Se há um “conto do
vigário” recorrente, no qual temos caído, sempre, historicamente, ele é o do
“livre” comércio. A tradição de negociar com os de fora em condição de
inferioridade, como se fosse tremenda vantagem, é uma marca cultural
brasileira, que deve ter se inaugurado quando, na areia, contemplando as
primeiras caravelas, os nativos destas terras entregaram aos portugueses
confessáveis e inconfessáveis riquezas, em troca de espelhinhos e miçangas.
A Presidente Dilma
Roussef retornou, há poucos dias, da Cúpula entre a CELAC - Comunidade
dos Estados da América Latina e do Caribe, e a União Europeia, realizada
na semana passada, em Bruxelas.
Na Bélgica, ela tinha
também a expectativa de fazer avançar as negociações em torno do acordo de
comércio entre o Mercosul e a União Europeia, mas voltou de mãos abanando.
Na linha do “faça o
que eu digo, mas não o que eu faço”, os europeus, como fazem há anos, depois de
acusar o Mercosul e o Brasil de protecionismo e de estar atrasando as
negociações, pediram para transferir a próxima reunião para outubro.
Muito mais fechados
do que querem fazer parecer em jornais brasileiros que divulgam - e muitas
vezes defendem, abertamente - suas posições, os europeus não buscam um acordo
equilibrado e tem suas próprias dificuldades para chegar a um consenso.
O que a UE quer é
abrir o mercado do Mercosul, com um PIB de 3 trilhões de dólares (2.3 trilhões
do Brasil) às suas exportações de máquinas e serviços, sem levantar suas
barreiras às exportações do Mercosul, mesmo que estas em sua maioria sejam de
commodities agrícolas de baixo valor agregado.
Ao contrário da
nossa, a agricultura europeia é altamente subsidiada, não apenas em seus
principais países, mas também em pequenas nações que entraram para a UE e a
OTAN recentemente, em troca de seu afastamento da órbita russa.
O “livre” comércio de
europeus e norte-americanos é uma balela.
Uns e outros defendem
seus interesses, tanto é que o propalado acordo transcontinental entre a Europa
e os Estados Unidos está enfrentando cada vez mais resistências dos dois lados
do Atlântico.
E fazem o mesmo com
relação ao Brasil, como pode ser visto, com dois exemplos, entre muitos outros:
Para vender aos EUA
aviões - que já contam com muitas peças Made in USA - a Embraer teve
que, primeiro, montar uma fábrica na Flórida, e associar-se de forma
minoritária com uma empresa norte-americana.
E, agora, o
empreendedor brasileiro-norte-americano David Nelleman, da AZUL, teve de
associar-se também minoritariamente ao português Humberto Pedrosa para disputar
e ganhar a privatização da TAP - Transportes Aéreos Portugueses (nascidos em
outro continente não podem controlar companhias de aviação europeias).
Enquanto isso, por
aqui, esquemas acionários mirabolantes permitem, de fato, o controle externo de
companhias aéreas nacionais, e parlamentares defendem, ferrenhamente, no
Congresso, o fim das restrições à venda de terras para empresas e cidadãos
estrangeiros.