação ou formação de quadrilha, por exemplo,
para citarmos apenas três transgressões que podem ser atribuídas a quem
participou do esquema da Petrobras. E há também prática de crime
eleitoral, pelo uso de dinheiro escuso na campanha política, crime
passível de cassação de mandato, conforme tese do jurista Jorge Béja, já
exposta aqui na Tribuna da Internet.
Não cabe ao procurador-geral da República “interpretar” uma lei
anacrônica e flagrantemente inapropriada. Esta função é exclusiva do
Supremo Tribunal Federal e foi usurpada por Janot, que preferiu se
comportar como advogado de defesa da presidente Dilma Rousseff.
Mas ainda há juízes e procuradores no Brasil que se reservam o
direito de atuarem com a autonomia e a independência que a lei lhes
garante. O ex-ministro Antônio Palocci e o tesoureiro do PT João
Vaccari, por eemplo, serão julgados pelo juiz Sérgio Moro. Ao colocar o
PT no banco dos réus, a presidente Dilma Rousseff pode acabar indo junto
de roldão, como se dizia antigamente.
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PS - Juridicamente. “inimputável” é todo aquele que
não pode ser responsabilizado por seus atos. Estão neste caso os
menores de 18 anos e as pessoas que sofrem de grave doença mental. Para o
procurador Janot, esta lista de inimputáveis inclui também presidentes
da República reeleitos que cometeram crimes em mandato anterior. Era só o que faltava, como dizia o Barão de Itararé.