Domingo, 26 de junho de 2016
Da Pública
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Da Pública
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
por Patrícia Figueiredo | 24 de junho de 2016
Deputado Eduardo Bolsonaro, do PSC-SP, usou vídeo disponível no
YouTube para dizer que órgão entra em propriedades rurais para “colocar
índios dentro delas”, mas afirmação é falsa
“[Imagens da internet] mostram a Funai (…) invadindo
fazendas, com o apoio de homens armados da Força Nacional, para colocar
índios dentro delas.” – deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), em discurso
na Câmara no dia 16
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) usou o plenário da Câmara, no
dia 16, para acusar a Fundação Nacional do Índio (Funai) de invadir
fazendas, usando o apoio da Força Nacional, para “colocar índios dentro
delas”. A prova disso, segundo o parlamentar, estaria em um vídeo do YouTube, publicado em agosto de 2015 e divulgado no Facebook, na mesma época, pela página Fora PT.
Entramos em contato com o gabinete de Bolsonaro e um assessor confirmou
que o deputado se referiu a este material em seu discurso. O Truco no Congresso – projeto de fact-checking da Agência Pública, feito em parceria com o Congresso em Foco – verificou as informações e descobriu que o deputado mentiu, distorcendo os acontecimentos mostrados na gravação.
No vídeo, um agente da Funai é recebido aos gritos e intimidado por
proprietários de terra no Mato Grosso do Sul. Junto com ele estão alguns
agentes da Força Nacional e, mais atrás, uma caminhonete. Observando
apenas as imagens, não é possível concluir se os passageiros do veículo
são indígenas, como afirma um fazendeiro durante o vídeo, por conta das
janelas escuras do carro.
Procurada, a Funai afirmou que “a interpretação do vídeo não
corresponde à realidade”. Segundo a fundação, o servidor não estava
invadindo a fazenda “para colocar índios dentro dela”, como sugere o
deputado, mas para procurar duas crianças, desaparecidas após um
violento ataque realizado dias antes contra um acampamento indígena na
região. “A presença de duas lideranças [indígenas] na caminhonete se
justifica pelo fato de os índios serem imprescindíveis na busca, tendo
em vista tanto o conhecimento da mata quanto a interlocução com a
criança que, caso não sentisse confiança nos chamados, poderia
permanecer escondida, dada a situação de terror psicológico que
vivenciou”, explicou Mônica Machado, indigenista especializada e
assessora de imprensa da Funai.
As imagens foram gravadas no município de Coronel Sapucaia após
confrontos pela ocupação da fazenda Madama, que faz parte da terra
indígena Iguatemipegua II, reivindicada pelo povo guarani e kaiowá. A
fazenda, que aparece no vídeo, foi alvo de ataques por parte dos
produtores rurais em uma tentativa de invasão do espaço ocupado pelos índios realizada no dia 24 de junho do ano passado. A ação foi combinada por fazendeiros presentes em uma reunião de produtores rurais.
Segundo a Funai, é comum o acompanhamento de agentes da Força
Nacional em casos de confronto devido ao risco iminente aos servidores. A
fundação afirma que o proprietário da fazenda Madama concordou com a
entrada dos agentes da Força Nacional e que os homens que aparecem no
vídeo seriam, na verdade, produtores rurais que faziam uma reunião na
sede da fazenda no momento da visita. A Funai diz ainda que as duas
crianças desaparecidas foram localizadas dias depois em um território
vizinho.
A terra indígena Iguatemipegua II, onde está localizada a fazenda,
compõe um grupo de estudos de identificação e delimitação de terras
constituído pela Funai em 2008. Fazem parte deste grupo outras duas
terras, Iguatemipegua I e III. Dessas, apenas a terra I já foi aprovada
pela Funai e liberada para demarcação física, enquanto as outras duas
aguardam publicação. Segundo a Constituição Federal, a terra indígena
corresponde a um direito originário, anterior à própria formação do
Estado brasileiro. “Dessa forma, o procedimento administrativo de
regularização fundiária de territórios de ocupação tradicional indígena
corresponde a um ato de natureza meramente declaratória; ou seja, não é o
Estado brasileiro que cria a terra indígena, ele apenas a reconhece
segundo requisitos técnicos e legais executados pela Funai”, explica
Machado, da Funai.
O Truco no Congresso entrou em contato com o
gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro novamente, para informar que a
afirmação seria classificada como falsa. Um assessor afirmou, no
entanto, que ninguém comentaria o assunto.