Quarta, 17
de junho de 2015
Do site
Operamundi
Por Breno
Altman
A percepção de muitos observadores e participantes,
finalizado o V Congresso, é que nada mudou no Partido dos Trabalhadores.
Quem assim conclui, registra alguns fatos inquestionáveis:
não houve alteração em seu núcleo dirigente, o partido continua prestando apoio
à política econômica do governo, o sistema de alianças não foi revisto e a
forma de eleições internas permanece essencialmente intacta.
Mas este diagnóstico de paralisia é versão superficial dos
fatos.
A situação tem características mais originais e perigosas:
o PT, desde 2013, com idas e vindas, vem trilhando elaboração estratégica que
colide com decisões práticas para a ação política.
Diversas resoluções partidárias, especialmente depois das
eleições presidenciais de 2014, identificam o esgotamento do modelo econômico
marcado por políticas distributivas sem reformas estruturais, pregam por
estratégia de mobilização como fator de governabilidade e apontam para uma nova
política de alianças que tenha como núcleo os setores mais progressistas.
Vão até mais longe, como é o caso do principal documento
aprovado no V Congresso, que desenha programa com medidas para tributação e
enfraquecimento do capital rentista, além de outras reformas contra a
concentração da riqueza, da terra, do direito de comunicação, do poder político
e das oportunidades de ascensão social.
A questão é que este ponto de vista não encontra guarida
nas opções adotadas pelo governo Dilma em seu segundo mandato, colidentes com
as diretrizes partidárias.
A maioria dos delegados petistas, porém, no debate mais
importante do congresso, resolveu negar qualquer crítica pública ao ajuste
fiscal, fortemente rejeitado na base petista e publicamente rechaçado pelas
principais lideranças sindicais do partido.
Apesar da contradição com a política econômica,
suficientemente aguda para seus poucos defensores preferirem se resguardar, o
PT decidiu se abster, por ora, de ter opinião clara e própria sobre tema tão
crucial.
O que prevaleceu foi a noção de que o partido deve
obediência ao governo e faz votos de silêncio mesmo quando a presidente toma
decisões relevantes sem qualquer consulta efetiva à legenda.
O leninismo forjou a ideia do partido como vanguarda da
sociedade e do Estado. O petismo inventou, sem nominar aquilo que é inominável,
o partido de retaguarda, conforme expressão cunhada por Valter Pomar.
Pode-se discutir o futuro à vontade, até mesmo com uma
releitura do passado e do presente, como está esboçado na Carta de Salvador,
desde que preservada a clausula pétrea segundo a qual o PT é braço político e
parlamentar do governo de coalizão.
Todos os demais partidos da aliança podem disputar
publicamente suas posições, pressionar e negociar seus pontos de vista. O PT,
no entanto, está auto-circunscrito a funcionar como apêndice do ministério.
Ao aceitar tal cerceamento, o partido deixa a esquerda sem
vez e voz, particularmente em um tabuleiro dominado por forças conservadoras,
da política e do mercado, diante das quais o governo Dilma decidiu ceder para sobreviver.
Este desequilíbrio político, provocado pela anorexia da
principal agremiação progressista, debilita o governo ao invés de protegê-lo,
abre espaços crescentes para a consolidação da hegemonia conservadora,
dissemina desânimo no campo de esquerda, dificulta a atração do centro
democrático e facilita a preponderância da pressão de direita.
Além disso, a dissociação entre estratégia e política
concreta, estabelecida pela maioria dos delegados, pode inutilizar textos como
a Carta de Salvador, eventualmente capazes de alinhavar um novo campo de
ideias.
Quanto mais se avança na renovação estratégica, sem
consolida-la na disputa presente e efetiva de rumos, menor a credibilidade da
linha aprovada e maior a confusão política que se instaura.
Para que se restabeleça discurso coerente e efetivo, o PT
teria de harmonizar sua tática aos escritos sobre o futuro, ou vice-versa, sob
o risco de seus documentos se decomporem como peça de publicidade enganosa.
O V Congresso foi, no entanto, incapaz de resolver este dilema.
Impôs-se, na prática, a concepção passiva de que o PT somente deveria tentar
recuperar protagonismo quando o governo tiver resolvido os objetivos fixados
pelo ajuste fiscal.
O grande problema é que, como está insinuado na Carta de
Salvador, políticas de austeridade são longevas, dilacerantes dos direitos da
classe trabalhadora, desorganizadoras do desenvolvimento nacional e
concentradoras de renda nas mãos do capital financeiro.
Com um pé na renovação estratégica e outro na subordinação
incondicional a um governo no qual não é mais força dirigente, o PT perambula
por um complexo labirinto, empurrado pela radicalização de sua base social e
puxado por uma lógica de governabilidade que lhe virou as costas.