Da Tribuna da Imprensa
Por Hélio Duque*
Só
o realismo fantástico de Gabriel García Márquez, no clássico “Cem Anos
de Solidão”, encontra paralelo com a atual realidade brasileira. Nele o
autor conta a história da fictícia cidade colombiana de Macondo e a
ascensão e queda dos seus fundadores, a família Buendia. Macondo é uma
mistura de realidade e fantasia, onde a população perde a memória e a
sociedade é mergulhada em conflitos que levará a decadência.
Felizmente
o Brasil não é Macondo. Tivemos um tempo passado onde a sociedade
perdeu a memória, aceitando o cinismo como acontecimento normal, mas
despertou da fantasia em tempo. Ao voltar à realidade viu-se mergulhada
em crise moral, política e econômica inédita na sua história. Perplexa e
angustiada, a população vem sendo atropelada, cotidianamente, com fatos
estarrecedores, envolvendo no maremoto da corrupção figuras públicas e
privadas. As investigações, em boa hora, da “Operação Lava Jato”
provocaram um abalo sísmico na corrupção nacional. Desmontando um
sistema que operava, na escala de bilhões, ativa e passivamente, no
assalto planejado por agentes públicos e privados ao patrimônio
nacional.
Confissões
públicas, gravações às pencas, documentos em profusão, delações dos
malfeitores em número recorde, respondem, por condenação, até agora, a
penas de prisão de mais de 1000 anos. O brasileiro honesto passa a ver o
mundo político e empresarial infestado por notórios delinquentes de
“colarinho branco”. A vida pública está mergulhada em cenário de muitos
dos seus integrantes já identificados e outros que vivem o cotidiano da
incerteza de quando serão acusados. Acreditavam na invencibilidade da
corrupção e na impunibilidade geral e irrestrita. A cultura da corrupção
sistêmica, com o pagamento de propina envolvendo a relação público e
privada, foi ferida de morte. Parodiando o inesquecível Muhammad Ali,
que dizia “flutuar como uma borboleta e picar como uma abelha” no Brasil
a corrupção flutua como borboleta e pica a sociedade com voracidade de
leão.
Os
brasileiros decentes e honestos serão devedores eternos da força tarefa
da “Operação Lava Jato”. Foi pela destemida ação do Ministério Público
Federal, dos delegados e agentes da Política Federal e da competência
jurídica do juiz Sérgio Moro que se conheceu a corrupção sistêmica
documentadamente provada na vida nacional. Demonstrando que não existe
nenhum poder ou organizações poderosas com capacidade de anular ou parar
as investigações conduzidas pela apelidada popularmente de “República
de Curitiba”.
Na
Itália, na década de 90, a “Operação Mãos Limpas”, ao comprovar que o
pagamento de propina nos contratos públicos era padrão de
governabilidade, levou várias centenas de empresários e homens públicos à
prisão. O sistema político, dos democratas cristãos, aos socialistas e
comunistas foi destruído. Tempos depois o Congresso aprovaria diversas
leis para anistiar e impedir a continuidades das investigações. Em 13 de
julho de 1994, era aprovado o decreto que os italianos honestos
chamaram de “Salvi Ladri”. Foi um golpe mortal na “Mãos Limpas”.
No
Brasil, gravações telefônicas envolvendo ex-presidentes da República
(Lula e Sarney), o presidente do Congresso Nacional, senador Renan
Calheiros e outras figuras coroadas da política nacional demonstram
desejo de ver implodida a “Lava Jato”. O objetivo claro dessas conversas
e gravações é manter intocável a impunidade dos que se consideram donos
do poder, afrontando os legítimos direitos da sociedade. Não fosse a
ação vigilante da opinião pública brasileira, certamente já teriam
aprovado no legislativo a versão tupiniquim do “Salvi Ladri” tropical.
Por
tudo isso e muito mais, os brasileiros honestos não podem se omitir na
mobilização e apoio intransigente à “Operação Lava Jato”, sob pena de
ver a cultura da corrupção triunfar mais uma vez. Devem meditar nas
sábias palavras do Papa Francisco: “O pecado se perdoa, a corrupção não
pode ser perdoada. Pecador sim, corrupto não”.
*Helio
Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual
Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários
livros sobre a economia brasileira.